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Encontro de Pesquisadores

Falando de criatividade - Qual o lugar da inovação na Educação Escolar?

Assunto debatido no I Encontro de Pesquisadores em Educação Escolar da Uniso

16 de Março de 2023 às 11:15
Ilustração: Grandfailure
Ilustração: Grandfailure (Crédito: Adobe Stock)

        Num mundo em que o conhecimento está literalmente disponível na palma das mãos, a instituição escolar vem tendo sua utilidade constantemente questionada. Em especial no que diz respeito ao nível universitário — considerando-se que não raro as universidades são compreendidas como instituições meramente profissionalizantes —, questiona-se se a instituição escolar será substituída por alguma outra coisa (tutoriais online, por exemplo, que são mais rápidos e mais baratos).

       Mas, segundo o professor doutor Rogério Augusto Profeta, reitor da Uniso e docente na área de criatividade e inovação no programa de pós-graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da universidade, o que está verdadeiramente sob ataque em discursos como esses não é a escola em si, mas a velha ideia de uma educação bancária, baseada exclusivamente na transferência de conhecimento e nada mais.

       “Quando se pensa na universidade como um local de fomento à inovação, o nosso grande desafio é estimular as pessoas a ter dúvidas significativas”, ele diz. “Dentre todo aquele universo de conhecimentos amplamente acessíveis, o professor deve ser o curador que faz uma seleção qualitativa. Esse professor não pode ter medo das dúvidas, porque, se você estimula de fato a curiosidade do seu estudante, você vai ter perguntas que talvez não consiga responder. E está tudo bem. É assim que surgem os projetos de pesquisa que vão legitimamente alimentar o progresso da ciência e da tecnologia. E é importante que esses projetos estejam nas universidades, e não só em outros tipos de organizações privadas, porque é a universidade que consegue fazer investimentos em pesquisa experimental, quase que a fundo perdido, por não ter o peso de buscar retorno financeiro que as empresas têm.”

     A declaração fez parte de sua fala na abertura oficial da primeira edição do Encontro de Pesquisadores em Educação Escolar da Universidade de Sorocaba (EPES-Uniso), que aconteceu em outubro de 2022 e em cuja conferência de abertura se discutiu o que é preciso para fomentar a criatividade e a inovação no ambiente escolar, a necessidade de pensar a inovação de forma crítica e sem romantismos, além das lições que ficaram para as instituições escolares depois da pandemia de Covid-19.

Lições da pandemia

        É impossível relembrar o ano de 2020 sem pensar em rupturas nos mais diversos sentidos. Esse tipo de contexto caótico, em que uma crise está instaurada e ainda não tem solução, costuma ser referenciado, eventualmente, como um ambiente propício à inovação, já que as pessoas são forçadas a pensar de forma criativa para dar conta de tarefas corriqueiras. Mas, segundo alerta a professora doutora Geovana Mendonça Lunardi Mendes, que é presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), além de pesquisadora e docente na área da Educação na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e também uma das palestrantes do EPES-Uniso, fazer as coisas de uma maneira diferente nem sempre é sinônimo de inovar e, especialmente em momentos de instabilidade, a escola deve estar propensa a refletir sobre o seu papel social.

        Ela lembra que, ainda que a pandemia não tenha dado causa às desigualdades sociais existentes no Brasil e no mundo, ela certamente as tornou mais explícitas. Mas essa percepção não foi a mesma em todas as localidades e estratos sociais; afinal, a velocidade de resposta da educação escolar em relação à pandemia não foi uniforme em todos os sistemas educacionais ao redor do mundo. “A pandemia não foi um processo fácil para ninguém”, ela diz, “mas a situação foi muito pior em países que já enfrentavam, a priori, outras questões socioeconômicas complicadas, como a polarização política e as crises econômicas.” Especialmente nesses pontos do globo (na América Latina, por exemplo), a impossibilidade de estar numa sala de aula presencial acentuou ainda mais alguns hiatos até então invisíveis.

“Todos os teóricos da Educação vão dizer que o direito à educação depende da garantia de outros direitos (o direito à moradia, à alimentação etc.). Acontece que a sala de aula, como artefato sociotécnico que é, tem o potencial de mascarar as desigualdades de origem”, explica Mendes.

Isso quer dizer que, ao menos em alguma medida, os professores são capazes de tornar menos aparentes aquelas desigualdades sociais, culturais e econômicas que alguns estudantes já trazem consigo na bagagem. Para essas desigualdades já conhecidas, a sala de aula física funcionava como uma espécie de balizador comum, tornando possível que os estudantes tivessem ao menos algumas condições mais próximas à igualdade. “Na pandemia, contudo, intensificaram-se novos tipos de desigualdades, como em especial a desigualdade tecnológica, que determinou o potencial de conexão (ou desconexão) dos sujeitos. E, via de regra, essas desigualdades se vincularam a sujeitos que já vêm sendo marginalizados historicamente”, enfatiza a pesquisadora.

