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Entenda

Pessoas com deficiência visual lutam por espaço no mercado de trabalho

19 de Outubro de 2019 às 00:01

Invisíveis para o mercado

Luiz Carlos Queiros Junior. Crédito da foto: Fábio Rogério (18/10/2019)

 

Uma catarata congênita, adquirida ainda na barriga da mãe, durante a gravidez, tem feito com que Luiz Carlos Queiros Junior se adapte às dificuldades com a visão desde pequeno. A doença deu origem a uma sequência de cirurgias e complicações, como uma maior sensibilidade nos olhos, o descolamento de retina e por fim a perda total da visão no olho direito e a baixa visão no esquerdo. A deficiência visual, no entanto, nunca o impediu de sair passear, estudar, casar, fazer planos para o futuro... O que Luiz Carlos não imaginava é que a doença afetaria a sua vida profissional.

Se ter deficiência e viver em uma sociedade como a nossa já é complicado, imagina só precisar de uma vaga no mercado de trabalho e descobrir que até mesmo entre as deficiências, há aquelas que são mais discriminadas do que outras.

Luiz Carlos viveu isso na pele. Ele afirma que sempre são pessoas com outras deficiências que conseguem vaga no mercado de trabalho. “O deficiente visual fica por último, quase não tem chance”, revela.

Ao contrário de escolher funcionários pelas habilidades que possuem, as empresas estão escolhendo pelo tipo de deficiência, pelo menos ao que parece, apenas para cumprir com a lei 8.213/91, que estabelece cotas para contratação. Empresas com 100 ou mais funcionários estão obrigadas a preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas com alguma deficiência.

 

Adaptação e boa vontade

Invisíveis para o mercado

Flávia ministra oficina de empregabilidade na Asac.

 

O motivo para essa atitude é a falta de conhecimento sobre as habilidades do cego, que pode inclusive ler e escrever, sem recorrer ao braile. Pouca gente sabe, mas existem programas de acessibilidade específicos para o deficiente visual em todos os computadores e celulares.

“Além disso, ter um funcionário cego na empresa não exige muitas adaptações, apenas boa vontade”, afirma Flávia Silva Viana, que ministra uma oficina de empregabilidade na Associação Sorocabana de Atividades para Deficientes Visuais (Asac).

Conforme ela, o problema é que o mercado de trabalho não está aberto para receber trabalhadores com essa característica, nem mesmo saber como essas pessoas poderiam atuar.

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Foi com o objetivo de encaminhar esse público ao mercado de trabalho que surgiu o programa Ágora. Criado há 18 anos e atendendo países da América Latina, o programa chegou recentemente ao Brasil e tem como parceira a Asac.

Desde o início do ano, a entidade passou a funcionar efetivamente como um posto do programa. O Ágora tem como uma das funções entrar em contato com as empresas para explicar que o deficiente visual pode trabalhar em diversas áreas. Também disponibiliza um site onde podem ser encontradas e cadastradas vagas para esse público.

O primeiro emprego

Através do Ágora Luiz Carlos conseguiu, aos 28 anos de idade, o seu primeiro emprego com carteira assinada. O Hospital Oftalmológico de Sorocaba -- Banco de Olhos de Sorocaba (BOS) é uma das raras empresas no Brasil que aceitou o desafio. “Tentei outros lugares, mas não tive oportunidade. Vivia de bicos. É gratificante poder trabalhar com carteira assinada. Me sinto agradecido a Deus e a todos os envolvidos”, afirma.

Luiz trabalha na Central de Informações e Agendamento do BOS há um ano e seis meses. Uma curiosidade é que desde muito novo fazia tratamento no local e tinha vontade de trabalhar lá. “Disse para mim mesmo que um dia iria usar esse uniforme”, comenta.

Invisíveis para o mercado

Desconhecimento e preconceito são obstáculos para os deficientes visuais. Crédito da foto: Divulgação

 

Sua satisfação é grande porque além de ter conseguido se inserir no mercado de trabalho, foi muito bem recebido. “Sou tratado com atenção, cuidado. Não precisei me adaptar, eles que precisaram se adaptar a mim”, afirma.

Para exercer esse serviço, Luiz precisou ter conhecimento amplo de todo o funcionamento do hospital. Ele faz atendimento telefônico, direciona os pacientes e também precisa ler e escrever. “Para escrever utilizo o recurso de acessibilidade do computador e para o restante da função, uso o leitor de tela, que fala para mim tudo o que está escrito”, conta.

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A ferramenta de acessibilidade permite a Luiz saber o que está escrito num texto digitado via Whatsapp, por exemplo, e também responder em formato de texto, não precisando gravar um áudio. “Muitas empresas desconhecem as possibilidades de atuação do deficiente visual e essa é a missão do Ágora”, frisa Flávia.

