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Olhos e lentes voltados para o céu

16 de Maio de 2020 às 00:01

Olhos e lentes voltados para o céu

Foto ganhou na categoria “melhor vislumbre” e mostra, nas três linhas brancas diagonais, o translado da sonda. Crédito da foto: Sérgio Silva

Durante a pandemia do novo coronavírus, o home office -- sigla em inglês para trabalho remoto em casa -- virou uma realidade para milhares de pessoas em todo o mundo. Sem a parcela do dia gasto no tráfego dentro de carros ou transporte público, a população tem garantido mais tempo para investir em atividades que tragam satisfação pessoal. Esse é o caso do engenheiro de telecomunicações, Sérgio Silva, o português radicado em Porto Feliz (município da Região Metropolitana de Sorocaba), que viu na quarentena uma oportunidade para se dedicar a uma paixão pessoal, fotografar o céu, estrelas, planetas e toda a galáxia.

O tempo extra dedicado a observar o céu já trouxe resultados positivos ao fotógrafo. No último dia 10 de abril, ele foi o vencedor de um concurso de fotografias espaciais da Agência Espacial Europeia (ESA sigla em inglês). A organização desafiou astrônomos profissionais e observadores amadores a registrarem a passagem da sonda BepiColombo, que passou a caminho do planeta Mercúrio próximo à atmosfera da Terra, a cerca de 12.700 km de altitude.

A BepiColombo é uma missão ESA em parceria com a Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (JAXA) na exploração do menor planeta do sistema solar.

O fotógrafo foi premiado na categoria “melhor vislumbre”, que registrou o sobrevoo da sonda espacial. Na imagem, as três linhas brancas diagonais registram o translado o veículo que pôde ser avistado, com o auxílio de câmeras e exposições especiais, aqui no interior paulista.

Olhos e lentes voltados para o céu

Sérgio construiu um observatório lunar na chácara da família, em Porto Feliz. Crédito da foto: Divulgação

Para conseguir realizar o feito histórico, Silva precisou se preparar e há cinco anos, na propriedade do sogro, em um chácara em Porto Feliz, o engenheiro construiu um o observatório lunar. À época, com uma câmara inadequada para o trabalho e um telescópio ele deu início ao seu novo passatempo. “É um lugarzinho onde eu guardo o meu equipamento, que eu uso para as fotografias de noite e de dia” diz. “Eu inaugurei em 2015, desde então são dezenas de imagens. Eu costumo a fotografar de tudo, de planetas a galáxias e algumas nebulosas” complementa.

Diante da paixão pelo céu e pela astronomia, no mesmo ano o engenheiro de telecomunicações começou a participar de um grupo de pesquisa sobre o assunto, o Alpha Crucis Pesquisa e Estudos Astronômicos. O órgão surgiu da participação de amantes da astronomia ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), e atualmente, Sérgio também integra o Clube de Astronomia de São Paulo (Casp).

Estudo e planejamento

Sérgio conta que chega a passar madrugadas acordado para realizar os registros de objetos especiais. A última expedição precisou de dias de planejamento para encontrar o momento exato em que a BepiColombo passaria sobre a sua localização em Porto Feliz. Nas atividades como fotografo, apesar de ser um prazer pessoal, o profissional também precisa lançar mão dos seus conhecimentos técnicos em engenheira de telecomunicação. Foi com a ajuda de um software, pesquisas no site da agência espacial norte americana, a Nasa,(sigla em inglês para Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), e uma série de cálculos que ele conseguiu precisar a trajetória da BepiColombo.

Olhos e lentes voltados para o céu

A BepiColombo é uma missão para exploração do menor planeta do sistema solar. Crédito da foto: Divulgação

Para fotografar a sonda que transitava nas coordenadas da Nebulosa da Cabeça de Cavalo Azul (The Blue Horsehead Nebula, nome em inglês) foram três dias de análises, uma madrugada insone e apenas 60 segundos para fotografar os quatro frames, cada um dele com 15 segundos de exposição à luz. “Foi uma passagem brevíssima pela terra, de poucos minutos”, conta o autor.