        O que fica, então, depois do fim da pandemia (e, talvez, de lição para as próximas), especialmente no quesito criatividade e inovação em educação? Um dos possíveis saldos positivos pode ter sido a percepção, por parte da comunidade docente, de que a sala de aula é, sim, um artefato sociotécnico, mas que, para tal, ela não precisa ser necessariamente um lugar físico delimitado dentro de um prédio. A escola, afinal, também pode ser o jardim, a praça, a biblioteca... “O quanto não houve de professores percebendo, ao retornar às aulas presenciais, que eles não necessariamente precisam se utilizar da sala de aula tradicional para dar suas aulas? Essas mudanças simples no espaço já sinalizam que se faz possível tirar o contexto da aprendizagem de dentro da sala de aula e, assim, criar novas experiências.”

        Mas, antes de se pensar sobre esses saldos positivos, a pesquisadora ressalta que, da pandemia, fica também um receio de que o mundo tenha simplesmente retornado ao ensino presencial com uma mentalidade conservadora, o que desperdiçaria uma oportunidade de gerar algum tipo de inovação verdadeira a partir de uma experiência traumática. “Porque o fato de a gente ter mudado, de ter passado a fazer as coisas de um modo diferente, não significa necessariamente que a gente inovou. Pelo contrário: muitas vezes o que houve foi um empobrecimento do processo pedagógico em si. Houve contextos, por exemplo, em que os processos escolares, quando transpostos para o contexto pandêmico, foram concentrados exclusivamente no conteúdo — ou nas plataformas por meio das quais esse conteúdo estava sendo ‘transmitido’. Isso significa que houve uma ruptura nos meios, mas não necessariamente rupturas epistemológicas (ou seja, rupturas na maneira como os conhecimentos são construídos). O que precisa haver, de fato, é uma reflexão sobre o próprio sentido e o papel da escola nesse processo do caos: como a gente pode efetivamente construir práticas de inovação que nos ajudem a lidar com esses processos de desigualdades no ambiente escolar?”, ela questiona.

Bricolagem, experimentação e pensamento crítico

      Para pensar a inovação tecnológica, vale lógica semelhante àquela utilizada para refletir sobre os processos criativos que levam à arte. A afirmação é da professora doutora Luisa Angélica Paraguai Donati, coordenadora do programa de pós-graduação em Linguagens, Mídia e Arte da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e consultora de algumas das principais agências de fomento à pesquisa do país. Ela foi, também, uma das palestrantes convidadas para a abertura da primeira edição do EPES-Uniso.

      Donati defende que, muitas vezes, as pessoas tendem a romantizar as inovações revolucionárias, como se elas fossem frutos de mentes incrivelmente talentosas agindo individualmente, quando, na verdade, a inovação (tal qual a arte) costuma ser o resultado de exercícios que acontecem em rede, enquanto modos colaborativos de criação, e que são análogos à bricolagem — termo que faz referência à lógica de, ao nos depararmos com um problema cotidiano, encontrarmos possibilidades de solução a partir dos itens que estão disponíveis à mão no momento, recriando-os e remontando-os. Ela explica que ocorrem, assim, deslocamentos de contexto e de funcionalidade, fazendo com que os elementos projetados assumam outros sentidos após uma intervenção, seja do artista, do cientista ou do estudante.

      “Um exemplo muito representativo desse processo”, conta a pesquisadora, “foi o desenvolvimento de uma incubadora de recém-nascidos em 1870, que só foi possível depois que um obstetra observou uma chocadeira de aves funcionando num zoológico. A ideia, quando aplicada num hospital humano, reduziu a taxa de mortes em quase 50%. Esse é um exemplo de como as boas ideias são inevitavelmente limitadas pelas peças e habilidades que nos cercam.” Detalhes sobre essa história podem ser conferidos no livro De onde vêm as boas ideias, de Steven Johnson, publicado no Brasil em 2021 pela editora Zahar.

      Uma vez que a inovação, nessa perspectiva, depende de uma prática de apropriação e reutilização daquilo que existe em volta, a pesquisadora defende que (re)pensar o ambiente é (ou deveria ser) uma preocupação fundamental para aqueles que estão preocupados em fomentar criatividade e inovação, seja num estúdio, num laboratório ou numa escola. Os ambientes fecundos para a potencialização de boas ideias seriam aqueles em que a experimentação é incentivada e, consequentemente, os erros ou desvios (em vez de serem punidos) são compreendidos como partes inerentes do processo.

      Outra questão primordial, segundo Donati — especialmente no que diz respeito às inovações de cunho tecnológico —, é o pensamento crítico sobre os objetos técnicos resultantes de processos inovadores, os quais também são objetos sociais que acontecem na cultura e serão utilizados por alguém de carne e osso. Esse movimento denota uma aproximação das ciências duras e das Humanidades, para refletir enquanto se inova (e não somente depois). “Também não é só uma questão de me instrumentalizar para que eu saiba usar uma nova tecnologia, mas para que eu possa participar, como cidadão, do processo de design dessas novas tecnologias”, ela diz. “Isso implica, inclusive, em (des)territorializar a tecnologia a partir da perspectiva e da fala de vozes destoantes, marginalizadas. Tecnologia também é social, também é comportamental.”

      Essa relação com a tecnologia foi uma questão particularmente importante durante a pandemia de Covid-19, quando as práticas presenciais foram deslocadas para o espaço virtual, mas nem sempre de forma democrática — a exemplo do que afirma Mendes. “Qualquer deslocamento gera um ruído e, enquanto artista e pesquisadora, eu entendo que momentos como esses são potentes para rever nossas práticas, atualizando nossos parâmetros, padrões e modelos”, ela conclui.

Texto: Guilherme Profeta