Uniso Ciência
Falando de pesquisa
Bate-papo com os três pesquisadores mais bem ranqueados da Uniso, de acordo com o AD Scientific Index 2021
Sete PROFESSORES que estão atualmente lecionando na Universidade de Sorocaba (Uniso) fazem parte do ranking dos melhores pesquisadores da América Latina. É isso o que aponta o Alper-Doger Scientific Index (ou simplesmente AD Scientific Index), um novo sistema de classificação de cientistas, que teve como principal objetivo mensurar o nível de produtividade científica de pesquisadores em todo o mundo. O ranking foi desenvolvido pelos pesquisadores turcos Murat Alper e Cihan Doger, a partir de dados públicos compilados por meio da plataforma Google Scholar, e os resultados foram divulgados no segundo semestre de 2021. Considerando-se a quantidade total de docentes na lista, a Uniso foi posicionada à frente de 70% de todas as universidades da América Latina, ocupando o primeiro lugar na região de Sorocaba.
Diferentemente de outros índices, que avaliam instituições de ensino ou periódicos como um todo, o AD avalia cada pesquisador individualmente, considerando as suas publicações científicas nos últimos cinco anos. O ranqueamento se dá, então, pelo cruzamento de três indicadores numéricos normalmente utilizados para avaliar o impacto de artigos científicos: o ÍNDICE H, o ÍNDICE I10 e o número total de citações.
Nesta entrevista, os três pesquisadores da Uniso mais bem colocados no ranking de 2021 comentam sobre suas trajetórias pessoais, os desafios para a integração entre graduação e pós, o papel da criatividade para a pesquisa e a relação entre pesquisa e comunicação para o enfrentamento do negacionismo científico. Confira na sequência.
Uniso Ciência: Considerando os pesquisadores da Uniso, vocês são os três professores que aparecem no topo do ranking de desempenho científico, de acordo com o AD Scientific Index. Vocês estão entre os 5 mil pesquisadores mais bem colocados em toda a América Latina. Olhando para trás, como foi que vocês chegaram à pesquisa? Foi um processo natural, ou houve um momento de ruptura?
Fábio Squina: Para mim foi um processo natural. Eu tive a oportunidade de estagiar e trabalhar em diferentes áreas de minha formação como farmacêutico — em drogarias, em hospitais, com manipulação... —, mas a carreira acadêmica foi a que me pareceu a melhor opção. Minha trajetória na academia começou no mestrado e continua até hoje.
Renata Lima: Acredito que nós vamos atrás de nossos sonhos, das coisas que nos fazem felizes. Não é sobre a escolha de ser cientista, mas sim sobre a escolha de lutar para fazer aquilo que te completa e te dá alegria de viver. De repente você percebe que o que você está fazendo é ciência, assim como outras pessoas acabam se encontrando como advogados ou médicos, por exemplo. A partir daí as oportunidades vão aparecendo. Tive muita sorte por poder realizar trabalhos em colaboração com excelentes pesquisadores, e fui aprendendo com cada um deles. Como dizem, o networking é essencial.
Victor Balcão: Para mim também foi um processo natural. A minha trajetória enquanto cientista começou durante o meu mestrado, em Ciência e Engenharia de Alimentos, na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa. Lá eu tive a oportunidade de interagir com professores e assistentes estrangeiros nas aulas práticas laboratoriais. Já no doutorado, em Biotecnologia, tive a oportunidade de estagiar na Universidade de Helsinque, na Finlândia, e trabalhar com um pesquisador que era referência mundial na área de modificação enzimática de gorduras de leite. Depois vieram os pós-doutorados, em Engenharia Enzimática e em Biotecnologia Microbiana, com a oportunidade de estagiar em laboratórios na Espanha e em Portugal, também de referência. Tudo isso alimentou uma vontade crescente de produzir conhecimento científico, para incorporá-lo nas minhas próprias aulas em vez de apenas utilizar-me de livros já publicados. Esse modus operandi continua até hoje; sempre faço questão de integrar resultados dos meus próprios trabalhos de pesquisa nos conteúdos programáticos das disciplinas que leciono.
Uniso Ciência: Além de atuar na Pós-Graduação, todos vocês atuam também nos Programas de Graduação da Uniso. Naturalmente, faz-se menos pesquisa na graduação, quando em comparação à pós-graduação, e a maior parte dos estudantes que terminam os seus cursos de graduação não prossegue à pós-graduação. Como podemos estreitar os vínculos entre os dois níveis?
