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Rio Sorocaba

Cidade tem de aprender a conviver com o rio Sorocaba

08 de Junho de 2019 às 16:31

Cidade tem de aprender a conviver com o rio Sorocaba

Com as águas limpas, muitos animais são atraídos para o leito do Sorocaba; essa mudança é apontada como uma das mais importantes pelos especialistas. Crédito da foto: Fábio Rogério

Ter o rio despoluído é uma das maiores conquistas de Sorocaba. Atualmente, 96,45% do esgoto produzido na cidade são tratados. Isso significa que ao longo de 20 anos de trabalho para recuperar o rio, o sorocabano foi assistindo a uma transformação gradual não apenas na qualidade de sua água, mas em todo o entorno, e agora precisa se adaptar. A principal mudança é que o município tem atraído para o leito do rio e suas proximidades diversas espécies de animais. Também o verde tem aumentado, com variedade de vegetação. Conforme estudiosos do meio ambiente, toda essa biodiversidade precisa ser preservada e falta para o sorocabano a consciência ambiental. Não adianta nada o poder público fazer um esforço para limpar o rio e toda hora ter alguém jogando lixo na rua ou na própria margem e contaminando-o. Essa atitude prejudica não apenas a qualidade da água do rio, como mata os peixes e animais ao redor, acabando com a natureza. A situação atual é para ser festejada, ainda mais na semana em que se comemora o Dia do Meio Ambiente (5 de junho).

Ainda de acordo com pesquisadores ligados ao meio ambiente, a cidade precisa de uma forte campanha de educação ambiental, orientando a não jogar lixo nas ruas, porque tudo vai direto para o rio. O sorocabano, reforçam especialistas, tem de entender que a natureza é um bem de todos e cabe a cada um agir com responsabilidade.

Cidade tem de aprender a conviver com o rio Sorocaba

O rio corta Sorocaba indo do extremo sul até a zona norte da cidade. Foto feita no Parque Vitória Régia. Crédito da foto: Fábio Rogério

A Prefeitura e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) dizem que mantêm um trabalho intensivo de conscientização da população. Isso é feito por meio de divulgação em seus respectivos sites e enviando informações para a imprensa, todos os meses, sobre a importância da colaboração das pessoas com o meio ambiente. A cidade também investe no Centro de Educação Ambiental do Rio Sorocaba, o CEA-Rio Sorocaba, que busca sensibilizar a população em relação à importância do rio para a cidade, realizando ações educativas. Dentre elas pode-se citar o Tour do Rio, em comemoração do Dia do Rio Sorocaba, as expedições pelo Rio Sorocaba, e os plantios de recuperação nas margens em perímetro urbano. O espaço fica na avenida Dom Aguirre, 140, em frente ao Poupatempo.

Três toneladas de lixo por dia

No entanto, as campanhas não estão surtindo efeito. Em média, o Saae retira cerca de três toneladas diárias de lixo do esgoto bruto, entre o processo de gradeamento e desarenação (retirada de areia), isso de todas as estações de tratamento da cidade. É comum encontrar absorventes, preservativos, pequenos brinquedos como bolas, carrinhos e bonecas, além de plásticos.

De acordo com o professor Welber Senteio Smith, doutor em engenharia ambiental e coordenador do laboratório de Ecologia Estrutural e Funcional de Ecossistemas da Unip Sorocaba, a população precisa de educação ambiental. Welber, que é também conselheiro do meio ambiente da cidade e há 26 anos faz pesquisa na bacia do rio Sorocaba, lembra que cada componente da biodiversidade pertence ao ecossistema, cumprindo funções específicas, e deve ser respeitado.

Cidade tem de aprender a conviver com o rio Sorocaba

A presença de lixo nas margens do rio Sorocaba é registrada em vários pontos de seu leito. Crédito da foto: Fábio Rogério

Além disso, existe lei para proteger a natureza. Sorocaba teve um caso de grande repercussão no que se refere a crimes ambientais. Em 2012, um jacaré-do-papo-amarelo foi morto com barra de ferro por um morador de rua. Esse tipo de atitude é passível de multa e prisão. Mas há crimes menos evidentes, que a morte não ocorre de forma imediata, mas nem por isso deixa de acontecer.

Jogar plásticos no chão tem matado animais nos rios e mares. Também tem afetado a saúde dos seres humanos. O artigo 54 da Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, dispõe sobre crimes ambientais, e afirma que quem causar poluição de qualquer natureza, em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, terá pena de reclusão de um a quatro anos, e multa.

Pior do que a prisão e a multa é que uma atitude prejudicial ao meio ambiente afeta diretamente a saúde de todos. A equipe de reportagem percorreu o rio junto com o professor Welber para fazer esta matéria e foram encontradas sacolas plásticas com lixo em vários trechos, bem às margens do rio. Já na Cachoeira dos Guimarães, parecia que ali tinha sido feito um piquenique, mas os participantes largaram todos os restos no local, incluindo muitos plásticos.

A Cachoeira dos Guimarães, afirma Welber, é o ponto final de peixes das espécies migratórias curimbatá e tabarana, que sobem o rio Sorocaba para reproduzirem ali. “Como grande parte do esgoto está sendo tratado, o maior problema é o lixo que as pessoas jogam”, lamenta.

