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Plantas medicinais processadas podem estar contaminadas por metais pesados

Um dos fatores que promovem o consumo de produtos de origem vegetal é justamente a velha crença de que tudo que é ‘natural’ é automaticamente bom

28 de Fevereiro de 2022 às 12:34
Técnica empregada para análise veio da Física Nuclear
Técnica empregada para análise veio da Física Nuclear (Crédito: Paulo Ribeiro / Arquivo-Uniso)

Produtos baseados em plantas medicinais, como extratos e pós produzidos a partir de folhas moídas, são naturais e, consequentemente, não podem lhe fazer qualquer mal, certo? Como diz o senso comum, “se não fizer bem, mal também não vai fazer.” Errado — ou, ao menos, essa é uma afirmação que exige muita cautela. É o que afirma uma pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Uniso, Thais Hora Paulino Estanagel, que defendeu uma pesquisa de mestrado voltada ao estudo da composição elementar de ervas e frutas medicinais processadas.

“Um dos fatores que promovem o consumo de produtos de origem vegetal é justamente a velha crença de que tudo que é ‘natural’ é automaticamente bom. Como os fitoterápicos são produtos naturais, as pessoas entendem que eles são seguros e jamais poderiam fazer mal à saúde dos consumidores. No entanto, elas se esquecem de que mesmo os extratos vegetais podem conter substâncias ou impurezas que foram incorporadas tanto durante o crescimento do vegetal, provenientes, por exemplo, da contaminação do solo, da água ou do ar, quanto durante os processos de armazenamento, produção ou purificação”, diz a pesquisadora.

A sua pesquisa foi baseada na hipótese de que as plantas, especialmente quando processadas, podem conter elementos tóxicos, até mesmo os temíveis metais pesados, que não podem ser eliminados pelo organismo e, por isso, acumulam-se ao logo dos anos de exposição, podendo causar toda sorte de malefícios à saúde — até mesmo a morte. “O conhecimento da composição elementar de fitoterápicos é muito importante para a determinação de sua toxicidade e, consequentemente, para a segurança do consumidor final. No entanto, são poucos os estudos que se prestam a identificar a composição química das plantas”, alerta Estanagel. Em seu caso, a técnica empregada, conhecida como fluorescência de raios-x (XRF), veio da física nuclear.

Estanagel considerou em seu estudo quatorze extratos secos e seis amostras de folhas moídas, sempre com laudos de análise e discriminação das partes das plantas que foram utilizadas durante o processo de preparação. As seguintes espécies foram compreendidas na pesquisa: alcachofra, camu-camu, maná-cubiu, chá verde, cáscara sagrada, matchá, acerola, guaraná, mate verde, espinheira santa, equinácea, melissa, passiflora e castanha-da-Índia. As marcas não foram reveladas e, segundo a pesquisadora, essa não é uma questão primordial, visto que os processos produtivos, que compreendem a etapa em que os contaminantes são efetivamente integrados ao produto, costumam seguir fluxogramas predeterminados pela farmacopeia brasileira — ou seja, o compêndio oficial que determina as exigências de qualidade, autenticidade e pureza para quaisquer insumos farmacêuticos, independentemente da marca.

Os resultados são alarmantes. “Supostamente, um extrato é consumido por incorporar elementos químicos essenciais à saúde e por ser isento de substâncias tóxicas. O que encontramos foi o inverso dessa premissa”, a pesquisadora conta. No total, 26 elementos foram detectados nas diversas amostras. Muitos deles são essenciais para o bom funcionamento do organismo humano, como o cálcio, o potássio e o ferro, mas foi constatada, também, a presença de outros elementos nocivos à saúde, como os metais pesados arsênio, mercúrio, chumbo e cádmio.

“A exposição prolongada a metais pesados como esses pode danificar o funcionamento do cérebro, dos pulmões, do rim, do fígado e de outros órgãos vitais, desencadeando processos degenerativos que causam diversas doenças, como a esclerose múltipla, a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer e a distrofia muscular”, ela lista, destacando que, em muitos casos, os limites máximos determinados para esses elementos não foram respeitados. Confira na sequência abaixo.

Para saber mais: o que é XRF?

A fluorescência de raios-x é uma técnica que permite usar um feixe de radiação para estimular os elétrons (partículas de carga negativa) que estão em órbita nas camadas mais internas ao redor do núcleo dos átomos. Esse estímulo faz com que fótons sejam emitidos e registrados por detectores. Por meio dessa técnica, é possível determinar com precisão quais são os elementos químicos presentes em diversos tipos de amostra. A Uniso tem uma série de pesquisas que fazem uso da fluorescência de raios-x; na primeira edição da revista Uniso Ciência (junho/2018), por exemplo, você pode conferir como a mesma técnica foi usada para analisar os elementos tóxicos que estão presentes na saliva de fumantes.