Renata Lima: Os estudantes estão muito preocupados em cumprir metas e acabam se esquecendo de apreciar a graduação, que é o momento de escolher o que se quer para a sua vida, independentemente de quanto você terá de retorno financeiro. Acredito muito na convivência e no exemplo. A aproximação dos estudantes de graduação com os pós-graduandos e, consequentemente, a oportunidade de realizar trabalhos de Iniciação Científica são fatores que colaboram muito para o interesse em continuar nesta carreira. Tenho estudantes de doutorado que estão fazendo ciência desde o primeiro ano de graduação.
Victor Balcão: Em primeiro lugar, tenho a convicção de que precisamos começar a integrar os estudantes de graduação mais cedo nos laboratórios de pesquisa, realizando TCCs de natureza eminentemente experimental (ou mesmo outros tipos de trabalhos no âmbito das disciplinas). No nosso caso, no laboratório de pesquisa PhageLab da Uniso, posso dizer que temos conseguido atrair um número substancial de alunos para o mestrado e o doutorado em Ciências Farmacêuticas, provenientes fundamentalmente do curso de graduação em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia. A maior parte deles começou por realizar estágios, depois TCCs experimentais, pois é aí que tem início o interesse pela pesquisa. Naturalmente, não haverá espaço laboratorial nem verba para que todos os alunos da graduação possam fazer isso, mas é fundamental que tenhamos projetos de pesquisa interessantes em andamento, com ligação visível a determinados cursos de graduação, assim como é fundamental que haja financiamento por parte das agências de fomento. Muitos estudantes não continuam para a pós-graduação devido à quantidade limitada de bolsas disponíveis.
Fábio Squina: Acredito que precisamos de bons projetos de pesquisa, em primeiro lugar — e bons projetos de pesquisa dependem de muito estudo, de participação em conferências, de colaborações internacionais. Além disso, precisamos de recursos de fomento para criar esse estímulo. Os estudantes não seguem à pós-graduação porque existe uma grande dificuldade para conseguir bolsas de estudos, além de poucas oportunidades de trabalho na academia, onde os salários muitas vezes costumam ser menores do que em outros setores. Sem dúvida, falta valorização.
Uniso Ciência: Normalmente associamos criatividade às artes, não à ciência. Mas será que a criatividade não está associada, também, à capacidade de olhar para o mundo, para conceitos que já estão dados, e fazer perguntas novas? Tomemos, por exemplo, a invenção do Diamante Metálico, que é a liga metálica mais dura do mundo, desenvolvida na Uniso pelo professor doutor Thomaz Restivo (que foi tema de uma reportagem publicada na edição 5, jun./2020, da revista Uniso Ciência): ele conta que a ideia para criar a liga veio do filho dele, também aluno da Uniso, que lhe perguntou o que aconteceria se todos os elementos da tabela periódica fossem combinados num só. É claro que, nesse caso, temos um estudante que foi estimulado a fazer esse tipo de pergunta, já que tinha um cientista facilmente acessível, no núcleo familiar imediato. Qual é, na sua opinião, o papel da criatividade para fazer ciência verdadeiramente inovadora? E como criar, na universidade, ambientes em que a criatividade possa surgir organicamente, mesmo para aqueles que não foram estimulados desde a infância?
Victor Balcão: Fazer ciência envolve uma grande dose de criatividade! Não é possível escrever bons projetos de pesquisa se não tivermos um processo criativo envolvido, inclusive para descortinar relações (e inter-relações) entre conjuntos de dados experimentais e simulações. Todo e qualquer trabalho de pesquisa científica começa com um projeto inovador e criativo. E o mesmo vale para a divulgação. Se não o for, como poderão ser publicados os resultados? Como poderão ser tornados interessantes para a sociedade em geral?
Renata Lima: Vivemos um momento difícil para a educação; temos muita informação, livre e de fácil acesso, porém a informação em si não é a única coisa importante, especialmente se surge descontextualizada daquilo que se pode fazer com ela. Professores não têm de “passar conteúdo”, como se fazia antigamente, pois o conteúdo já está nas mãos dos estudantes, todos munidos de smartphones. Em vez disso, temos de discutir sobre os assuntos, tentar encontrar saídas, aguçar a curiosidade e buscar respostas para certas perguntas, sem medo de errar. Pois assim como o fazer é essencial, o errar também é essencial... Perceber o erro e aprender com ele é importante para o desenvolvimento, para a conexão de ideias. Só assim pode existir criatividade. Entendo que a criatividade surge a partir da liberdade de pensamento. Criatividade só acontece em almas, mentes e corpos livres.
