Compartilhamento inteligente de cargas pode ser alternativa de transporte mais amigável para o meio ambiente
O pesquisador José Itamar Monteiro pesquisou como reduzir os impactos ambientais do transporte rodoviário. Foto: Paulo Ribeiro
O transporte, seja de pessoas ou de mercadorias, é um dos grandes problemas do mundo contemporâneo. Talvez você não pense, por exemplo, na complexidade envolvida no ato de fazer uma compra online, esperando receber em poucos dias um produto que pode estar no outro lado do país, ou mesmo do mundo. No Brasil, é muito provável que o tal produto chegue até você depois de ser transportado por caminhões, uma vez que o modal rodoviário corresponde a cerca de 60% da matriz brasileira de transporte, muito à frente dos modais ferroviário, aquaviário, dutoviário e aéreo, nessa ordem. Uma questão premente é que, dentre todas essas possibilidades, o transporte rodoviário é um dos mais caros, além de poluir bastante o meio ambiente. É por isso que propostas para otimizá-lo são muito bem-vindas.
“O transporte, condição essencial para o desenvolvimento, é uma das atividades de maior impacto ao meio ambiente. Sendo assim, tornam-se imperativos padrões sustentáveis para a ampliação dos sistemas de transporte. O fracionamento do espaço de carga é uma dessas alternativas para a redução dos custos e, também, dos impactos ambientais”, diz o professor mestre José Itamar Monteiro, do curso de graduação em Engenharia de Produção, além de outros cursos tecnológicos da Universidade de Sorocaba (Uniso).
Para entender o que é o frete fracionado, basta se lembrar dos aplicativos de corridas compartilhadas, que revolucionaram a mobilidade urbana nos grandes centros. A lógica é simples: se você e um estranho estão indo para o mesmo lugar ou para a mesma direção, por que não usar um aplicativo que lhes permita compartilhar um carro e dividir as despesas? Além de economizar dinheiro, essa é uma prática que pode ajudar a reduzir o número de veículos nas ruas e, consequentemente, o impacto ambiental. O compartilhamento logístico de cargas segue a mesma lógica; a diferença mais básica é que, em vez de pessoas e carros de passeio, o processo envolve produtos diversos e caminhões, mas o objetivo é o mesmo: economizar. “Em ambos os casos, otimização é a palavra-chave”, explica Monteiro. “O fracionamento do espaço de carga possibilita diversos remetentes em um mesmo embarque, diluindo, dessa forma, o custo do frete entre os clientes.”
O pesquisador destaca que o consumo de combustível, especialmente do diesel, pode ser apontado como o principal problema ambiental do sistema de transporte, uma vez que está diretamente relacionado às massivas emissões de gases poluentes causadores do efeito estufa. Dados do Ministério do Meio Ambiente compilados em sua pesquisa apontam que o diesel de petróleo corresponde a 53% do consumo de combustível no Brasil, com projeções para a redução de quatro pontos percentuais até o ano que vem. A gasolina vem logo em seguida, com 26%. Imagina-se que, além de
diminuir os custos, o compartilhamento de cargas pode ajudar a reduzir esses indicadores relativos ao combustível e também outros, como por exemplo, o índice de sucateamento de caminhões e o descarte de pneus, uma vez que cargas compartilhadas significam menos caminhões rodando pelas estradas e, consequentemente, menos desgaste.
Foi essa situação que Monteiro estudou em sua pesquisa de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Uniso, após muitos anos de trabalho na área da logística. “Trabalhando na indústria, eu comecei a perceber os custos associados ao transporte e observar como os veículos operam com ociosidade. Foi daí que veio a ideia da carga compartilhada, que é comum em empresas de uma mesma rede ou entre fornecedores, mas nem tanto fora desse contexto”, explica. Na pesquisa, ele analisou como as empresas transportadoras da Região Metropolitana de Sorocaba se comportam. “O que o estudo buscou avaliar é se a aplicação da técnica gerencial de compartilhamento logístico de cargas, que pode ser empregada para a redução de custos logísticos, também é capaz de contribuir para a redução de impactos ambientais.”