Elementos

Arsênio

O arsênio é um elemento cancerígeno, que foi detectado em uma das amostras analisadas, o extrato seco de melissa. A pesquisadora diz: “Mesmo em níveis baixos, a exposição ao arsênio pode causar náusea, vômitos, redução da produção de eritrócitos e leucócitos, batimento cardíaco anormal, danos aos vasos sanguíneos e sensação de picada nas mãos e pernas. A exposição prolongada pode levar à formação de lesões cutâneas internas, cancros, problemas neurológicos, diabetes e doenças pulmonares e vasculares.”

Mercúrio

No Brasil, a concentração máxima de mercúrio para produtos de origem farmacêutica, determinada pela farmacopeia brasileira, é de 1,5 g/g e, segundo esse critério, nada menos do que dez amostras apresentam concentrações inadequadas: os extratos secos de alcachofra, cáscara sagrada, espinheira santa, equinácea, melissa e passiflora; e as amostras de planta moída de alcachofra e guaraná. Os EUA são mais tolerantes para o limite máximo de mercúrio (3 g/g) e, mesmo assim, cinco dessas amostras o ultrapassam. “Vale lembrar que a exposição ao mercúrio pode danificar o cérebro, os rins e os fetos em desenvolvimento. A exposição a altas doses pode alterar as funções cerebrais e levar a tremores, problemas de memória, irritabilidade e alterações na visão e na audição”, alerta Estanagel.

Chumbo

“O chumbo é um metal altamente tóxico. Se ingerido além de certo limiar, pode aumentar a pressão arterial e causar efeitos debilitantes para órgãos-chave como o rim e o cérebro. A exposição aguda pode causar perda de apetite, dor de cabeça, hipertensão, dor abdominal, disfunção renal, fadiga, insônia, artrite, alucinações e vertigem. A exposição crônica pode resultar em retardo mental, defeitos congênitos, psicose, autismo, alergias, dislexia, perda de peso, hiperatividade, paralisia, fraqueza muscular, danos cerebrais, danos nos rins e até a morte”, diz a pesquisadora. No caso do chumbo, não somente algumas, mas todas as amostras estão além dos limites máximos recomendados.

Cádmio

No caso do cádmio, assim como foi constatado com o chumbo, todas as amostras excedem o limite máximo — se considerada a margem de erro experimental, a planta moída de chá verde e os extratos secos de chá verde, cáscara sagrada, matchá e guaraná estariam abaixo desses limites, mas ainda assim muito próximos. A pesquisadora diz: “O envenenamento por cádmio está associado a uma série de distúrbios, falhas renais e problemas cardiovasculares. A exposição prolongada a baixas concentrações causa a deposição do elemento nos rins, levando à doença renal e também à fragilidade óssea, além de causar danos aos pulmões.”

Processo de produção

A pesquisa teve como objetivo, também, compreender como o processo produtivo poderia interferir na composição dos extratos de plantas medicinais. Segundo a pesquisadora, há dois aspectos que devem ser ressaltados em relação a essa interferência: “Em primeiro lugar, o processo de obtenção dos extratos é altamente ineficiente quando se trata de transferir os elementos químicos das plantas para o produto final, pronto para consumo.” Ironicamente, essa é uma falha que pode até ser benéfica para o consumidor quando existe um elemento tóxico presente na planta moída, uma vez que, como a pesquisa constatou em vários casos, a sua concentração tende a diminuir no extrato, mas essa situação está longe de ser ideal, já que não é isso que se deseja para a grande maioria dos outros elementos.

“Outra questão que foi demonstrada”, a pesquisadora conclui, “é o fato de os adjuvantes utilizados no processo produtivo (como é o caso do amido de milho, da maltodextrina e do corante caramelo) introduzirem impurezas indesejáveis no produto final. Isso ficou claro quando comparamos os extratos com as plantas moídas.”

A recomendação ao consumidor, por fim, é se preocupar não apenas com os benefícios em potencial dos produtos naturais, mas com possíveis contaminações. Essa é uma questão que deve ser levada em consideração ao se optar por uma linha de produtos, inclusive na hora de discutir tratamentos alternativos com profissionais da saúde. Já aos produtores, a contribuição da pesquisa é validar a técnica de fluorescência de raios-x como uma alternativa para a indústria farmacêutica, de modo a garantir que os produtos disponíveis no mercado sejam tão seguros quanto possível.

Com base na dissertação “Estudo da composição química elementar de extratos secos de plantas medicinais e plantas medicinais moídas pela técnica de fluorescência de raios-x”, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação do professor doutor José Martins de Oliveira Junior e aprovada em 20 de fevereiro de 2019.

Texto: Guilherme Profeta