Buscar no Cruzeiro

Buscar

Sustentabilidade

Uniso modifica pastagem infértil pela biodiversidade

Além disso, a Uniso está envolvida atualmente no processo de formação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural

15 de Outubro de 2021 às 07:00
Uma década depois, os professores doutores Nobel Penteado e Rogério Profeta conferem os resultados do reflorestamento
Uma década depois, os professores doutores Nobel Penteado e Rogério Profeta conferem os resultados do reflorestamento (Crédito: Paulo Ribeiro (Arquivo/Uniso))

Ainda que a instituição em si seja mais antiga (os primeiros cursos de graduação oferecidos datam da década de 1950), a Universidade de Sorocaba (Uniso) existe oficialmente desde 15 de setembro de 1994. Foi nessa data que o Ministério da Educação aprovou a sua implantação como universidade. Naquela época, a Uniso tinha dois campi, sendo que as aulas na Cidade Universitária — o terceiro câmpus, que logo viria a ser o principal — começaram em 1999, como parte de um programa de desenvolvimento educacional que previa o oferecimento de novos cursos (atualmente, são mais de 70 programas de graduação e quatro de pós).

A construção do novo câmpus aconteceu num terreno de mais de 600 mil m², que, historicamente, já havia sido utilizado como plantação de rosas e de uva, e posteriormente estava sendo utilizado como pastagem para gado. Dessa forma, como destaca o professor doutor Nobel Penteado, atual coordenador do curso de graduação em Ciências Biológicas da Uniso e também do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade, a área era fortemente antropizada, o que significa que havia sido amplamente transformada pela ação humana e que restava pouca vegetação nativa. Na época, foi ele que, na condição de biólogo, assinou o parecer ambiental para a construção do novo câmpus.

Uma década depois, os professores doutores Nobel Penteado e Rogério Profeta conferem os resultados do reflorestamento - Paulo Ribeiro (Arquivo/Uniso)
Uma década depois, os professores doutores Nobel Penteado e Rogério Profeta conferem os resultados do reflorestamento (crédito: Paulo Ribeiro (Arquivo/Uniso))

“O total de área construída em relação ao terreno foi de 5% somente”, ele relembra. “Isso aconteceu numa área já degradada, assim o impacto da construção em si foi mínimo — apenas algumas poucas árvores derrubadas para viabilizar o acesso viário. Além disso, a Universidade já tinha programada uma série de iniciativas ambientais para a região, como, por exemplo, o reflorestamento ciliar (ao redor dos cursos d’água), que, segundo a legislação brasileira, são consideradas Áreas de Proteção Permanente, e outro projeto que ficou conhecido como Banco de Sementes.”

Banco de Sementes

Ainda segundo Penteado, o Banco de Sementes foi criado em 1999, como parte de um termo de compromisso de recuperação ambiental assinado junto ao Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais. A ideia era que a chegada da Universidade significasse, também, o reflorestamento de uma área historicamente impactada pela ação humana.

Um projeto de reflorestamento não se baseia simplesmente em plantar qualquer tipo de árvore, em qualquer terreno e em qualquer momento. As espécies precisam ser selecionadas de acordo com o ecossistema — que, no caso da Uniso, é uma transição entre dois biomas, o Cerrado e a Mata Atlântica — e as sementes precisam ser devidamente preparadas e preservadas até os momentos adequados para a semeadura. Nem todas podem ser plantadas imediatamente. “As espécies florestais têm apresentado produção irregular de sementes, sendo abundante em determinado ano e escassa em outros. Portanto, o armazenamento se torna necessário para garantir a demanda anual, possibilitando o estoque para os anos de baixa produção. No caso de algumas espécies, como a Araucaria angustifolia, por exemplo, as condições favoráveis à semeadura acontecem somente seis meses após a colheita, assim o armazenamento é fundamental”, explica Penteado.

O Banco de Sementes, que ainda existe hoje, engloba todas as etapas do processo de reflorestamento: da colheita à distribuição, passando pelo beneficiamento e pelo armazenamento adequado das sementes. Para tornar esse processo possível, em termos de infraestrutura, foi necessária a instalação de um galpão para beneficiamento; de um herbário (nome dado a uma coleção de plantas dissecadas para uso em pesquisas); de uma sala de armazenagem e de uma sala de germinação, ambas com temperatura e umidade controladas; além de uma estufa para a produção de mudas. Essas sementes e mudas vêm sendo utilizadas até hoje em projetos de reflorestamento, não só na Universidade, mas em toda a região.

Inicialmente, na ocasião da construção do câmpus, foram selecionadas sementes de cerca de 30 espécies, coletadas nas poucas áreas preservadas no próprio terreno onde o câmpus estava sendo construído e também em outras localidades, não só por equipes da Uniso, mas também pela Polícia Florestal. Em maio de 2002, mais de 1.600 mudas de 23 espécies diferentes foram plantadas em diferentes pontos do câmpus, sendo que as espécies mais presentes foram a Erythrina speciosa (suinã), a Anadenantera colubrina (angico), a Colophyllum brasiliensis (guanandi), a Peltophorum dubium (canafístula) e a Coutarea hexandra (quineira).

