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Mulher relata detalhes de relacionamento abusivo em Sorocaba

25 de Janeiro de 2020 às 08:23

Agressões físicas e psicológicas são frequentes e casos de feminicídio crescem no Estado. Crédito da foto: Pixabay.com

Uma das primeiras vítimas de violência doméstica a usar o botão do pânico em Sorocaba, lançado pela Prefeitura no dia 8 de fevereiro de 2018, foi Marta (nome fictício, para preservá-la). Foi logo ao se tornar esposa, que ela percebeu que tinha se tornado propriedade de seu marido, e não sua companheira. “Eu o conheci na igreja. Era o príncipe encantado, literalmente. Abria a porta do carro, mandava buquê de flores para mim e minha mãe... Durante os oito meses de namoro tudo foi muito maravilhoso, mas mudou logo na nossa festa de casamento. Ali, ele já era outro. Não deixava ninguém me beijar e abraçar.”

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O depoimento que segue, mostra todas as formas de violência que uma mulher pode passar, mas no caso de Marta, 45 anos, essas agressões foram vividas por uma única mulher.

A atitude de seu marido foi tomando proporções inimagináveis, mas como sempre ocorre nos casos de violência contra a mulher, foi acontecendo aos poucos. Devido ao ciúme, exagerado, ele não a deixava cortar os cabelos, se arrumar, e começou a ter mania de achar que ela tinha alguém. “A gente tem o péssimo hábito de pensar que com amor a gente muda as pessoas, mas foi piorando”, disse.

Proibida de trabalhar e já com duas filhas, Marta se viu sem condições de pedir a separação. “Eu era a mulher que abaixava a cabeça, não reclamava”, lamenta.

Esse homem, porém, foi tendo atitudes cada vez mais doentias, a ponto de colocar câmeras em cada cômodo da casa e uma no carro de Marta. “Ele alegava que era para a nossa segurança”, afirma. Além disso, a obrigou a ter um aplicativo de gravação de ligações em seu celular. “Todas as noites, ele chegava e sentava à mesa. Chamava nossas filhas e fazia a gente conferir com ele as gravações. Se suspeitasse de qualquer coisa, uma palavra que fosse, ou algo que não gostasse, ele batia em mim na frente das meninas. Para elas, costumava dizer que se eu estava apanhando, é porque merecia.”

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De tanto rebaixá-la, Marta acabou se sentindo um nada. “Apanhar é humilhante. Eu tinha de usar só roupa de frio porque ficava muito roxa. Mas as violências psicológica e verbal foram ainda piores. Isso fica na alma pelo resto da vida, são feridas que nunca vão embora.”

Ela, que nunca pensou em um dia viver uma situação dessas, se viu completamente perdida. Foi quando soube que havia casado com um psicopata. “Eles manipulam a gente de uma forma que a gente não consegue ter atitude, força. Eles vão nos minando todos os dias.”

Marta pensava na separação, mas diz que não tinha como, ainda mais tendo uma filha doente. “A mais velha teve câncer e fazia tratamento”, conta. No dia que a filha teve alta, ela decidiu procurar um advogado para se separar. Mas nesse dia, ela quis morrer. Foi quando descobriu que o marido abusava da menina. “Ele falava que ia me matar. Descobri também que tocava a caçula. Ele é um monstro. A minha vida é pelas minhas filhas e como um pai faz isso? Ele tirou a inocência delas, o sonho do primeiro namorado, da primeira vez com um homem, são coisas que roubou delas. Eu acreditava que ele estava fazendo mal só a mim.”

Assim que soube, Marta fugiu com as filhas e o marido iniciou uma verdadeira caça em busca delas. “Ele tirou tudo da gente, amigos, família, casa, nossa liberdade.”

Desde o momento que o denunciou, ela e as filhas passaram a ter ainda mais medo. “Ele infringiu três vezes a medida protetiva, tentou nos matar. Tivemos de acionar o botão do pânico.”

Histórias semelhantes

Marta descobriu mais uma coisa em sua jornada contra a violência. “Muitas vivem histórias semelhantes. Eu não tinha noção de que passar por isso fosse tão comum. Sei disso agora porque quando a gente faz denúncia, é obrigatório frequentar o Centro de Referência da Mulher (Cerem), e então acabamos conhecendo outras que passaram pela situação.”

Após 20 anos de casamento, Marta conseguiu a separação. O ex-marido está preso, condenado a 30 anos pelo estupro da filha mais velha. Ela ainda aguarda a condenação pelo abuso da filha menor. As garotas têm hoje 20 e 15 anos. “Ele não foi condenado pelo que fez comigo porque não existiam Boletins de Ocorrência. Os ferimentos vão embora, não tem como a gente provar”, afirma.

“Não tenham medo”

Marta deixa um conselho para as mulheres: “Não tenham medo, enfrentem. Eu errei em não denunciar ao longo dos anos, porque se fosse assim, eu teria mais força judicialmente. Pensem que a gente não fez por merecer, não há violência que alguém possa merecer.”

Por conta de tudo o que passou, Marta tem hoje síndrome do pânico e depressão. Ela e as filhas fazem tratamento psiquiátrico e tentam reconstruir suas vidas. “Tudo o que a Justiça puder fazer para puni-lo, eu quero. Nem que eu tenha de ir todos os dias, eu vou. Agora vou até o final. Mas a prisão dele já é um passo gigante, é uma conquista não termos de conviver com o horror no dia a dia.”