Postura preditiva é fundamental para reduzir riscos de acidentes ambientais
Hoje, apenas um quarto de toda a área terrestre do planeta permanece livre dos impactos das diferentes atividades humanas. Somente nos últimos 50 anos, uma área correspondente a 20% da Floresta Amazônica foi desmatada, e no mesmo período, as populações de seres vivos ao redor do mundo foram reduzidas em cerca de 60% — índice que aumenta quando o foco recai somente sobre as Américas do Sul e Central, onde a redução das populações chega a quase 90% em comparação ao ano de 1970. Esses dados fazem parte do relatório Living Planet Report, publicado pela WWF, uma das principais organizações não governamentais voltadas à conservação ambiental em todo o mundo. A cada dois anos, o estudo apresenta números e tendências da biodiversidade global, geralmente preocupantes. A última edição, publicada em 2018, inclui um alerta: “esta é a primeira vez em toda a história da Terra em que uma única espécie — o Homo sapiens — teve um impacto tão poderoso sobre o planeta”.
O pesquisador Marcílio Ferraz da Silva. Foto: Paulo Ribeiro/Arquivo-Uniso
A indústria, naturalmente, vem sendo parte desse problema há pelo menos dois séculos, especialmente a partir da segunda fase da Revolução Industrial, iniciada em 1860. Desde então, o nível de poluição na atmosfera e nos efluentes vem crescendo drasticamente, assim como a quantidade de resíduos descartados pelos consumidores finais. Todas essas questões representam impactos ao meio ambiente, mas há outro risco que, segundo Marcilio Ferraz da Silva, Mestre em Processos Tecnológicos e Ambientais pela Uniso, não deve ser negligenciado: os impactos ambientais que podem ser gerados no caso das falhas de segurança no processo industrial, que incluem os acidentes ocorridos em instalações industriais, em espaços urbanos e durante o transporte de materiais (como o combustível). Infelizmente, são vários os exemplos, tanto no Brasil quanto no mundo.
Os mais recentes incluem os rompimentos das barragens de Fundão e Brumadinho, ambas no estado de Minas Gerais. O primeiro acidente, ocorrido em 5 de novembro de 2015, resultou na liberação de rejeitos equivalentes a 25 mil piscinas olímpicas de material contaminado com arsênio, chumbo, cromo, manganês e outros metais pesados. Foram registradas, também, mais de 11 toneladas de peixes mortos, sem contar outros animais da fauna local. O rio foi dado como morto e, cinco anos depois, ainda não está recuperado. Já o segundo levou à perda imediata de mais de 125 hectares de área de floresta na região, segundo boletim do Corpo de Bombeiros do estado divulgado na ocasião pela agência AFP, além, é claro, das perdas humanas, que passam de 250, fazendo desse o maior acidente de trabalho com vítimas fatais registrado no Brasil. Ambas as tragédias poderiam ter sido evitadas.
“Os acidentes catalogados no Brasil e no mundo, desde a década de 70 até os dias de hoje, demonstram a fragilidade das organizações em relação à segurança do processo produtivo. Muitas vezes, após cada uma dessas tragédias, representantes da comunidade se reúnem com o objetivo de estudar e identificar as causas, criando mecanismos e leis para normatizar, direcionar e obrigar as organizações a se adequar, de modo a evitar que situações como essas voltem a acontecer. Existe, assim, a necessidade de sistemas que identifiquem as vulnerabilidades no processo produtivo e minimizem os impactos ambientais”, defende Silva, que acumula mais de 25 anos de experiência na área de prevenção de acidentes nas indústrias química, metalúrgica e petroquímica. Foi o desenvolvimento de uma metodologia integrada com esse objetivo que ele propôs em sua dissertação de mestrado, em 2016.
Ave morta devido a derramamento de óleo. Foto da Ave: Shutterstock
Por uma indústria mais responsável
A pesquisa de Silva compilou definições e procedimentos referentes a todo o processo de redução de riscos: desde a obtenção de licenças ambientais (federais, estaduais e municipais) até a elaboração de projetos técnicos e planos diversos (de contingência, de atendimento emergencial, de auxílio mútuo), contemplando uma ampla possibilidade de utilização nos mais diversos ramos de atividade. A metodologia foi aplicada inicialmente a uma empresa fictícia, a título de projeto-piloto, mas o potencial é de aplicação em organizações reais.
