Meio Ambiente
Interação entre espécies é registrada pela primeira vez no Sudeste
O comportamento foi observado em pseudoescorpiões que se abrigavam sob os élitros (asas anteriores) de certos besouros
Por meio de uma nota científica publicada no periódico Entomological Communications, em 2023, o professor doutor Heitor Zochio Fischer e o estudante André Ruiz Marra, do curso de graduação em Ciências Biológicas da Universidade de Sorocaba (Uniso), registraram uma ocorrência de inquilinismo, ou forésia, entre pseudoescorpiões do gênero Lustrochernes e besouros da espécie Mallodon spinibarbis. Esse foi o primeiro registro do tipo na região sudeste do Brasil.
Dá-se o nome de inquilinismo à relação ecológica entre duas espécies distintas em que uma espécie se abriga em parte do corpo da outra, sem prejuízo para os hospedeiros. Mais especificamente, a forésia é uma dessas relações de inquilinismo, em que uma espécie utiliza a outra para fins de transporte. No caso da Uniso, o comportamento foi observado em pseudoescorpiões que se abrigavam sob os élitros (asas anteriores) de certos besouros. Os espécimes foram coletados pelos pesquisadores numa árvore de tamarindo localizada no Núcleo de Estudos Ambientais (Neas) da Uniso.
“A forésia é uma interação sobre a qual ainda se conhece pouco, pelo fato de ela ser bastante complexa de se pesquisar”, explica Fischer. “É um comportamento que ocorre principalmente em invertebrados, os quais precisam se deslocar de um local para outro. No caso da relação que observamos, o pseudoescorpião é um animal de locomoção limitada, devido ao seu tamanho reduzido e à ausência de asas, e, por isso, ele ‘pega carona’ para explorar outros locais. Nessa relação, o besouro pode ser chamado de hospedeiro e o pseudoescorpião, de foronte. O foronte se beneficia dessa associação por conseguir chegar a novos habitats, com mais alimentos e possibilidades de reprodução; já o besouro também pode ter benefícios, uma vez que o pseudoescorpião pode predar ácaros que o colonizam (ainda que essa hipótese não tenha sido comprovada em nossas observações). Tudo isso tem um tempo certo para ocorrer, entre os meses de setembro e novembro: os besouros completam seu processo de desenvolvimento naquela árvore de tamarindo, no Neas, e, quando viram adultos, procuram outros nichos e se deslocam para outros locais.”
Vale destacar que essa relação entre as duas espécies não é uma novidade em si mesma; é certo que o comportamento vem ocorrendo há milhões de anos, uma vez que existem registros de pseudoescorpiões em fósseis de insetos que datam do Eoceno (56 milhões a 34 milhões de anos atrás). No Brasil, tratando-se especificamente da forésia entre os pseudoescorpiões do gênero Lustrochernes e besouros de espécies variadas, já existiam registros científicos em Roraima e no Amazonas, ambos estados da região norte do país, mas nenhum na região sudeste. Os autores explicam que, considerando-se o longo tempo de existência desse tipo de relação — a julgar especialmente pelos registros fósseis —, é possível que a forésia seja um comportamento essencial para a sobrevivência de certas espécies, como os pseudoescorpiões, e que registros em novos ambientes geográficos servem para corroborar essa afirmação.
Para o professor doutor Thiago Simon Marques, coordenador do curso de graduação em Ciências Biológicas da Uniso, faz sentido compreender relações ecológicas tão imbricadas quanto essas, especialmente em contextos em que a biodiversidade está em crise, como este que enfrentamos na contemporaneidade. “Ambientes preservados mantêm redes de interações mais complexas do que ambientes degradados”, ele explica. “Há mais interações ocorrendo numa floresta como a amazônica, por exemplo, do que numa plantação de cana. Dessa forma, conhecer as relações ecológicas entre as espécies — a exemplo dessa entre pseudoescorpiões e besouros — permite prever o impacto da perda de determinadas espécies nas comunidades biológicas. Às vezes, a perda de uma única espécie pode afetar drasticamente toda a comunidade, e existem muitos exemplos desse fenômeno na literatura.”
Com base na nota científica “Primeiro registro de Lustrochernes Beier, 1932 (Pseudoscorpiones: Chernetidae) associado a Mallodon spinibarbis (Linnaeus, 1758) (Coleoptera: Cerambycidae) no sudeste do Brasil”, publicada no periódico científico Entomological Communications, em 2023, pelos seguintes pesquisadores da Uniso: André R. Marra e Heitor Z. Fischer.
Siga o link para ler a nota científica original (em português).
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