Os resultados apontam que, na região de Sorocaba, as empresas transportadoras — que, segundo o pesquisador, passam de duas mil — apresentam uma vasta heterogeneidade de porte e de tipologia de veículos, mas a predominância é de caminhões leves, que representam um quarto de toda a frota. “Entende-se que as empresas de transporte optam por veículos de menor capacidade em função da demanda oscilante e da dificuldade no compartilhamento das cargas”, explica Monteiro. “Os resultados mostram que somente 33% dos veículos operam desde o início do percurso com 80 a 100% da sua capacidade preenchida. Outros 33% iniciam o percurso de ida com 55% a 80% da capacidade e 34% com um mero percentual entre 30% e 55% da capacidade total. No percurso de retorno, o cenário pode ser ainda mais crítico. Muitas vezes o caminhão volta vazio.”
Para resolver essa questão, o pesquisador defende que a solução envolve inteligência e compartilhamento de informação, de modo a possibilitar que as transportadoras trabalhem não só com caminhões de maior capacidade, mas que esses caminhões trafeguem, também, mais cheios, de modo a aproveitar os espaços que hoje seguem vazios. “Um sistema de informação eficaz poderia contribuir para a colaboração logística e, como resultado, os impactos ambientais seriam notoriamente reduzidos”, destaca.
A título de exemplo, o pesquisador apresenta alguns cálculos de dimensionamento de frota, considerando hipoteticamente os dados da Ceagesp, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo, uma empresa pública federal cuja responsabilidade é a distribuição de produtos hortícolas. O objetivo foi calcular a diferença de eficiência entre operações com dois veículos de diferentes capacidades, um de 22 e outro de 37 toneladas. “Eu simulei como se fôssemos transportar toda a capacidade da Ceagesp de uma região a outra e os resultados dessa simulação mostram que, se a empresa pudesse mudar o tamanho dos veículos, seria possível economizar, durante apenas um mês, combustível suficiente para rodar mais de 10 milhões de quilômetros”, explica. Enquanto caminhões de 22 toneladas precisariam
fazer mais de 32 mil viagens, caminhões de 37 toneladas com 100% da capacidade precisariam fazer pouco mais de 19 mil viagens. A diferença é gritante.
“Mas, para que isso seja possível”, alerta Monteiro, “é preciso gerar a demanda para veículos de maior capacidade.” E como fazer isso? O pesquisador defende o desenvolvimento de um aplicativo, com lógica semelhante aos já mencionados aplicativos de corridas ou caronas compartilhadas, que permita à empresa cadastrar a carga a ser transportada, de modo que um algoritmo trace uma rota e os caminhões possam fazer várias paradas ao longo do caminho, até chegar a 100% da capacidade. As finanças agradecem, e o meio ambiente também.
Para saber mais
Composta atualmente por 27 municípios, a RMS é uma das seis regiões metropolitanas existentes no Estado de São Paulo. Dados da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa) apontam que a RMS abriga 4,6% da população do estado e, em 2015, gerou nada menos do que 4% de todo o PIB paulista. Quando o assunto é atividade econômica, destacam-se o agronegócio e a indústria automotiva. Com uma estação aduaneira e amplo acesso às principais rodovias do estado, a RMS é um centro logístico.
Com base na dissertação “O compartilhamento de cargas como contribuição para redução de custos e impactos ambientais do transporte rodoviário de cargas na Região Metropolitana de Sorocaba”, do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação do professor doutor Daniel Bertoli Gonçalves e aprovada em 27 de abril de 2016. Acesse a pesquisa: http://pta.uniso.br/documentos/discentes/2016/jose-itamar-monteiro.pdf
Texto: Guilherme Profeta
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