Buscar no Cruzeiro

Buscar

Uniso Ciência

Bactérias podem ser utilizadas para limpar áreas contaminadas

Ensaios foram conduzidos em três laboratórios da Uniso, utilizando o óleo diesel e a gasolina

28 de Março de 2022 às 08:30
O pesquisador Paulo Sergio Salmazo, no Laboratório de Microbiologia Industrial e Processos Fermentativos (LaMinFe) da Uniso
O pesquisador Paulo Sergio Salmazo, no Laboratório de Microbiologia Industrial e Processos Fermentativos (LaMinFe) da Uniso (Crédito: Paulo Ribeiro / Arquivo-Uniso)

Na edição de número 4 da revista Uniso Ciência (dez./2019), você conferiu uma reportagem sobre como uma postura preditiva é fundamental para reduzir o risco de grandes acidentes ambientais, como o emblemático derramamento de óleo ocorrido no Alasca, em 1989, quando o navio-tanque Exxon-Valdez despejou 40 mil toneladas de óleo nas águas gélidas do Estreito do Príncipe William. A área contaminada foi de 260 km², afetando toda a fauna marinha da região. Exemplos como esses são muito graves, certamente, e, quando acontecem, recebem bastante atenção da imprensa, mas é preciso lembrar que nem toda contaminação ambiental é necessariamente grande. Na verdade, para cada acidente de grandes proporções como o derramamento do Exxon-Valdez, há inúmeros acidentes menores, que passam despercebidos.

Quando se trata de contaminação ambiental, os chamados compostos BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno), que são componentes da gasolina, são grandes vilões e, naturalmente, os postos de combustíveis são uma das principais fontes dessa classe de contaminantes. Em Sorocaba — município com área de pouco mais de 450 km² e população de cerca de 670 mil habitantes —, das 52 localidades contaminadas cadastradas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), 31 são postos de combustíveis.

Como a demanda humana por combustíveis fósseis vem alcançando níveis alarmantes — nada menos do que 96 milhões de barris de combustível produzidos por dia, segundo dados de 2016 — e considerando-se que o Brasil ocupa a 5ª posição mundial no ranking de países que mais consomem petróleo no mundo (dados também de 2016, da Agência Nacional de Petróleo), é fundamental pensar em formas de remediar esses riscos. Foi isso o que fez o professor Paulo Sergio Salmazo em sua dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso).

“Contaminações por BTEX em refinarias e oleodutos são menos prováveis de acontecer, devido aos controles praticados”, diz o pesquisador. “Geralmente, quando esses acidentes acontecem, são ocorrências de grandes proporções. Mas existem muitas ocorrências de contaminações de pequenas ou médias proporções, geralmente provenientes de tanques subterrâneos de armazenamento. Nesses casos, os BTEX podem entrar em contato com as águas subterrâneas — uma vez que são altamente solúveis e possuem grande mobilidade em sistemas solo-água —, tornando-as impróprias ao consumo humano. A exposição a altas concentrações de BTEX, ou durante tempo prolongado, pode afetar o sistema nervoso central e também causar câncer.”

Microrganismos como aliados

Como acontece a biorremediação pelo Bacillus subtili? - Divulgação
Como acontece a biorremediação pelo Bacillus subtili? (crédito: Divulgação)

O que fazer, então, quando há contaminação? Salmazo diz que há diversas tecnologias sendo aplicadas para remediar contaminações por petróleo, incluindo técnicas que removem os contaminantes por meio de processos biológicos. Foi justamente essa a estratégia empregada no caso do grande derramamento do Exxon-Valdez. Naquele caso, fertilizantes foram utilizados para aumentar drasticamente a quantidade de microrganismos nativos do habitat, capazes de degradar o óleo, sem causar mais danos às espécies locais. Esse foi o maior projeto de biorremediação já empregado até hoje.

No caso da pesquisa de Salmazo, o objetivo foi avaliar a capacidade de biorremediação de um microrganismo específico, o Bacillus subtilis, bactéria escolhida pelo pesquisador por suas propriedades surfactantes. “Entre os diferentes componentes de origem microbiana que podem ser utilizados para minimização ou descontaminação de áreas contaminadas encontram-se os biossurfactantes. Tratam-se de componentes que aumentam a interação superficial e aceleram a degradação de vários óleos por microrganismos, promovendo a biorremediação de águas e solos”, explica o pesquisador.

Ensaios foram conduzidos em três laboratórios da Uniso — o Laboratório de Microbiologia Industrial e Processos Fermentativos, o Laboratório de Pesquisas Toxicológicas e o Laboratório de Biomateriais e Nanotecnologia —, utilizando como substratos o óleo diesel e a gasolina, tanto em meio líquido quanto no solo. Esses testes objetivaram identificar se o microrganismo escolhido, quando acrescentado aos substratos contaminados, teria a capacidade de aumentar a área de superfície dos compostos insolúveis e hidrofóbicos (ou seja, os contaminantes oleosos), facilitando a associação entre os substratos e as células bacterianas, elevando assim a chance de biodegradação.

Os resultados são promissores. “Constatou-se que o Bacillus subtilis é capaz de produzir biossurfactante e degradar os BTEX, o que faz da biorremediação por meio desse microrganismo uma alternativa eficiente e economicamente viável para o tratamento dos hidrocarbonetos de petróleo em ambientes impactados”, resume o pesquisador.

Ainda há, naturalmente, pontos que precisam ser melhorados: excluindo-se o benzeno, as análises compreendendo os outros BTEX ainda não atingiram os valores de referência de qualidade que, segundo a Cetesb, definem um determinado solo como “limpo” — mesmo tendo chegado bem perto. O pesquisador explica que esses valores podem ser melhorados, se for expandido o tempo de contato das amostras com o microrganismo.

Ainda que novas pesquisas precisem ser desenvolvidas, compreendendo outros tempos de tratamento e também diferentes tipos de solo, Salmazo defende que esse é um passo importante para buscar novas alternativas: “Pesquisas como essa contribuem para a popularização da tecnologia de biorremediação, por fim incentivando os proprietários de áreas contaminadas por combustíveis a investir nessa técnica, de modo a fazer com que os locais impactados retornem aos patamares de referência.”

Com base na dissertação “Biorremediação de solo e água contaminados por solventes aromáticos proveniente de combustíveis”, do Programa de Pós-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação da professora doutora Angela Faustino Jozala, aprovada em 4 de junho de 2019.

Texto: Guilherme Profeta

Galeria

Confira a galeria de fotos