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Turismo

‘Santiago’ em versão caipira

Caminho do Sol, que passa por 11 cidades paulistas, inclusive na região, se destaca no turismo religioso

26 de Outubro de 2021 às 00:01
Jéssica Nascimento [email protected]
As belas paisagens são constantes no trajeto que se inicia em Santana de Parnaíba e termina 241 quilômetros depois, em Águas de São Pedro.
As belas paisagens são constantes no trajeto que se inicia em Santana de Parnaíba e termina 241 quilômetros depois, em Águas de São Pedro. (Crédito: DIVULGAÇÃO / CAMINHO DO SOL)

Ao longo da vida, percorremos vários caminhos. Alguns mais longos, outros sinuosos e cheios de obstáculos. Também há aqueles em que é possível pegar atalhos. Mas uma coisa todos têm em comum: em cada trajeto é possível aprender, crescer e evoluir. E muitas dessas trajetórias marcam para sempre a vida das pessoas. Não só por desgastes físicos, sociais ou materiais, mas por proporcionar mudanças psicológicas e espirituais, transformando a forma de ver e enxergar o mundo. Um desses percursos é o Caminho do Sol, um trajeto para pedestres e ciclistas entre as cidades paulistas de Santana de Parnaíba e Águas de São Pedro.

São 241 quilômetros que podem ser percorridos a pé ou pedalando. Ao longo do percurso, os peregrinos e “bicigrinos” -- como são chamados os fiéis que fazem a rota de bicicleta -- passam por rodovias e estradas de terra que cortam 11 cidades paulistas: Santana de Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus, Cabreúva, Itu, Salto, Elias Fausto, Capivari, Mombuca, Monte Branco, Piracicaba e Águas de São Pedro. Inspirada no Caminho de Santiago de Compostela, da Espanha, a rota combina religião com turismo e contemplação.

Estabelecido há duas décadas, o caminho pode ser percorrido por qualquer pessoa. Nos últimos anos, mais de 17 mil peregrinos já completaram a rota. Inclusive, muitos fiéis brasileiros realizam o Caminho do Sol como preparação para fazer a tradicional peregrinação em território espanhol ou, ainda, para se aventurar pelo Caminho da Fé, com destino ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida. É o que conta o idealizador da rota, José Palma, de 71 anos, que criou o percurso depois de completar a peregrinação na Espanha, em 1996. “Voltei com a intenção de criar um caminho preparatório para Santiago no Brasil”.

Entre os peregrinos e bicigrinos, estão muitos sorocabanos. Como é o caso de um grupo de amigos que concluiu a rota depois de quatro dias pedalando. Iluminados pela luz do sol, eles pedalaram em média cerca de 60 quilômetros por dia. E para quem nunca tinha realizado um trajeto tão longo como esse, o percurso não foi fácil. Mas não foi isso que desestimulou os amigos, que seguiram firmes, pedalando, dia após dia, até concluir os 241 quilômetros.

O engenheiro civil Paulo Alvarez, de 50 anos, destaca que o Caminho do Sol foi um desafio para todo mundo. “É um desafio físico e mental, porque você vai cansando. São subidas grandes. Então, ou você pedala ou empurra a bike”, brinca. Mas, segundo ele, também há bastante momentos de reflexão. “Em muitos momentos você fica sozinho, mesmo estando em grupo. E começa a pensar na vida, no espiritual, reflete que pode viver com pouco”. O grupo, conta, foi recebido com muito carinho em todos os lugares. Outra coisa que esteve presente durante o percurso foi o companheirismo, destaca Alvarez. “Um ajuda o outro. E você começa a observar as coisas e a ver que a vida é tão simples, é a e a gente quem complica demais”.

Juliana Cardoso registra a chegada do grupo de ciclistas sorocabanos a Águas de São Pedro: momento de emoção. - ARQUIVO PESSOAL
Juliana Cardoso registra a chegada do grupo de ciclistas sorocabanos a Águas de São Pedro: momento de emoção. (crédito: ARQUIVO PESSOAL)

Assim como Alvarez, a representante comercial Juliana Cardoso, de 37 anos, avaliou a experiência como transformadora. “Primeiro, por conseguir fazer, porque para quem não está preparado não é fácil. E o que ajuda muito é a parte religiosa. Senti uma energia muito legal durante o trajeto. Fico arrepiada só de falar. Tinha lugares no meio da plantação de cana-de-açúcar, na subida, e parecia que a gente era puxado. Foi Deus mesmo que nos levou”, relata. Entre uma pedalada e outra, Juliana fazia orações para pedir proteção. Foi isso que a manteve forte. “Deu vontade de chorar, de tão feliz que fiquei. Me emocionei em vários momentos e orava para agradecer por poder ter saúde e estar ali”.

A representante comercial aproveitou cada momento do trajeto. “Em cada lugar que você passa, você carimba o passaporte. E, com isso, aprende histórias de todos esses lugares. Paramos em todos os pontos para conhecer. Foi muito legal”. E olha que no começo ela até pensou que poderia desistir. Motivos Juliana teve de sobra: cansaço, dores no corpo e até um tombo inesperado no meio do caminho. “Eu cai da bike, acabei sofrendo um mini-acidente. Mas nem isso me prejudicou para finalizar o caminho. Quando a gente quer uma coisa, nada nos impede”.

Não é à toa que a chegada foi um dos momentos que mais marcaram a experiência de Juliana. “Estava todo mundo me esperando, eu sempre era a última. E todo mundo estava chorando, gritando, virou uma festa quando cheguei. Na Casa de Santiago tem um sino que a gente bate quando chega. Foi muito emocionante, porque você passa quatro dias pedalando, se esforçando, larga tudo só para viver aquilo e chegar ao destino final”, conta, emocionada. Mais do que o reconhecimento pessoal por cumprir a meta, Juliana destaca que a melhor parte foi poder compartilhar esse momento com pessoas queridas. “Não tem como descrever o sentimento de compartilhar a experiência. Fiquei ainda mais feliz”, afirma.