A metodologia resultante combina as funções preditiva, no sentido de prever os riscos antes que eles se transformem em emergências, e combativa, objetivando minimizar os danos de emergências que já estejam em curso. Para o pesquisador, essa postura preditiva é parte essencial de uma indústria mais responsável, que seja capaz de encontrar o equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade: “Um monitoramento sistemático dos pontos críticos praticamente elimina os riscos, uma vez que a metodologia de monitoramento obriga a organização a realizar checagens periódicas, a fim de identificar possíveis falhas antes que ocorra o colapso, ou mesmo que as instalações estejam aptas a minimizar consequências desastrosas. Ganha a empresa, os funcionários, a sociedade e o meio ambiente.”
As atividades econômicas, afinal, são necessárias, mas dependem em grande parte da natureza — estima-se que os recursos naturais provejam todos os anos uma movimentação de US$ 125 trilhões na economia global (os dados também são do Living Planet Report). “Assim, a preservação do meio ambiente não deve ser compreendida como um obstáculo ao desenvolvimento tecnológico e industrial, e tampouco o desenvolvimento deve ser motivo ou justificativa para a degradação do meio ambiente. O desenvolvimento deve respeitar os limites de cada parte envolvida. Isso é ser sustentável”, defende Silva.
Sua metodologia, uma espécie de “passo a passo” para o gerenciamento de riscos e impactos ambientais, está disponível ao público (em português), podendo ser acessada por meio do QR code incluído abaixo. Segundo o pesquisador, podem se beneficiar dela especialmente as empresas que possuam projeto técnico do Corpo de Bombeiros, ou riscos de incêndio e explosão.
Para saber mais: Acidentes ambientais no mundo
Provavelmente o acidente em instalação industrial mais famoso em todo o mundo foi a explosão do reator número 4 na Usina de Chernobyl, na Ucrânia, em 26 de abril de 1986. Foi liberado na atmosfera material radioativo equivalente a mais de 30 bombas atômicas iguais àquela utilizada na cidade de Hiroshima, o que fez desse o maior acidente nuclear da história da humanidade. Até hoje uma área de contenção continua estabelecida ao redor da cidade.
Já em relação aos acidentes durante o transporte, um exemplo emblemático foi o derramamento de petróleo ocorrido em 24 de março de 1989 no Estreito do Príncipe William, no Alasca. Na ocasião, o navio-tanque Exxon-Valdez despejou 40 mil toneladas de óleo nas águas do estreito, após chocar-se contra um recife. O derramamento foi equivalente a 11 milhões de galões de petróleo bruto, atingindo uma área de 260 km² ao redor, que servia de habitat para peixes, baleias e leões marinhos. O evento foi um dos piores desastres ambientais ocorridos nos EUA.
Quando o assunto é acidente urbano, aquele ocorrido na Baía de Minamata, no sul do Japão, também é bastante citado. Em 1956, foram registrados os primeiros casos de disfunções neurológicas devido à contaminação por mercúrio na baía, que já há quatro décadas vinha servindo como área de descarte de resíduos industriais contaminados da Chisso Corporation. Não só as pessoas foram afetadas durante esse período, mas também a fauna marítima. Tanto que redes foram instaladas ao redor da baía para impedir que os peixes contaminados nadassem para outras áreas. Somente em 1997, mais de 40 anos depois, a região foi declarada descontaminada e as redes foram retiradas.
Com base na dissertação “A Segurança do Trabalho como premissa na preservação do meio ambiente: Apresentação de uma ferramenta para o monitoramento dos potenciais riscos de acidentes ambientais nas organizações”, do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação da professora doutora Débora Zumkeller Sabonaro e do professor doutor Waldemar Bonventi Júnior e aprovada em 27 de setembro de 2016. Com dados adicionais do relatório Living Planet Report de 2018, publicado pela WWF (World Wide Fund for Nature). Acesse: http://pta.uniso.br/documentos/discentes/2016/marcilio-silva.pdf
Texto: Guilherme Profeta
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