Florestas do Futuro

Em 2009, houve um novo plantio em massa na Cidade Universitária. Por meio de uma parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, uma organização não-governamental criada com o objetivo de defender o patrimônio natural brasileiro, mais 15 mil mudas foram plantadas em duas áreas que, juntas, compreendem 7,8 hectares (ou 78 mil m²). Nessa ocasião, foram 80 espécies diferentes, divididas em duas categorias — conforme propostas por André Gustavo Nave, em 2005, numa tese de doutorado defendida na Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (USP) —: as espécies de preenchimento, que fornecem ampla cobertura de copa (somente 15 espécies, mas que representaram metade das mudas), e as espécies de diversidade. Dentre as espécies incluídas nessa segunda leva, as mais relevantes, segundo Penteado, são a Cedrela fissilis (cedro), a Zeyheria tuberculosa (ipê-felpudo), a Tabebuia impetiginosa (ipê-roxo), a Aspidosperma cylindrocarpon (peroba-poca), a Centrolobium tomentosum (araribá) e a Copaifera langsdorffii (óleo-de-copaíba).

De acordo com o projeto apresentado pela ONG na ocasião do plantio, assinado pela engenheira florestal Carolina Mathias Moreira em maio de 2009, foram duas as técnicas empregadas: a primeira, de regeneração natural, foi aplicada nas áreas em que ainda existiam estratos de vegetação nativa capazes de se autorrecuperar, enquanto a segunda, de implantação, foi empregada nas áreas que já haviam sido utilizadas como pastagens, em que já não havia qualquer possibilidade de autorrecuperação. Mais de dez anos depois, Penteado comemora que essas áreas “já se transformaram em verdadeiras florestas”, em suas palavras.

Continuidade

O biólogo destaca que a recuperação desses ambientes só foi possível devido a muito planejamento institucional, o qual incluiu grandes áreas de conservação e esforços de reflorestamento, que aconteceram continuamente ao longo de duas décadas — não só nos dois momentos citados anteriormente, mas em plantios diversos.

“Hoje temos no câmpus uma verdadeira coleção de espécies arbóreas, que nos servem para fornecer sementes e para as aulas práticas”, ele conta. “A área adquirida pela Uniso teve uma expansão significativa de suas áreas florestadas. Muitas ainda estão em estágio inicial de regeneração, mas ocupam locais antes ocupados por pastagens degradadas, e isso é muito positivo. Atualmente, já se nota uma condição ambiental muito mais favorável e as principais evidências disso são as espécies animais observadas no câmpus, como a lontra e a águia cinzenta, que são espécies raras, que ocupam o topo da pirâmide alimentar. Desde 2014, com a abertura do curso de Ciências Biológicas, essas observações da fauna local são temas constantes em aulas práticas, estágios e trabalhos de conclusão de curso.”

Presença de animais posicionados no topo da cadeia alimentar, como a águia cinzenta e a lontra, é um ótimo sinal - buteo (Adobe Stock)
Presença de animais posicionados no topo da cadeia alimentar, como a águia cinzenta e a lontra, é um ótimo sinal (crédito: buteo (Adobe Stock))

Presença de animais posicionados no topo da cadeia alimentar, como a águia cinzenta e a lontra, é um ótimo sinal - ondrejprosicky (Adobe Stock)
Presença de animais posicionados no topo da cadeia alimentar, como a águia cinzenta e a lontra, é um ótimo sinal (crédito: ondrejprosicky (Adobe Stock))

Além disso, a Uniso está envolvida atualmente no processo de formação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), a ser localizada na entrada do câmpus. “Esse tipo de unidade de conservação não é governamental, e é o proprietário da área o responsável por sua conservação”, explica Penteado. “Visto que o estado brasileiro é carente de recursos, as unidades de conservação particulares são uma boa alternativa para a conservação da biodiversidade. Para a Uniso, que sempre priorizou as questões ambientais em suas atividades, essa é mais uma oportunidade de contribuir para a conservação, fomentar estudos na área ambiental e servir de exemplo a outras instituições.”

Para o professor doutor Rogério Augusto Profeta, que esteve à frente da Fundação Dom Aguirre, a mantenedora da Uniso, de 2008 a 2018, e é o atual Reitor da Universidade, os investimentos em meio ambiente são diferentes de qualquer outro investimento financeiro. “Essa diferença existe, em primeiro lugar, porque o retorno desse tipo de investimento pode ser de difícil mensuração”, ele diz. 

Por outro lado, pode ser um retorno constante, podendo até mesmo durar ‘para sempre’, se essa perspectiva estiver incluída na visão da organização. E é exatamente esse o caso da Uniso; nós sabemos que os investimentos em ações de cunho ambiental são importantes, não só pelo meio ambiente em si, mas também porque a educação ambiental é uma das nossas responsabilidades como universidade. Não é uma mera questão de cumprir com a legislação, é acima de tudo uma obrigação moral. Doutor Rogério Augusto Profeta

 

Texto: Guilherme Profeta

Galeria

Confira a galeria de fotos