Adaptação de empresa e funcionários é simples

Para se ter ideia de como a adaptação da empresa que vai receber um funcionário com deficiência visual é simples, o treinamento da equipe que receberia Luiz Carlos como colega de trabalho envolveu apenas a orientação de alguns detalhes como manter a cadeira recolhida após o uso, não deixar objetos pelo chão e se alguém mudar a lixeira de lugar, tem de avisar. No setor de Luiz, o microondas, a geladeira, e a lata de lixo ganharam inscrições em braile.

Ruth Eloi Lima, coordenadora de agendamento do convênio particular do BOS, chefe de Luiz, afirma que a contratação dele foi uma experiência nova. “Um aprendizado para todos nós. Ele veio agregar para a gente também”, disse.

Invisíveis para o mercado

Ruth diz que contratação de Luiz foi um aprendizado.

 

Conforme a coordenadora, toda a equipe abraçou a ideia de ter um colega com deficiência visual. Essa experiência que todos estão tendo com Luiz tem ajudado inclusive no atendimento de quem procura o BOS para consultas. “A maioria das pessoas que não tem contato com deficientes visuais acha que a todo momento eles precisam de ajuda”, observa. Agora todos também sabem como conduzir um cego, quando necessário. “Agora quando a gente vê alguém guiando de maneira errada, já orientamos a forma correta”, afirma. “A vinda do Luiz ajudou o hospital como um todo, nos ensinou como acolher um paciente com deficiência visual”, ressalta.

Ruth comenta que além disso, Luiz é um excelente funcionário. “Ele sempre procura saber de tudo, se mantém informado para orientar quem nos procura e o Luiz sempre recebe elogio das pessoas, que dizem que foram bem atendidas.”

Programa Ágora empregou 22 pessoas

O posto de Sorocaba do programa Ágora atende toda a região Sudeste do País. De janeiro a setembro conseguiram emprego apenas 22 pessoas com deficiência visual, dessas, duas são de Sorocaba.

A psicóloga Flávia Silva Viana que ministra a oficina de empregabilidade na Associação Sorocabana de Atividades para Deficientes Visuais (Asac) lamenta que as portas das empresas ainda estejam fechadas para quem tem problemas nos olhos.

 

Em sua opinião, é um preconceito, pois muitos empresários nem sabem como seria contratar um funcionário com esse tipo de deficiência. “A gente entra em contato com as empresas, muitas falam que vão retornar, mas não o fazem. A gente tenta agendar uma reunião para poder explicar, mas não consegue. É um descaso por parte das empresas, de compreenderem que essas pessoas são mais do que a deficiência, elas estudam, fazem faculdade, são ativas, estão em busca do sonho delas”, afirma Flávia.

Invisíveis para o mercado

A Asac oferece cursos para capacitação profissional de pessoas com deficiência visual. Crédito da foto: Adival B. Pinto / Arquivo JCS

 

A Asac oferece aos atendidos diversos cursos para capacitação profissional. “Mas não vemos o mercado se abrindo para eles”, lamenta. Geralmente, diz ela, as empresas optam por pessoas com outras deficiências como auditiva ou cadeirante provavelmente por acreditarem que teriam de adaptar seu espaço físico, colocar piso tátil e não é necessário nada disso. “O deficiente visual consegue se adaptar aos ambientes”, afirma.

Fundada há 50 anos, a Asac sempre deu suporte para o mercado de trabalho, diz Flávia, mas era um serviço diferente do Ágora. “Recebíamos pedido de currículo por parte das empresas e encaminhávamos”, lembra.

No final de 2017, com o início do Ágora no Brasil, a Asac começou a se preparar para um contato mais direto com as empresas, visando a conscientização com relação ao deficiente visual. “Nossa missão é mostrar as potencialidades dessas pessoas, também oferecemos suporte para as empresas que solicitarem adaptação. Já com relação à pessoa com deficiência, preparamos para o mercado de trabalho, damos orientação sobre posturas profissionais, seus direitos”, afirma Flávia.

Criado há 18 anos pela Fundação Once para solidariedade com pessoas cegas na América Latina (Foal), junto com a Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB) e suas afiliadas, o Ágora atua em 14 países da América Latina promovendo a inclusão profissional de pessoas com deficiência visual (cegas e baixa visão).

 

Além de servir como ponte entre empregador e empregado, o Ágora disponibiliza ainda um site com vagas de trabalho, especificamente para pessoas com deficiência visual. Ali, esse público pode receber informações sobre as vagas disponíveis e candidatar-se a elas.

Também há oportunidades de cursos de capacitação, produtos e serviços. Já as empresas interessadas na contratação de profissionais com deficiência visual também podem disponibilizar a sua vaga na plataforma. O endereço é agorabrasil.org.br. Quem quiser tirar dúvidas também pode procurar a Asac, na rua Sete de Setembro, 344, Centro. Telefones (15) 3232-2786 e 3233-1100. (Daniela Jacinto)

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