Tecnologia
O mundo já está na Quarta Revolução Industrial
A assimilação das tecnologias nunca é imediata, algumas empresas ainda operam na terceira ou mesmo na segunda revolução industrial
Inglaterra, século XVIII: o berço da indústria. Pela primeira vez em grande escala, as forças de trabalho animal e humana eram substituídas por outras formas de energia, principalmente proveniente da queima do carvão mineral. O vapor fazia girar as engrenagens dos dispositivos fabris, especialmente da indústria têxtil, e das locomotivas que cortavam o país. A produção, até então artesanal, foi ampliada por meio de novos maquinários, o que culminou numa série de transformações sociais: as cidades cresceram em torno dos pólos industriais que começavam a surgir e os artesãos perderam o controle sobre o processo produtivo. Gradualmente, e nem sempre de forma igualitária, o processo de industrialização se espalhou pelo mundo. Mas ele não foi o último; nos séculos seguintes, duas outras Revoluções Industriais aconteceram após a primeira.
No fim do século XIX, a eletricidade (conhecida pelo homem desde a antiguidade) ganhava aplicações práticas, inclusive na indústria, possibilitando que a produção fabril se tornasse ainda mais regular. Já no começo do século XX, o conceito de linha de montagem revolucionava o processo produtivo e, conforme a produção se tornava cada vez mais massificada, aumentava a necessidade de planejamento e controle. Tudo isso configurou a Segunda Revolução Industrial, seguida de uma terceira, a chamada Era da Eletrônica, a partir de 1950, quando os computadores chegaram à indústria e passaram a automatizá-la. Cada vez mais a produção industrial passou a depender de tecnologias digitais, em vez das tecnologias analógicas.
Mas as mudanças não pararam por aí. O professor mestre João Roberto Rezende, docente dos cursos de Administração de Empresas, Ciências Contábeis, Economia, Comércio Exterior e Engenharia de Produção da Universidade de Sorocaba (Uniso), diz que, neste momento — em que a internet se torna cada vez mais rápida e onipresente, os sensores cada vez menores e mais poderosos, e as máquinas cada vez mais inteligentes e mais integradas entre si (aprendendo e melhorando processos sem a necessidade de intervenção humana) —, o mundo passa por uma nova fase de transição. Essa fase é baseada na plena integração dos processos industriais, decorrente da utilização de estruturas digitais e resultando numa produção 100% automatizada. Isso configura a chamada Quarta Revolução Industrial. Ele estudou o assunto em sua pesquisa de mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Uniso.
A era da integração de dados
“A concepção da Quarta Revolução Industrial é baseada nos chamados cyber-physical systems, ou sistemas ciberfísicos, que conectam o mundo real ao mundo cibernético e vice-versa”, ele explica.
“A integração de softwares e hardwares permite a obtenção e o processamento de dados em níveis extremamente elevados. Sensores e atuadores nos processos permitem assegurar a efetividade das ações e sua contínua avaliação, resultando num feedback em tempo real.” A grande questão é: o que fazer com todos esses dados? Se, antes, planejamento e controle já eram questões importantes, agora elas são fundamentais.
Em sua pesquisa, considerando especificamente a área da controladoria na indústria, Rezende verificou quão assimiladas estão as tecnologias da Quarta Revolução Industrial. Para compor o seu estudo de caso, ele entrevistou oito profissionais atuantes em empresas baseadas na região de Sorocaba. Dessas empresas, seis têm matriz localizadas na Europa ocidental. Em sua amostra, a indústria de bens de capital foi o setor predominante, compreendendo três das empresas analisadas; as outras cinco estão distribuídas nos seguintes setores: ferramentas, embalagens, químico, peças automotivas e alimentício.
Basicamente, o que Rezende verificou é que, nas organizações consideradas, a Controladoria costuma extrair seus dados dos tradicionais sistemas integrados de gestão empresarial (os chamados ERPs, da sigla em inglês para Enterprise Resource Planning). “Conclui-se que a Controladoria continua desempenhando suas funções de forma tradicional, sem o efetivo emprego das tecnologias habilitadoras da Quarta Revolução Industrial”, ele conta. “Observou-se, por exemplo, que inserir dados num sistema de TI (Tecnologia da Informação) é uma rotina nas operações diárias de 100% dos participantes e alguns declararam, inclusive, inserir esses dados manualmente. Quando foi abordada a dificuldade do uso de indicadores, todos os participantes fizeram referência ao ser humano como o elemento central, discorrendo sobre a limitação cognitiva e a necessidade de treinamento para a superação dessa barreira.”
Seus resultados a partir desse grupo específico apontam uma realidade conhecida em outras fases das Revoluções Industriais: a assimilação das tecnologias nunca é imediata; apesar de o mundo já estar entrando numa quarta era de revolução da indústria, algumas empresas ainda continuam operando na terceira ou mesmo na segunda.
Para o orientador do estudo, esse resultado deve ser compreendido como uma oportunidade de melhoria: “Grandes empresas de tecnologia já têm um controle financeiro muito forte, porque elas se usam da tecnologia para coletar dados e aí os profissionais que tomam as decisões têm esses dados muito mais à mão. Já nessas empresas pesquisadas, que são eminentemente industriais, a pesquisa de Rezende mostra que isso não está acontecendo. Elas ainda têm um posicionamento muito arraigado, que depende muito dos dados que um profissional passa para o outro. Nem sempre existe um fluxo que gere um dado final a partir de todas as operações; eles precisam ficar fazendo uma série de análises em paralelo, quando já existem sistemas que fariam isso de forma automatizada.”
A pesquisa evidencia assim que, num mundo em constante mudança, apropriar-se dessas tecnologias de automação — não apenas na área de produção, mas também compreendendo o fluxo de dados de forma geral — é certamente uma maneira de tornar as organizações mais eficientes e competitivas, em última instância contribuindo para a sua sobrevivência.
Para saber mais: Quem são os controllers?
Segundo o professor doutor Rogério Augusto Profeta, doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (USP), Reitor da Uniso e orientador da pesquisa de Rezende, o controller é o profissional responsável pela identificação de todo o fluxo de dinheiro ao longo da empresa, passando pela produção, pelo marketing, pela gestão dos recursos humanos, por todos os investimentos. “Tudo isso é papel do controller, normalmente uma alta posição na hierarquia de uma organização. No início do século XX, quando se estabelecia o chamado pensamento científico da Administração, os empresários da época começaram a organizar a produção de forma mais racional. Como os profissionais da área de produção foram os primeiros a estar em contato com essas questões mais técnicas da gestão, acabou-se delegando a eles, historicamente, a posição de controller, mas essa é uma área eminentemente financeira. Ou seja, um controller deve pensar com a racionalidade de um profissional de Finanças. E o que é que faz basicamente esse profissional? Ele equaciona o retorno de todo e qualquer investimento feito no negócio”, ele explica.
Com base na dissertação “Assimilação das tecnologias da Indústria 4.0 por profissionais que exercem funções de Controladoria em indústrias de Sorocaba - Um estudo de caso”, do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação do professor doutor Rogério Augusto Profeta e aprovada em 27 de fevereiro de 2020. Link: https://uniso.br/mestrado-doutorado/pta/dissertacoes/2020/joao-roberto-rezende.pdf
Texto: Guilherme Profeta
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