Lília Ventura Spinelli em pausa para o registro: "O Caminho traz aprendizados para a vida". - ARQUIVO PESSOAL
Lília Ventura Spinelli em pausa para o registro: "O Caminho traz aprendizados para a vida". (crédito: ARQUIVO PESSOAL)

Para a empresária Lília Ventura Spinelli, de 52 anos, que concluiu o trecho de 241 quilômetros após 11 dias de caminhada, o Caminho do Sol traz aprendizados para a vida. E, segundo a sorocabana, essas lições começam antes mesmo de iniciar o caminho, na arrumação da mochila, em que você só pode levar o que consegue carregar. “É um exercício de desapego e desprendimento material”.

Lília fez o percurso em novembro do ano passado e ficou encantada com tudo o que viveu durante a jornada. “Foi uma experiência maravilhosa. Ao longo dos dia você vai se desconectando do mundo externo, da rotina corrida que tinha, e passa a viver o momento presente. Isso traz um olhar pra dentro, de enxergar o que é importante na vida e de como, às vezes, damos tanta importância a pequenas coisas e na verdade precisamos de tão pouco pra viver. Esse autoconhecimento é transformador”, relata.

Mas nem tudo são flores durante o trajeto, conta Lília, que também viveu momentos difíceis, de desgaste físico e emocional durante o trecho, quando teve até vontade de parar. “Mas superar esses desafios também é muito rico. São momentos de superação, de conviver com a dor e o cansaço, respeitar o seu ritmo e aprender que seu corpo se regenera e no dia seguinte você consegue seguir em frente”. Até porque, a empresária acredita que fazer um caminho longo a pé é estabelecer outra relação com o tempo, pois você leva 11 dias para percorrer um trecho que faria em três horas de carro. “É aprender a valorizar cada momento e agradecer por pequenas coisas, como por exemplo a sombra de uma árvore depois de um longo trecho de sol. Não é uma vivência fácil, mas com certeza vale a pena. Terminamos o caminho pessoas melhores do que quando começamos”, finaliza.

A rota

O caminho pelas zonas rurais é todo sinalizado; os pontos de parada nas cidades inclui pouso, banho e comida. - DIVULGAÇÃO / CAMINHO DO SOL
O caminho pelas zonas rurais é todo sinalizado; os pontos de parada nas cidades inclui pouso, banho e comida. (crédito: DIVULGAÇÃO / CAMINHO DO SOL)

Antes de iniciar a rota, os peregrinos participam de uma palestra, ministrada pelo próprio Palma. “Eu preparo as pessoas para entrar no caminho”, completa. Depois dessa apresentação, todos seguem o trajeto, todo sinalizado, que pode levar 11 dias a pé ou quatro dias pedalando. Durante a caminhada, ou pedalada, os peregrinos podem contemplar as paisagens e as belezas da natureza, já que grande parte da rota é realizada em ambiente rural, o que proporciona momentos de introspecção e despojamento material.

E ao passar por diferentes regiões, os peregrinos também acabam desbravando a cultura local. “Eles ficam sabendo que mambuca é uma abelha, passam por uma casa que foi de Machado de Assis e assim vai”, completa Palma, ao dizer que o Caminho do Sol também é uma ferramenta para divulgar o turismo de microrregiões. “O caminho é muito mais do que caminhar. Todas as pessoas se transformam durante o trajeto, independente da religiosidade, classe social ou condição física. A caminhada toca as pessoas de uma maneira muito forte”, frisa.

Há também a parte social, já que todo participante deve levar mantimentos para doar a famílias em situação de vulnerabilidade social. E tudo isso é feito ao longo do próprio percurso. “O caminho impacta todo mundo, cada um de uma maneira. Você passa por momentos de reflexão e vive uma desconstrução. No trajeto, você não é rico, não é pobre, não tem status, não carrega títulos, é um ser humano normal. E se descobrir como ser humano é muito legal, porque você caminha com a sua essência”, descreve Palma.

O destino final é a Casa de Santiago, em Águas de São Pedro, local que abriga a imagem do Apóstolo Santiago, trazida da Espanha por peregrinos em 2002. Depois de concluir o caminho, além de toda a bagagem e experiência de vida conquistada durante o percurso, os peregrinos ainda levam para casa um certificado, chamado Ara Solis, que em Celta significa “altar do sol”. De acordo com Palma, essa é uma forma de eternizar a alegria de completar o Caminho do Sol. “É uma conquista”, reforça.

Inscrições

O caminho pode ser realizado a pé ou de bicicleta. Para quem decide completar o trajeto caminhando, o kit de inscrição custa R$ 202,80 e inclui Passaporte do Sol, porta-passaporte, gargantilha de madeira com seta amarela, guia impresso, cajado personalizado e seguro de acidentes pessoais. Já para quem deseja ir pedalando, a taxa é de R$ 155,80 e está incluso o Passaporte do Sol, porta-passaporte, gargantilha de madeira com seta amarela e seguro de acidentes pessoais.

Nos dois casos, os peregrinos devem realizar o pagamento das pousadas em que ficarão hospedados no próprio estabelecimento, em dinheiro ou cheque. As pousadas custam em média R$ 165,00 e incluem almoço, jantar, pernoite e café da manhã. Mais informações podem ser obtidas pelo site www.caminhodosol.org.br. (Jéssica Nascimento)

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