Alternativa
Substrato do cultivo de shiitake pode virar insumo para a construção civil
Pesquisa surgiu a partir do questionamento: no caso do cimento, o que mais pode ser usado para substituir a sua matéria-prima?
Levando em consideração a quantidade de concreto demandado pela humanidade — trata-se de nada menos do que o segundo material mais utilizado no mundo —, é muito importante buscar formas de torná-lo mais ecológico. Fazer concreto, afinal, consome recursos naturais, uma vez que o seu principal ingrediente, o cimento, é um derivado do calcário, cuja extração incorre em impactos bastante negativos à natureza. Na Universidade de Sorocaba (Uniso), há pesquisadores dedicados a essa causa; na edição de número 4 (dez./2019) da revista Uniso Ciência, por exemplo, você conferiu como é possível substituir até 20% do material usado para produzir cimento por resíduos cerâmicos que, de outra maneira, seriam descartados no meio ambiente. A economia, somente no Brasil, é de mais de 5 milhões de toneladas de insumos para cimento ao ano, sem contar o fato de que, além de evitar a extração de novas matérias-primas, todos os resíduos reaproveitados deixam de ser descartados. O ganho, então, é duplo.
No caso do cimento, o que mais pode ser usado para substituir a sua matéria-prima? Na Uniso, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais estão trabalhando em diversas frentes para responder essa pergunta. Uma delas, inclusive, faz parte da mesma linha de pesquisa que busca novos usos para o substrato do cultivo do shiitake e de outros cogumelos.
Vitor Rogério Pires, professor no curso de graduação em Engenharia Civil da Uniso, foi um desses pesquisadores. Ele explica que a biomassa residual do cultivo de cogumelos, ou SMS — da sigla em inglês, spent mushroom substrate — vem gerando preocupação devido ao descarte a céu aberto sem qualquer tipo de regulação. “Existem casos em que o SMS é descartado no meio ambiente, em lixões, poluindo e servindo de criadouro para insetos e outras pragas. Ou, então, ele é queimado, poluindo o ar e contaminando o solo e a água com seus resíduos. Assim, a reciclagem do SMS é uma alternativa bastante adequada em termos ambientais. Em minha pesquisa de mestrado, avaliei a reutilização do substrato do cultivo do shiitake como aditivo de concreto, comparando suas propriedades às do concreto regular por meio de ensaios de resistência à compressão mecânica e de absorção de água”, explica Pires.
No mesmo período, a professora Miriam Rodrigues Iuama, dos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Civil da Uniso, pesquisava em seu mestrado se o mesmo substrato poderia ser incorporado como insumo na produção de tijolos ecológicos. “Esses tijolos são produzidos a partir de terra, cimento Portland e água, e não necessitam de queima, como os tijolos comuns. São considerados ecológicos por não necessitar da extração de argila vermelha e por não requerer o uso de fornos, consequentemente dispensando a lenha e o carvão. Nas obras, eles podem gerar uma economia de até 30% em relação aos sistemas convencionais”, diz Iuama. Assim, incluir os blocos de substrato descartados seria, idealmente, uma maneira de tornar esses tijolos ainda mais ecológicos.
Desafios e aplicações alternativas
O grande problema encontrado por ambos é o fato de a adição de substrato interferir nas características do produto final, devido às mesmas características que permitem a colonização dos blocos pelos cogumelos: “O bloco de substrato apresenta muitos espaços vazios, que são ocupados por água. Quando secos, esses espaços vazios são preenchidos por ar e, no momento em que são submetidos a forças de compressão, as partes sólidas preenchem facilmente as partes vazias. Assim, o SMS é um material muito frágil e altamente deformável. No caso do concreto, o uso do substrato como aditivo reduz o endurecimento e o enrijecimento do produto, além de torná-lo mais permeável”, descreve Pires.
“No caso dos tijolos ecológicos”, acrescenta Iuama, “a utilização do SMS também resultou num material cujos resultados de resistência à compressão são inferiores à norma técnica. O valor mínimo exigido é de 2,0 MPa e o valor alcançado pelo tijolo ecológico acrescido de SMS foi de 0,8 MPa — consideravelmente inferior à resistência de 2,4 MPa apresentada pelo tijolo ecológico sem a adição de SMS.”
Contudo, esses resultados não são um beco sem saída. “Ainda que estejam em desacordo com a respectiva norma técnica (NBR 8492) para a função de alvenaria estrutural, os tijolos ecológicos com SMS podem ter uso sem função estrutural. Mais interessante seria a utilização do tijolo ecológico produzido com adição de SMS como material de vedação”, destaca Iuama. A pesquisadora explica que essa seria uma forma de manter o uso da SMS, sem requerer o aumento da quantidade de cimento na fórmula para compensar a perda de resistência — o que tornaria o produto caro demais para competir com os tijolos tradicionais.
O mesmo vale para o cimento acrescido de SMS, que, apesar de não poder ser utilizado para fins estruturais, tal qual os tijolos ecológicos, ainda pode ser utilizado com outros fins: como aditivo em pisos permeáveis para jardins e outras áreas, ou em impermeabilizantes de paredes. Tais usos, além de reduzir a extração de matérias-primas para aplicações na construção civil, podem transformar o SMS, que seria descartado, numa fonte de renda complementar para os pequenos produtores de cogumelos.
Com base nas seguintes dissertações do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso): (1) “Utilização do substrato de cultivo do cogumelo Lentinula edodes como aditivo aplicado ao concreto de cimento Portland”, com orientação da professora doutora Valquíria Miwa Hanai Yoshida e aprovada em 6 de agosto de 2019; (2) “Substrato pós-cultivo de cogumelo shiitake (Lentinula edodes) na produção de tijolo ecológico: avaliação das propriedades mecânicas”, com orientação da professora doutora Angela Faustino Jozala e aprovada em 29 de agosto de 2019. Acesse:
Substrato pós-cultivo de cogumelo shiitake (Lentinula edodes) na produção de tijolo ecológico
Texto: Guilherme Profeta
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