Pesquisador propõe seis medidas para melhorar gerenciamento de desastres tecnológicos no Brasil
Era uma manhã normal de trabalho, os funcionários já se preparavam para o horário do almoço quando o Terminal Químico de Aratú, em Santos, começou a pegar fogo. O incêndio surgiu na central de transferência, envolveu tubulações e tanques de combustíveis e logo se espalhou pelo terminal, transformando-se em um dos maiores acidentes ocorridos em áreas de armazenamento de produtos químicos no Brasil.
O incêndio começou no final da manhã do dia 2 de abril de 2015 e só foi controlado nove dias depois, numa operação que é considerada a segunda maior da história mundial, atrás apenas do incêndio no terminal de Buncefield, em 2005, na Inglaterra. A operação envolveu mais de 1.300 pessoas, entre bombeiros e profissionais de dezenas de instituições governamentais e privadas. Apesar da dedicação dos profissionais, muitos equívocos foram cometidos por causa da falta de preparação, planejamento e comando integrado entre as diversas instituições envolvidas.
Desastres tecnológicos como o do Terminal de Alemoa têm ocorrido com preocupante frequência nos últimos anos. Para evitar que os desvios constatados na operação em Santos se repitam, o pesquisador Rubens César Perez, da Universidade de Sorocaba (Uniso), apresentou no ano passado sua “Proposta para o Gerenciamento de Desastres Tecnológicos por meio da Perspectiva do Sistema de Comando de Incidentes”. O trabalho é resultado da sua pesquisa de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais, feita sob a orientação do professor doutor Daniel Bertoli Gonçalves.
Perez lançou livro usando sua pesquisa como base
A partir de uma pesquisa descritiva e exploratória sobre o tema, o trabalho de Perez propõe elementos de integração e sinergia operacional para o setor privado. O objetivo é otimizar e potencializar a utilização de uma doutrina direcionada ao gerenciamento de desastres, para garantir uma ação coordenada e autossustentada, visando à preservação de vidas, à proteção do meio ambiente e à minimização dos diversos impactos econômicos relacionados com esses desastres.
Problemas e soluções
A proposta apresentada por Perez em seu trabalho prevê um conjunto de ações, que visa à regulamentação, difusão, sistematização e emprego de um Sistema de Comando de Incidentes direcionado aos desastres tecnológicos. Suas propostas estão alinhadas com as legislações e normativas brasileiras e são direcionadas especialmente ao setor industrial. “O problema atual é que os poucos sistemas existentes são utilizados exclusivamente pelo segmento governamental, de forma específica pelos Corpos de Bombeiros Militares e Defesas Civis”, conta o pesquisador.
Para Rubens César Perez, autor do estudo, é necessário engajamento maior do setor privado no planejamento de ações. Foto: Paulo Ribeiro.
Segundo Perez, é preciso envolver o setor privado nas etapas de preparação e gerenciamento de desastres, principalmente os segmentos de alto risco, como os setores químico, petroquímico, de óleo, de gás e de transporte de produtos perigosos.
Além da falta de um envolvimento maior dessas indústrias, o trabalho de Perez mostra que o corpo de bombeiros também não está vocacionado para gerenciar desastres tecnológicos de forma independente, precisando, na maioria das vezes, acionar outros órgãos para apoio emergencial.
“As ações de sistematização de um sistema de comando de incidentes para o gerenciamento de desastres tecnológicos no Brasil são ainda difusas e incipientes, limitando-se apenas às entidades governamentais”, diz o pesquisador.
Para melhorar o sistema, Perez propõe uma série de alterações em seis elementos: Normas Técnicas Brasileiras; Instruções e Normas Técnicas dos Corpos de Bombeiros Militares; Plano Nacional de Prevenção, Preparação e Resposta Rápida à Emergências Ambientais de Produtos Químicos Perigosos; Planos de Auxílio Mútuo e Redes Integradas de Emergência; Normativas e Regulamentações Ambientais; e Regulamentações de Segurança do Trabalho.
A maior parte desses normativos está limitada, hoje, ao trabalho contra incêndio. As propostas de Perez ampliam os normativos para combater outros tipos de acidentes, mexendo, inclusive, no currículo mínimo dos cursos de formação.
A proposta apresenta, ainda, um conjunto de ações, por meio de vários elementos que promovem a integração e sinergia do setor privado, principalmente o industrial, no processo de preparação, planejamento e resposta aos desastres tecnológicos em território brasileiro. “A utilização do Sistema de Comando de Incidentes com a filosofia de gestão permite que o setor industrial faça parte do processo de resposta como parte da solução; ao invés de ficar fora dele, como parte do problema”, conclui o pesquisador da Uniso.
No caso do incêndio no Terminal de Alemoa, os prejuízos financeiros para a cidade de Santos chegaram à casa dos R$ 200 milhões. As consequências do desastre, no entanto, vão muito além da questão financeira. Os moradores das redondezas tiveram a saúde afetada, com uma série de complicações respiratórias. Também foram encontradas cerca de sete toneladas de peixes mortos pela diminuição da taxa de oxigênio na água, fora outros impactos ambientais. Problemas que poderiam ser minimizados com as propostas de ação de Perez que, após defender o mestrado, lançou um livro sobre o tema, chamado Gerenciamento de Desastres Tecnológicos no Brasil, no qual usou sua pesquisa como base.
Texto elaborado com base na dissertação “Proposta para o gerenciamento de desastres tecnológicos por meio da perspectiva do Sistema de Comando de Acidentes”, do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação do professor doutor Daniel Bertoli Gonçalves e aprovada em 2 de junho de 2017. A dissertação pode ser encontrada e baixada aqui: http://pta.uniso.br/documentos/discentes/2017/rubens-perez.pdf
Texto: Marcel Stefano
Galeria
Confira a galeria de fotos