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Manufatura Enxuta

"Sustentabilidade precisa oferecer retorno financeiro para ter sucesso nas organizações", diz pesquisador

Gerar menos resíduos significa, também, gastar menos com o descarte

09 de Junho de 2023 às 09:15
O pesquisador Diogo Luiz Faustino, no câmpus Trujillo
O pesquisador Diogo Luiz Faustino, no câmpus Trujillo (Crédito: Paulo Ribeiro / Arquivo Uniso)

Ao contrário do que muita gente pode pensar, a sustentabilidade não precisa necessariamente incorrer em custos extras. Muito pelo contrário: ações orientadas à preservação ambiental podem, inclusive, oferecer economia do ponto de vista financeiro para as organizações. É isso que defende, em sua dissertação de mestrado, o engenheiro e gestor industrial Diogo Luiz Faustino, docente nos cursos de graduação em Engenharia e também nos cursos tecnológicos da Uniso.

Ao longo de 18 anos de experiência na indústria, sempre em funções técnicas e gerenciais voltadas principalmente à Manufatura Enxuta (Lean Manufacturing), ele se deu conta de que era possível fazer mais com algumas ferramentas de gestão do que apenas otimizar os processos e diminuir os prazos de entrega.

“A aplicação do Macromapeamento de Fluxo de Valor (MMFV) — que é uma das ferramentas da Manufatura Enxuta — costuma estar voltada a reduzir diferentes tipos de desperdícios: excesso de produção, tempo de espera, tempo de transporte, excesso de processamento, inventário, movimentação desnecessária e defeitos. O foco normalmente recai sobre a variável tempo, ou seja, o grande resultado é a redução de prazos”, explica Faustino. “O que eu procurei responder com a minha pesquisa é o que mais uma análise dessas pode oferecer e foi possível perceber que, com a mesma ferramenta, é possível identificar os pontos do processo de produção em que acontecem desperdícios com impacto ambiental.”

Para o pesquisador, essa é a grande contribuição das pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso). “É a união destes dois aspectos: é preciso valorizar questões ambientais, mas é preciso impactar os resultados da indústria, da área de operações, porque a vivência na indústria demanda a redução de custos para manter a competitividade. Se não há retorno financeiro, as questões ambientais podem não chamar a atenção das organizações, ao menos num primeiro momento. E é isso que esse projeto evidencia, que é possível reduzir o impacto ambiental das operações e, ao mesmo tempo, oferecer retorno ao negócio, tornando-o mais atrativo e mais rentável financeiramente.”

Projeto-piloto

Para testar os resultados de sua proposta num ambiente real, Faustino aplicou o MMFV num determinado processo de uma empresa multinacional fabricante de autopeças, numa planta localizada na região de Sorocaba.

“Eu trabalhei com o processo de produção de um único componente, que é parte de um rolamento cilíndrico. Esse é um processo muito extenso, com muitas operações que geram resíduos e têm potencial de redução de custos”, descreve o pesquisador. Ele conta que o seu mapeamento se deu no sentido de identificar quais eram os maiores geradores de resíduos dentro do segmento, além de compreender a sua destinação: se eram resíduos que poderiam ser descartados simplesmente ou se havia algum tratamento mandatório — e, nesse caso, se o processamento era fácil ou difícil, e quais custos eram gerados para a empresa em decorrência desse tratamento.

“A aplicação foi muito focada em identificar o volume dos resíduos e como eles eram tratados depois de gerados”, resume Faustino. “Porque uma coisa é a quantidade de resíduos que se gera, o que de certa forma é um desperdício de material, mas esse não é o único problema, porque depois a gente precisa pagar para alguém tratar esses resíduos de forma adequada. Essa é, também, uma responsabilidade da empresa.” Ou seja, gerando-se menos resíduos, reduz-se o impacto ambiental, mas também se gasta menos com o descarte, que é uma obrigação legal.

Em seu estudo, Faustino identificou ambos os impactos: qual foi a redução de custos para o processo em si — quanto o produto em questão ficou mais barato sendo fabricado de modo a gerar menos resíduos e, portanto, consumindo menos matéria-prima — e o quanto foi possível economizar por não ser necessário gastar tanto com o descarte, já que há menos resíduos sendo produzidos pela planta como um todo.

“O projeto foi testado num só produto, que é representativo de uma família de produtos, e esse único teste trouxe um resultado simulado anual de mais de R$34 mil. Se um só item possibilitou essa economia, então pode-se perceber que existe um potencial muito grande de redução de custos e de impacto ambiental, sendo que nessa planta são fabricados mais de cem itens”, destaca o pesquisador.

Mas se existe um potencial tão grande, por que nem todas as empresas estão se preocupando com essas questões? Para Faustino, é porque nem todas as organizações percebem que o MMFV pode ser usado para outros objetivos além dos tradicionais. “Obviamente todas as grandes empresas avaliam os diferentes tipos de desperdícios apresentados nos estudos de Manufatura Enxuta, que hoje somam oito, mas os aspectos ambientais nem sempre são explorados com clareza. Entendo não só que existe essa outra vertente da ferramenta, mas que ela pode ajudar a vincular os resultados dos projetos de sustentabilidade aos indicadores principais das empresas, os chamados KPI, e essa costuma ser uma grande dificuldade para quem trabalha na área ambiental.”

Para saber mais: O que é Manufatura Enxuta?

Manufatura Enxuta (ou, em inglês, Lean Manufacturing) é um sistema de produção industrial desenvolvido pela Toyota na década de 1950, durante o período pós-guerra no Japão, que pode ser resumido como um esforço constante para eliminar toda e qualquer atividade que não agregue valor ao produto final, aumentando tanto a produtividade quanto a qualidade. O processo começa pela identificação do que é que um cliente valoriza num produto. Depois, são mapeadas todas as etapas de produção, da matéria-prima à entrega do produto finalizado, de modo a possibilitar que o gestor enxergue o fluxo do começo ao fim, priorizando as etapas que mais agregam valor e excluindo aquelas que tomam tempo ou recursos desnecessariamente. Assim o fluxo de produção se torna contínuo, sem interrupções, e é voltado a atender às demandas do próprio cliente.

Com base na dissertação “A contribuição do mapeamento de fluxo de valor para a redução de custos e resíduos industriais”, do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação do professor doutor Daniel Bertoli Gonçalves e aprovada em 7 de outubro de 2016. Acesse. 

Texto: Guilherme Profeta