Condições favoráveis

“A cidade tem um microclima seco a partir de maio, quando a temperatura cai bastante nas madrugadas. Essas são as condições ideais para fotografar o céu. Nós temos muito campo de pesquisa, pesquisadores amadores poderiam contribuir muito com a astronomia. Daria para descobrir novos cometas, satélites, fora a quantidade de fotografias lindas que poderiam existir”, revela Sérgio.

Contudo, os registros da galáxia passam por um pequeno problema, o excesso de luz. Com o desenvolvimento econômico de Porto Feliz e a instalação de novas indústrias no município, as luzes apontadas para cima clareiam o céu e atrapalham os trabalhos. Para o astrônomo amador, a simples ação de direcionar luzes públicas e privadas em direção ao solo trariam eficiência na iluminação e um impacto significativo na produção astronômica na região. “Nós precisamos preservar o nosso céu. A cidade vem crescendo nos últimos anos, mas eles não têm o cuidado. A Prefeitura não impõe regras como apontar a claridade para baixo. Luzes industriais vão lentamente acabando com o nosso céu”, avalia o fotógrafo, que destaca ainda o papel de pioneirismo que a região teria se a municipalidade tivesse um olhar mais atento para galáxia. “Isso seria suficiente para preservar um recurso natural que é único no Brasil. Aqui no hemisfério sul esse recurso é muito rico e pouco explorado. É apenas um gesto da cidade que pode impulsionar a área no país”.

O jornal Cruzeiro do Sul questionou a Prefeitura de Porto Feliz sobre a possibilidade readequação do sistema público de iluminação e de normas que obrigassem empresas particulares a apontar as luzes para o solo. Em resposta, a municipalidade informou que não tinha conhecimento da situação, porém, o Executivo local se comprometeu em avaliar os casos de poluição luminosa, para aprimorar o ambiente afim de prestigiar a pesquisa astronômica, facilitando que o céu permaneça escuro o suficiente para que astros, estrelas, nebulosas e futuras sondas especiais possam ter suas passagens pela galáxia registradas pelos fotógrafos.

Para o engenheiro, se a Prefeitura realmente atender a esse pedido de manutenção dos postes, além de garantir os futuros registros astronômicos, a cidade ainda vai acabar economizando energia, já que lâmpada virada para o céu não serve para iluminar as ruas e avenida.

Novos caminhos

Sobre o futuro na fotografia de galáxias e sondas espaciais, Sérgio explica que o reconhecimento internacional a Agência Espacial Europeia abre novos caminhos para sua carreira, ainda que de forma amadora, ele pretende continuar fomentando o trabalho de admirar e registrar os astros. “Pessoalmente é um impulso enorme para continuar e por mais esforços. Meu sacrifício é perder o sono, mas eu faço isso não faço isso por dinheiro é por amor”, garante o engenheiro emocionado.

Apesar de ter construído sozinho seu observatório espacial em Porto Feliz, local onde trabalha madrugadas a fio, o observador não está sozinho. Ele enfatiza que grupos amadores de fotografia espacial estão espalhados em diversos estados pelo País olhando para o céu e registrando aquilo que nossos olhos não podem ver sozinhos. Ao Cruzeiro do Sul, o fotógrafo amador adiantou que o próximo desafio seria gravar em suas lentes o breve momento da passagem de um cometa na órbita do Planeta Terra.

Enquanto a vida não volta ao normal por conta das implicações do novo coronavírus, Sérgio Silva aproveitará a quarentena e o período extra em casa para manter viva sua paixão de observar o universo. Enquanto o mundo dorme, o engenheiro seguirá acordado, madrugada após madrugada, registrando a delicada e misteriosa dança dos astros, buscando em suas lentes imagens que jamais poderiam ser vistas sem esse trabalho, mostrando para Porto Feliz, para o Brasil e para o mundo que há mais entre o céu e a Terra do que os nossos olhos podem enxergar. (Wesley Gonsalves)

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