Fábio Squina: Eu discordo que a criatividade esteja associada somente às artes. A ciência envolve a mesma intensidade de criação. Temos inúmeros exemplos, como os desenhos de Leonardo da Vinci, que, na verdade, eram projetos. Nessa linha, todo bom trabalho de pesquisa começa com um bom projeto. E todo bom projeto começa com uma abordagem criativa.
Uniso Ciência: Os últimos anos (2020 e 2021) configuraram um momento ímpar na história: ao mesmo tempo em que nós, enquanto sociedade, apostamos nossas fichas na ciência para a solução da pandemia, também presenciamos uma emergência de negacionismo científico.No Brasil e em todo o mundo, duvidou-se dos procedimentos científicos, dos resultados das pesquisas, das intenções de quem faz ciência... Utiliza-se, por exemplo, de ideologias políticas ou de dogmas para refutar a ciência. É claro que a ciência não é inquestionável — pois, se assim fosse, nós a estaríamos alçando a uma posição igualmente dogmática —, mas, para questionar um fato científico, nós precisamos de outros consensos científicos. Só se “combate” ciência com mais ciência. No entanto, essas questões de epistemologia do conhecimento científico (ou seja, a forma como o conhecimento científico é construído) não estão claras para a população leiga. Como mudar esse cenário?
Renata Lima: Parte da culpa é dos próprios cientistas, que deveriam trabalhar mais na forma de se comunicar com a sociedade. Por muito tempo os cientistas se preocuparam em comunicar os resultados de suas pesquisas somente por meios de publicações especializadas, patentes, produtos, participação em eventos e palestras, sem se comunicar diretamente com a sociedade. De certa forma, a pandemia fez com que tenha passado a existir, hoje, um movimento maior para a divulgação de ciência para toda a sociedade. Nesse processo, bons jornalistas de CT&I são necessários para ajudar, pois existe a necessidade de deixar a ciência mais palatável. Isso também faz parte de uma boa educação. Uma educação de excelência é a única solução, e não entenda educação somente como aprender matemática, português ou qualquer outra disciplina; para formar cidadãos é preciso mais do que professores e instituições de ensino.
Fábio Squina: Essa é uma pergunta difícil. Há várias iniciativas, de várias áreas profissionais, que são importantes para contrapor o negacionismo. Mas, a partir dessa pergunta, consigo pensar numa outra: qual o papel dos jornalistas para mitigar essa ocorrência de negacionismo? Uma importante forma de mudar esse cenário está em projetos de jornalismo científico, como o próprio Uniso Ciência.
Victor Balcão: É verdade! Opiniões diversas, bem como as chamadas fake news — construídas, veiculadas e propaladas pelas redes sociais —, vão minando o propósito da informação científica. Não há maneira simples de resolver essa questão, mas, na minha perspectiva, informação esclarecida e maciça já é um bom começo. E essa informação deve ser acessível a todos, com linguagem simples e clara, emanada por vários meios de comunicação social. Tenho de citar, também, o tipo de jornalismo que nos últimos anos se tem feito na Uniso, muito por conta da equipe desta revista Uniso Ciência, que abriu uma porta para a transmissão de conhecimento científico já “mastigado”, para que a generalidade da população consiga apreender as grandes (e pequenas) questões científicas. Essa é uma porta que tem de continuar aberta. Só assim será possível reduzir o negacionismo, mas nunca anulá-lo na totalidade, pois nem todos os negacionistas assim o são por falta de formação acadêmica — um bom exemplo é o das vacinas: como se pode entender que pessoas em todo o mundo, mesmo que bem instruídas e capacitadas, se recusem a ser vacinadas e a vacinar os seus filhos? Muitas delas só mudam de direção e abraçam a ciência quando se encontram no limiar do precipício.
Para saber mais: os índices h e i10
O chamado índice h corresponde ao número de artigos (publicados por um determinado pesquisador) que tenham sido citados pelo menos a mesma quantidade de vezes que o número de artigos. Por exemplo: um pesquisador com h=10 deve ter publicado dez artigos que tenham sido citados pelo menos dez vezes; um pesquisador com h=11 deve ter publicado 11 artigos citados pelo menos 11 vezes e assim por diante. Já o índice i10 mede a quantidade total de artigos que tenham sido citados pelo menos dez vezes. Naturalmente, ambos os índices (assim como a quantidade total de citações recebidas por dado artigo e/ou pesquisador) são formas objetivas de mensurar o impacto do trabalho de um pesquisador, mas nem todo impacto pode ser medido tão objetivamente. Nenhum índice dá conta da multiplicidade de análises possíveis, por isso é tão importante considerar vários índices diferentes e também cruzar os dados disponíveis.
Texto: GUILHERME PROFETA
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