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Maria Bethânia conta o que viu na pandemia

19 de Dezembro de 2020 às 00:01

Maria Bethânia conta o que viu na pandemia Maria Bethânia não teve coragem para ver documentário sobre o irmão, Caetano Veloso. Crédito da foto: Jorge Filho / Divulgação

Maria Bethânia participou ativamente de poucos eventos virtuais no período de isolamento social, mas assistiu a diversas lives. Não teve coragem para ver o irmão Caetano no documentário Narciso em Férias, mas voltou ao estúdio para gravar novas canções de um disco futuro. Desde suas últimas entrevistas, no ano passado, para divulgar a turnê do show Claros Breus, Bethânia segue desanimada com os rumos do País. Anunciada oficialmente na última terça-feira, 15, como a grande atração do Coala Festival 2021-- a ser realizado nos dias 11 e 12 de setembro --, Maria Bethânia respondeu a algumas perguntas do Estadão por e-mail.

A volta ao estúdio funcionou como um escape durante a pandemia e o isolamento social? Como foi esse retorno ao estúdio?

Eu quis entrar em estúdio, me deu vontade. Primeiro de tudo, porque eu tinha um repertório, um repertório pronto, que me animava. Composições inéditas, que é a maneira como gosto de fazer os meus discos, com regravações ou gravações de canções já há muito existentes, mas gosto, necessito que tenham canções inéditas. E, como eu tinha um repertório bonito, eu quis então fazer esse disco. Agora, falar sobre ele, mais do que isso, não cabe, porque ele não está pronto. Ele ainda está sendo feito, passando por todas as etapas técnicas e necessárias, etc.

O que você pode compartilhar sobre o disco por enquanto?

Foi ótimo, gostei muito, com muitos zelos e cuidados e amparos. Diferente. Difícil, porque gravar um disco exige intimidade com os músicos, intimidade com os técnicos e aproximação com essas pessoas e, apesar de testarmos todas as semanas, absolutamente todos estavam trabalhando no estúdio e eu fiquei dentro de uma caixa de acrílico. Todos os cuidados devidos foram tomados, e, graças a Deus, ninguém se contaminou. Fizemos em um curtíssimo tempo, em três semanas, três semanas e pouco.

Você acredita em alguma transformação real e profunda nas pessoas e no Brasil, após a experiência coletiva com o vírus?

Não vejo o menor sinal de melhora em nada no Brasil.

Marcar shows, festivais e aglomerações ainda pode ser um risco, uma previsão para o futuro que infelizmente não sabemos ao certo se vai se concretizar. Isso é algo que te preocupa, tendo em vista o Coala de 2021?

Acho que é uma tragédia, mas não fico assim necessariamente tão estressada ou amedrontada por essa possibilidade. O Brasil não nos saúda com uma perspectiva nítida, clara, assertiva -- pelo contrário, parece que todo mundo está gaguejando, mas é isso que temos... Se tiver, tomara que seja o maior sucesso, que seja muito bonito.

Uma das características do Coala é conectar músicos da sua geração, como Gil e Caetano, com atos bem mais jovens, da geração de Tim Bernardes, um artista por quem você já demonstrou admiração. Como essa troca com artistas mais jovens tem acontecido para você nos últimos tempos?

Tomara que as pessoas possam ouvir boa música, conhecer novos artistas, conviver com artistas da minha geração, acho tudo isso positivo.

Você foi uma das poucas grandes artistas da música brasileira que optaram por não fazer ‘lives’. O formato não te agrada? Você chegou a assistir a alguma?

Assisti a várias. Assisti à de Caetano, que foi maravilhosa. O Caetano com os meninos. Assisti à de Caetano para ajudar a campanha do (Guilherme) Boulos. Assisti, muitas vezes, à da Tereza Cristina que, inclusive, me prestou uma homenagem muito bonita no dia de meu aniversário, sou gratíssima. Assisti a algumas, sim. Vi Adriana Calcanhotto, Fábio Jr... Adorei a live do Fábio Jr, tão elegante, sereno; Fafá de Belém, umas duas ou três, ótimas também, com aquele vigor querido e sempre vitorioso da Fafá. Vi bastante coisa. Para mim, sou uma artista que precisa de uma resposta, sou mais de palco, mais de resposta imediata, ouvir, sentir o calor da plateia... Para mim, acho difícil, pelo tipo de artista que sou e pelo trabalho que faço. Mas não sou contra, acho positivo, acho bonito, acho que abraça o povo brasileiro, que está tão desesperado e tão entristecido, tão massacrado nessa situação toda que estamos vivendo. Acho bom, acho que leva afeto. Eu gostaria muito de ter um entendimento do que sou em cena e do que necessito do público para fazer uma live. Mas eu não sou assim, não saio cantando uma música atrás da outra, eu não tenho um repertório de recital - meu repertório tem dramaturgia, então, isso complica, acho que complica um pouco para ser uma live, entendeu? Vi algumas coisas também de teatro, algumas lives de teatro de que gostei muito. Vi a Renata Sorrah, vi o grupo dela, a peça Preto. Vi a Maitê Proença fazendo seu monólogo, vi algumas coisas assim.

O que você sentiu ao assistir ao documentário Narciso em Férias? O filme te trouxe lembranças e sentimentos daquela época?

Olha, na verdade, eu não quis ver. Eu não tenho lembranças boas desta época, e acho que ninguém pode ter. Mas eu particularmente sofri muito e já está tudo muito difícil. Vi assim, com um olho fechado e outro aberto, algumas partes, algumas pequenas coisas. Confesso que não tive essa coragem toda, não. Para assistir.

O que se pode contar sobre o documentário que Carlos Jardim prepara sobre sua trajetória?

Aí isso só o Carlos Jardim pode comentar. Ele só me disse que quer fazer. Ele é um querido amigo e grande jornalista. Fico muito honrada, fico muito feliz, mas eu não sei quais são as ideias, ele que está trabalhando. Quando ele me disser, eu conto para vocês.

Bethânia, lá em 1971, Caetano te pedia uma carta para você dizer que as coisas estavam melhorando. No Brasil de 2020, se alguém lhe pedisse algo parecido, o que você diria?

Eu acho que eu não acerto nem escrever, nem devolver uma carta. Acho tudo tão difícil. Estou muito triste. O Brasil está muito triste. Não está bom não. Para mim, não está. (Guilherme Sobota - Estadão Conteúdo)