Repelentes do tipo DEET são mais eficazes contra o mosquito Aedes aegypti
Se alguém lhe pedir para pensar no animal mais mortal do mundo, é bastante provável que você imagine grandes predadores, munidos de garras e dentes. Mas os animais mais perigosos, de fato, não têm nada disso; muito pelo contrário: você seria capaz de liquidá-los sem muito esforço, com um único tapa. Ainda assim, eles são responsáveis por mais mortes do que leões, tigres, tubarões e quaisquer outros predadores combinados, que costumam levar a má fama mas na verdade representam uma ameaça irrisória à espécie humana.
Quem é, então, o grande vilão? “O mosquito é um dos animais mais mortais do mundo. A sua habilidade de transmitir doenças a seres humanos causa milhões de mortes todos os anos. Em 2015, somente a malária causou 438 mil mortes.” A declaração está disponível no portal da Organização Mundial da Saúde (OMS), junto a uma lista das seis principais arboviroses que acometem as populações ao redor do planeta. Quatro delas — a dengue, a febre chikungunya, a zika e a febre amarela — são transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, que vive nas mesmas áreas que mais da metade da população mundial, o que o torna uma grande ameaça à saúde pública.
Para saber mais: O que são arboviroses? Arboviroses são doenças virais transmitidas por artrópodes (ou seja, aracnídeos e insetos, principalmente os mosquitos). Elas são especialmente preocupantes nos países tropicais, como é o caso do Brasil.
Das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, a dengue é a mais preocupante. Ela está presente em nada menos do que 141 dos 195 países existentes atualmente e, todos os anos, mais de 50 milhões de pessoas são infectadas pela doença — no Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam para quase 100 mil casos suspeitos de dengue somente entre dezembro de 2017 e abril de 2018. A febre chikungunya e a zika são bastante semelhantes à dengue, com sintomas muitas vezes parecidos (como febre alta e dores no corpo), contudo, apesar de as doenças serem relativamente brandas, determinados grupos podem ter complicações mais severas. Foi confirmada recentemente, por exemplo, a relação entre a zika e a microcefalia nos casos em que as gestantes foram picadas pelos mosquitos e infectadas com a doença durante a gestação.
DEET combina maior tempo de proteção e porcentagem de repelência. Foto: Paulo Ribeiro
“Para o combate a essas doenças, a prevenção é o meio mais eficaz, e ela depende, principalmente, do controle do mosquito vetor e da proteção pessoal, por meio do uso de repelentes”, alerta a estudante da graduação em Farmácia da Uniso Maria Raquel Gomes Fernandes, que desenvolveu em 2018 um projeto de Iniciação Científica a respeito da eficácia e da segurança de repelentes comercializados no Brasil. A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e contou com a orientação da professora doutora Cristiane de Cássia Bergamaschi Motta, coordenadora do programa de pós-graduação em Ciências Farmacêuticas da Uniso.
O objetivo foi verificar quais das substâncias utilizadas como repelentes e comercializadas no Brasil são as mais eficazes, e se existem estudos disponíveis compreendendo as substâncias naturais comercializadas no país, bem como compreender se elas são tão eficazes quanto os compostos sintéticos. Para isso, Fernandes cruzou os resultados de 16 estudos clínicos selecionados a partir de mais de 2500 pesquisas disponíveis em dez bases de dados internacionais, num processo que é chamado de revisão sistemática, que tem como objetivo sintetizar os resultados de estudos publicados em todo o mundo, avaliando assim as evidências científicas disponíveis e direcionando o processo de decisão dos profissionais da saúde, sem que eles precisem vasculhar centenas ou milhares de artigos de uma vez só.
Os estudos revisados contemplaram seis tipos de repelentes. Três são os sintéticos recomendados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela OMS: o DEET, a icaridina e o IR3535. Já em relação aos naturais, foram considerados a citronela (Cymbopogon nardus), a andiroba (Carapa guianensis) e o eucalipto (Eucalyptus globulus), igualmente aprovados pela Anvisa.
Os resultados da revisão apontam que tanto os repelentes sintéticos quanto os naturais oferecem proteção contra o Aedes aegypti (e também contra o Aedes albopictus, que potencialmente pode transmitir as mesmas doenças). A grande diferença é que, no caso dos repelentes sintéticos, o tempo de proteção costuma ser maior.
“Os resultados tendem a demonstrar que o DEET apresentou melhor tempo de proteção em relação às substâncias naturais citronela e eucalipto, e também em relação aos sintéticos. Não foi encontrado nenhum estudo clínico a respeito da andiroba. Quanto à porcentagem de repelência, o DEET e a icaridina apresentaram resultados semelhantes, superiores ao IR3535 e à citronela, na maioria dos estudos selecionados. Não há estudos que comparem a andiroba e o eucalipto quanto à porcentagem de repelência”, resume a autora da pesquisa. Quando os resultados são cruzados, o DEET é o mais indicado, por combinar um maior tempo de proteção a uma maior porcentagem de repelência, tanto em relação a outros sintéticos quanto aos naturais. Estudos futuros são necessários para corroborar esses achados.
“Esses resultados podem subsidiar os profissionais da saúde para a prescrição de repelentes mais adequados para a prevenção da dengue, da zika, da chikungunya e da febre amarela, o que pode, inclusive, reduzir o número de atendimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde”, conclui Fernandes.
É importante lembrar que para gestantes, crianças com idade inferior a 1 ano e pessoas alérgicas, o uso de repelentes requer a orientação de um profissional da saúde. Além disso, vale ressaltar que o controle da proliferação dos mosquitos é tão importante quanto a proteção individual. A melhor alternativa continua sendo eliminar qualquer possível criadouro do Aedes aegypti, ou seja, locais e objetos que possam acumular água parada.
Texto elaborado com base na pesquisa de Iniciação Científica “Efetividade e segurança dos repelentes comercializados no Brasil contra a picada dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus: revisão sistemática”, do curso de graduação em Farmácia da Uniso, com orientação da professora doutora Cristiane de Cássia Bergamaschi Motta. A pesquisa contou ainda com a colaboração da professora doutora Luciane Cruz Lopes e do estudante de graduação em Enfermagem Rodrigo Suguimoto Iwami, ambos da Uniso. Para mais informações sobre o projeto de pesquisa, acesse este link.
Reportagem: Guilherme Profeta