Escolha de medicamentos para tranquilização de pacientes psiquiátricos
Revisões sistêmicas é um tipo de estudo que avalia as informações e ajudam nesse processo de escolha
Enquanto atuava como gerente de enfermagem numa clínica de dependência química na região de Sorocaba, o professor mestre Clayton Gonçalves de Almeida, docente do curso de graduação em Enfermagem da Universidade de Sorocaba (Uniso), presenciou várias ocasiões em que pacientes agitados precisaram ser tranquilizados. Essa é uma ocorrência relativamente comum, mas que pode ter complicações extremas, a exemplo de um caso particularmente grave ocorrido em 2016, em Sorocaba, em que um auxiliar de enfermagem de 28 anos foi esfaqueado por um paciente esquizofrênico durante um surto e, infelizmente, veio a falecer. Foram situações como essas que levaram o professor a escolher o tema de sua dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade, sob a orientação da professora doutora Cristiane de Cássia Bergamaschi.
De modo geral, 10% de todo o atendimento psiquiátrico emergencial corresponde a pacientes agitados ou agressivos. No Brasil, a quantidade de atendimentos aumentou devido às políticas voltadas a não internar pacientes mentais em manicômios — um movimento que começou no fim do século XX e é conhecido como desinstitucionalização. A prática vem reduzindo o número de leitos psiquiátricos em hospitais e possibilitando que pacientes sejam tratados em liberdade, o que elevou em 3% a demanda de atendimentos psiquiátricos em serviços de emergência.
“A agitação é caracterizada pelo excesso de atividades motoras ou verbais”, define Almeida.
“Ela pode incluir irritabilidade, falta de cooperação e gestos ameaçadores. Pode haver também agressão, ainda que não seja necessariamente uma característica fundamental para caracterizar o quadro. A agitação psicomotora é uma condição que pode interromper temporariamente a colaboração entre médico e paciente, interferindo no tratamento desse paciente, o que requer intervenção imediata. Em situações que exijam um controle veloz, o método utilizado é conhecido como tranquilização rápida e envolve o uso de medicamentos”.
Isso pode acontecer em diversos casos, como aqueles que envolvem pacientes psicóticos, ou mesmo os que sofrem de doenças que afetam o sistema nervoso central, como o mal de Alzheimer. Nesses casos, quando outros tipos de intervenção (como a contenção física ou intervenções verbais, por exemplo) não podem ser aplicados ou não surtem efeito, medicamentos são utilizados para a tranquilização rápida — não com o intuito de sedar o paciente, mas sim de diminuir a condição de agitação ou agressividade em que ele ou ela se encontra, permitindo que o tratamento continue da melhor forma possível. Porém, a decisão por um ou outro medicamento pode ser dificultada pela quantidade de grupos farmacológicos disponíveis e todas as diferentes possibilidades de associações. E é exatamente aí que entram as revisões sistemáticas.
“A revisão sistemática é um tipo de estudo que avalia de maneira crítica e cuidadosa as informações disponíveis na literatura especializada sobre uma determinada condição clínica, determinando o viés dos estudos e buscando a confiabilidade dos achados para a tomada de decisão do profissional da saúde”, explica o professor. Em suma, é um tipo de pesquisa que sintetiza os resultados de estudos conhecidos como estudos clínicos controlados randomizados, já publicados previamente em bases de dados confiáveis ao redor do mundo. Em sua pesquisa, Almeida trabalhou com um tipo de estudo chamado overview, de modo a sintetizar as informações de várias revisões sistemáticas e identificar quais são os melhores medicamentos para a tranquilização de pacientes com agitação psicomotora de natureza psiquiátrica, considerando aspectos como efetividade e segurança.
Resultados
Quatro revisões sistemáticas, compreendendo mais de 60 estudos clínicos controlados randomizados, foram considerados no processo de compilação das pesquisas, a partir de cinco bases de dados internacionais, totalizando mais de 8 mil participantes. Todos seguiram os mesmos critérios, como, por exemplo, a obrigatoriedade da via de administração intramuscular, que é a escolha típica para quando os pacientes não apresentam condições de cooperação suficientes para uma administração oral.
Almeida explica que a indicação de uma intervenção específica deve estar baseada em critérios de segurança quanto ao uso dos respectivos medicamentos, observando-se o menor número possível de efeitos adversos. As evidências apontam para uma maior segurança no uso da associação do antipsicótico haloperidol com a prometazina, da classe dos anti-histamínicos.
“Ainda que a administração do antipsicótico olanzapina tenha se mostrado efetiva no controle da agressão e da agitação, o seu custo é elevado e as evidências ainda são insuficientes. Já em relação à associação de benzodiazepínico com antipsicóticos, pode-se dizer que ela também não apresentou benefícios em relação ao uso do benzodiazepínico ou do haloperidol sozinho, e é importante destacar o risco da depressão respiratória associada ao uso dos benzodiazepínicos — que é um evento adverso grave quando se trata dessa classe de medicamentos. Os resultados mostram que não foram observadas evidências suficientes para confirmar a efetividade e a segurança do uso de haloperidol associado a benzodiazepínicos ou outros antipsicóticos”, comenta o pesquisador, concluindo que a maior tendência é indicar o uso do haloperidol associado à prometazina, ainda que novos estudos devam ser programados para corroborar tais resultados e ampliar a qualidade das evidências disponíveis na literatura científica.
Almeida enfatiza que, além de contribuir para o processo de decisão dos profissionais que já estão no mercado, o resultado de revisões sistemáticas como essas têm aplicação direta em sala de aula, uma vez que representam o mais alto padrão de pesquisa. Dessa forma, contribuem para a formação dos graduandos de diversas áreas da saúde, como, por exemplo, os enfermeiros que poderão se deparar com a necessidade de decidir-se pela tranquilização rápida ao atender pacientes em hospitais.
O trabalho completo e os respectivos resultados estão disponíveis no repositório de dissertações e teses da Uniso, para a consulta gratuita de profissionais da saúde, estudantes e interessados em geral. Além da dissertação, os resultados foram publicados em dezembro de 2017 no artigo “Rapid tranquilization for psychiatric patients with psychomotor agitation: What is known about it?”, no periódico internacional Psychiatric Quarterly, em parceria com a orientadora do estudo e os seguintes pesquisadores: Mariana Del Grossi Moura, Silvio Barberato Filho, Fernando de Sá Del Fiol e Rogério Heládio Lopes Motta.
Com base na dissertação “Tranquilização rápida em pacientes com agitação psicomotora de natureza psiquiátrica”, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade de Sorocaba (Uniso), com orientação da professora doutora Cristiane de Cássia Bergamaschi e aprovada em 26 de fevereiro de 2016.
LINK PARA QR CODE: http://farmacia.uniso.br/producao-discente/dissertacoes/2016/clayton-goncalves.pdf
Texto: Guilherme Profeta