No coração da surpreendente Amazônia
Alter do Chão preserva um dos maiores aquíferos do mundo, com volume de água estimado em 83 mil quilômetros cúbicos. Foto: Thiago Silveira / Ministério do Turismo
Lá do alto, a imensidão de água que eu tentava alcançar com os olhos grudados na pequena janela do avião me paralisava a tal ponto que cheguei a pensar se poderia ser isso fruto de mais um feitiço do tal boto namorador que, segundo a lenda, se transforma em homem e sai a encantar mulheres nas noites enluaradas dos rios do Norte. Ou seria apenas a emoção de estar perto, como nunca estive, do rio Amazonas, que lá embaixo fazia seu curso de forma majestosa, cortado aqui e acolá por terra firme coberta pela floresta.
É assim, cheia de emoções, a chegada a Santarém, segunda maior cidade do Pará e ponto de desembarque para turistas que saem de Belém, em voos de 1h15, em busca da cada vez mais cobiçada Alter do Chão, 39 quilômetros distante do aeroporto.
Fundada no século 17, a vila de Alter é frequentada por paraenses e manauaras há algum tempo, mas começou a chamar a atenção no eixo Sul e Sudeste depois de ter liderado o ranking das melhores praias do Brasil publicado pelo jornal inglês The Guardian, em 2009. “A melhor praia brasileira não está no Rio de Janeiro ou no Nordeste. Também não está na costa. Está num rio no coração da Amazônia”, disse o veículo. Mais recentemente, em 2016, a publicação voltou a falar do destino, destacando suas aldeias remotas, sua floresta tropical e o clima baladeiro.
Alter ganha cada vez mais notoriedade na mídia e espaço nos roteiros paraenses. Foi assim que, decidida a conhecer Belém e Ilha de Marajó, decidi esticar também até o vilarejo banhado pelas águas mornas e transparentes do Tapajós. Como o Amazonas (onde deságua), sua imensidão dá a ele aspecto de mar, formando em Alter do Chão um dos maiores aquíferos do mundo, com volume de água estimado em 83 mil quilômetros cúbicos.
Igarapés compõem o cenário da região, recheada de surpresas e lendas. Foto: Thiago Silveira / Ministério do Turismo
Areia, praias fluviais e floresta
Praia de rio: eis a principal atração de Alter. Parece pouco? Espere só para sentir a delícia de estar sobre estreitos bancos de areia, cercados de água doce às vezes dourada, às vezes esverdeada, comendo um pirarucu assado na hora. Ou de encontrar outras tantas faixas de areia clara, onde vez ou outra desabrocham troncos anárquicos de árvores baixas, garantindo sombra em lugares silenciosos e paradisíacos no chamado Caribe Amazônico.
Mas há ainda as árvores altas e cheias de vida da Floresta Nacional do Tapajós, uma das primeiras unidades de conservação do País. E as comunidades ribeirinhas, que recebem seus visitantes de maneira simples e agregadora, mostrando o trabalho que realizam para sobreviver e manter em pé uma floresta que, há muito tempo, tem sido ameaçada por interesses econômicos.
Reserve no mínimo três dias para Alter, mas tenha em mente que é preciso uma semana para fazer os passeios com calma. Em setembro, a Festa do Sairé movimenta a vila e, apesar de enchê-la, é chance ímpar de vivenciar uma das manifestações religiosas e artísticas mais emblemáticas do Norte do País.
Entre procissões, almoços e fogos de artifício, dois botos, Tucuxi e Cor-de-Rosa, revivem a lenda do boto namorador, disputando no Sairódromo o título de melhor do ano - como é em Parintins com os bois.
Pela imensidão de seus rios, pelas praias, pela floresta, pelo pôr do sol, pela cultura e culinária local. É o destino da vez, no fim das contas, porque nos mostra quantas coisas podem significar a Amazônia.
O encontro do Tapajós com o Amazonas
“O que será que vem depois dessa curva?”, pensei ao ver o contorno intransitável que a Ilha de Amor faz em direção a Santarém. Descobri de barco que o que vem depois é o surpreendente encontro do rio Tapajós com o rio Amazonas.
O fenômeno natural ocorre por conta da diferença de densidade e de temperatura das águas. Foto: Tiago Silveira / Ministério do Turismo
O passeio em grupo é oferecido pelos barqueiros de Alter, que levam até a linha onde os dois cursos d’água começam a correr lado a lado sem se misturar. O fenômeno natural ocorre por conta da diferença de densidade e de temperatura das águas - em 2014, foi reconhecido como Patrimônio Imaterial do Pará.
No caminho, estão paradas famosas como o Canal do Jari. O caminho d’água de tom amarronzado é pura natureza, com exceção de umas poucas construções de madeira e de uma igrejinha. Iguanas, macacos, garças, bichos-preguiça, peixes e, durante o verão, jacarés dão o ar da graça, assim como os bois nas pastagens. No inverno, as vitórias-régias se espalham vistosas.
É comum incluir, na ida ao Jari, a Ponta do Cururu e Ponta de Pedras, com almoço na famosa Casa do Saulo. A Ponta do Cururu (mais um lugar especial por seu pôr do sol), é uma faixa de areia que chega a ter dois quilômetros, dependendo da seca, e está a 25 minutos da vila de Alter. Por lá, a ausência de estrutura turística contrasta com a chance de ver botos nadando e uma linda revoada de gaivotas.
Já Ponta de Pedras, cujo nome vem de suas formações rochosas, está entre Alter e Santarém e é outro canto sossegado, bom para mergulho nas lagoas do Taparí e Preta.
Singelo pôr do sol
Eram quase 18h quando chegamos ao centro da vila de Alter do Chão. Nos recomendaram assistir ao pôr do sol no píer erguido no fim da rua, à beira-rio. Sorte a nossa ter seguido a dica. Um círculo perfeito e alaranjado nos dava as boas-vindas, iluminando todo o céu prestes a escurecer atrás das águas tranquilas do rio Tapajós.
Um círculo perfeito e alaranjado saúda os visitantes. Foto: Tiago Silveira / Ministério do Turismo
À noite, o calor do Norte dá uma trégua e é gostoso ficar jogando papo para o ar na praça em frente à Igreja Nossa Senhora da Saúde, de 1873, construída de frente para o rio. Aos fins de semana, o local fica mais movimentado por conta da missa noturna, das apresentações de carimbó e das barracas de comida típica.
Pousadas e restaurantes se revezam entre as principais construções desse miolo, onde também está o mercado e o único caixa eletrônico de Alter. E se à noite são os taxistas que fazem volume ali, aguardando os voos da madrugada que vêm de Santarém, de dia é a vez dos barqueiros liderarem o movimento.
As pousadas têm seus barqueiros de confiança para indicar aos hóspedes. Mas é possível negociar diretamente com os donos das embarcações na altura do deque, de onde partem rabetas e lanchas para passeios diários.
Para ir a lugares a até 30 minutos da vila, não é preciso reservar com antecedência. É o caso do passeio à Praia do Pindobal e à Lagoa Verde, onde fica a Floresta Encantada, caminho labiríntico de igarapé que, na cheia, fica repleto de raízes de árvores submersas e se torna navegável. (Bruna Toni - Estadão Conteúdo)
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