Uniso: pesquisadora debate o espaço e o tempo da arte na escola
A professora Maria José Braga Falcão propôs mudanças nas aulas de Arte numa escola pública do interior de São Paulo. Crédito: Paulo Ribeiro
Texto: Guilherme Profeta
Como interferir no espaço e no tempo instituídos para as aulas de Arte na escola? Elaborar respostas para esta questão foi o objetivo da professora Maria José Braga Falcão em sua tese de doutorado, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso). Depois de 30 anos dedicados ao magistério — somados às suas experimentações como artista plástica —, ela prefere pensar sobre si mesma como uma “professora artista”, uma denominação que diz muito a respeito de sua trajetória de vida.
Em sua experiência enquanto artista, ela ressalta o pensamento de Herbert Read, autor de A Educação Pela Arte, defendendo que a arte nasce da intimidade do indivíduo com os objetos, as pessoas e consigo mesmo. “Isso faz da necessidade de intimidade na experiência artística uma particularidade relevante no campo da Arte, que poderia ser levada em conta nos contextos escolares”, diz ela. Não é o que acontece, contudo, no cotidiano das escolas, que costuma ser muito ruidoso e pautado pela objetividade e por etapas bem definidas.
“Ao observar a organização temporal de uma escola, é possível perceber que ela se faz de acordo com os padrões cíclicos do tempo, fundamentando-se nos relógios, nos calendários, na rotina do planejamento”, explica a pesquisadora. Na composição dos currículos, uma organização orientada pelo relógio contempla algumas disciplinas — aquelas tidas como “mais importantes” — com uma fatia de tempo maior, em detrimento daquelas tidas como desimportantes, como a própria Arte, que pode se tornar, nas palavras dela, “um corpo estranho e desajeitado”. Isso implica consequências na qualidade da experiência artística dos alunos e no enfraquecimento da prática docente.
Diante dessa questão, o projeto Tempo de Arte: a criação enquanto ocupação do sensível foi proposto pela professora como uma experiência possível e envolveu alunos do 6º ano do Ensino Fundamental II de uma escola pública estadual do interior de São Paulo, no período letivo de 2012 e 2013. Ao mesmo tempo, o projeto serviu de substrato para a sua tese de doutorado.
“O que interessou particularmente ao meu estudo foi a possibilidade de intervir no espaço e no tempo instituídos para as aulas de Arte na escola”, conta Falcão. “Intervir, neste caso, significa divizar vazios — tanto no espaço quanto no tempo — e inserir arte, nessas lacunas. Esse desejo encontrou ressonância no trabalho de autores dos quais me aproximei por meio da professora Maria Lúcia Amorin Soares, parceira neste estudo. A artista brasileira Brígida Baltar foi uma dessas referências; ela trabalha a delicadeza da experiência e, a partir de um olhar afetivo, propõe que transformemos os chamados ‘não lugares’ em ‘lugares’ onde a arte possa viver. Já o videoartista estadunidense Bill Viola nos propõe a desaceleração: menos informação em mais tempo, prolongando a duração da experiência.”
A desaceleração é um dos pontos entendidos pela pesquisadora como condição de aprendizagem, o que pode ser percebido num trecho de seu relato: “Eram 16h45 quando entrei na sala de aula. Por alguns instantes, observei em silêncio, apreendendo todos os detalhes daquela profusão de vozes e gestos. Uma bagunça! A agitação das crianças continuou até suas mãos tocarem a argila. Frente à massa inerte, os olhos se desviavam e as mãos projetavam-se sozinhas, à caça de descobertas. A mão vive, a mão vê. O corpo de cada criança vibra e vive. E, em meio minuto, elas estavam por inteiro dedicadas à atividade. Por que isso aconteceu? Por que, de repente, as crianças voltaram a atenção para o que estavam fazendo?”. E ela questiona: “A argila interfere na qualidade da experiência ao fazer o tempo da aula durar de outro modo?”
Nesse sentido, o projeto Tempo de Arte: a criação enquanto ocupação do sensível propôs um inventário de situações de aprendizagem análogas, cujos conteúdos e objetivos nutriram-se de subjetividade, sem desconsiderar a parcela de objetividade que é parte inerente do componente curricular Arte. Para isso, o Caderno do Aluno/Arte (SEE/SP) foi uma referência quanto a conteúdos, procedimentos, estratégias e avaliação.
— E para que serve tudo isso? — alguém poderia se perguntar. “Numa perspectiva utilitarista”, responde a professora, indo direto ao ponto, “a arte não serve para nada. Numa perspectiva utilitarista, a vida não nos permite desperdícios. Quem, nesse contexto, vai perder tempo com a arte ou com a poesia? Em certa medida, porém, nossa educação tecnocrata, movida pela razão, tem se dado conta de que a máquina não salva. O que é humano necessita de outros cuidados, o que nos impõe desafios. Nas palavras do professor Boaventura Santos, ‘os desafios, quaisquer que eles sejam, nascem sempre de perplexidades produtivas’”. Nesse sentido, o projeto desenvolvido pela professora procurou enfrentar essa perplexidade, permintindo que a experiência com a Arte reagisse às circunstâncias do cotidiano de uma escola pública estadual.
“Tal experiência pode ser possível em outros contextos escolares, em que os professores de Arte possam exercitar no cotidiano os desafios que emergem da experiência, para que a Arte, preservada em sua essência, possa mediar encontros significativos com o conhecimento”, conclui a professora.
Texto elaborado com base na tese “‘A professora de nada’. Na consciência da ausência uma presença possível: Arte no espaço e tempo do cotidiano escolar”, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação da professora doutora Eliete Jussara Nogueira e aprovada em 16 de dezembro de 2015. Acesse a pesquisa.
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