Despoluição

O Programa de Despoluição do Rio Sorocaba teve início há cerca de 20 anos. Segundo o Sistema Autônomo de Água e Esgoto de Sorocaba (Saae), foi investido 180 milhões de reais. O programa, concluído em 2016, consiste na coleta, afastamento, bombeamento e tratamento de todo o esgoto produzido na cidade. São 50 milhões de litros de esgoto tratados diariamente.

Intervenções requerem mais cuidado

O rio Sorocaba sofre com a urbanização e seu consequente “estrangulamento”. Seu entorno tem um histórico de inundações, que ao longo dos anos vêm sendo contidas pela Prefeitura por meio de obras específicas.

As principais delas foram na avenida Dom Aguirre e na Praça Lions, locais em que foi realizada a elevação da pista e periodicamente a Prefeitura faz obras de recuperação e limpeza das margens do Sorocaba, para proteger a calha do afunilamento e evitar erosões.

O desassoramento (limpeza e remoção de areia, sedimentos ou outros detritos acumulados no rio) também contribui para evitar enchentes, mas o professor e pesquisador Welber Smith explica que isso tem de ser feito com muito cuidado, já que o rio tem vida. “Hoje o rio Sorocaba é diferente, ele apresenta uma qualidade ambiental razoável e uma biodiversidade, então qualquer intervenção pode afetar a fauna e a flora, tem de ser feito com muito critério, acompanhada por técnicos, senão descaracteriza.” Welber lembra que não se pode fazer intervenções em época de chuva, por causa da piracema, o período de reprodução dos peixes. Durante esse período, eles se deslocam até as nascentes dos rios para desovar.

Ainda conforme Welber, outro cuidado que precisa ser tomado é ao falar em enchente no rio. “Nós estrangulamos o rio, não tem o que fazer. Tirar banco de areia é enxugar gelo.”

Cidade tem de aprender a conviver com o rio Sorocaba

Atividades esportivas no rio promovem integração entre os moradores e a natureza. Crédito da foto: Luiz Setti /Arquivo JCS

O rio Sorocaba, diz o pesquisador Welber Smith, é um rio muito corrente, muito ativo. “Ele está construindo seu próprio caminho. É tendência mundial deixar o rio ocupar o espaço que é dele. Alemanha, Estados Unidos, França, Espanha (Madri e Barcelona) e Coreia do Sul já fizeram isso. O correto é retirar a marginal, aí sim. Nós deveríamos antecipar e seguir esse exemplo, ao invés de esperar não ter mais condições.”

Outra observação é que Sorocaba não deve seguir São Paulo e concretar a margem do rio. “Temos um rio maravilhoso, cartão postal da cidade. Devemos evitar obras desnecessárias, conter esse ritmo de urbanização.”

O projeto da marginal direita, por exemplo, Welber fala que foi bem planejado. Como exemplo do ideal a ser seguido, Welber cita o Parque Municipal Porto das Águas, localizado na avenida 15 de agosto. A ideia é que, futuramente, esse parque seja interligado com o Parque das Águas, por uma passarela. A junção desses dois locais com o Parque Linear do Rio Sorocaba e com o Jardim Botânico, formará o Parque Metropolitano de Sorocaba, que deve incluir um corredor verde do qual fará parte o espaço onde funcionou o antigo aterro sanitário do Retiro São João. “Veja o Parque das Águas, por exemplo, ora é da natureza, ora é do ser humano. A gente tem de aprender a lidar com isso, respeitar os limites, não precisamos nos impor perante a natureza, para que a natureza não tenha de se impor a nós.”

‘Ocupação urbana foi equivocada’

O professor Nobel Penteado, doutor em Biologia Vegetal e coordenador do curso de Ciências Biológicas da Uniso, reforça que a cidade cometeu um erro em relação ao rio. “A ocupação urbana foi feita equivocadamente. Com isso, o trecho urbano do rio Sorocaba foi retificado, retilinizado. Ele era cheio de curvas, mas fizeram retas para construir a marginal, só que a tendência do rio continua sendo a de serpentear, fazer curva”, diz. Por isso é que ocorrem problemas como enchentes em alguns pontos.

Nobel observa que no Parque Vitória Régia a vegetação está mais conservada e ali o Sorocaba mantém a sua característica de rio meandrante. “Se manteve natural porque na época que o bairro foi sendo formado, já havia uma legislação mais restritiva”, diz.

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Nobel Penteado: trecho urbano foi retificado para construir a marginal, mas tendência do rio continua sendo de fazer curvas. Crédito da foto: Fábio Rogério

No que se refere à biodiversidade, Nobel, que foi o primeiro vice-presidente do Comitê de Bacias Sorocaba-Médio Tietê e participou do estudo Caracterização Geo-Ambiental de Itupararanga, usado para a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Itupararanga, afirma que também há um erro. “É inviável para a cidade manter a biodiversidade no entorno do rio, no que se refere aos animais como capivaras, porque podem sair para a avenida e causar acidente”, diz.

Conforme ele, do jeito que a cidade foi ocupada, tem de ter uma gestão que não mais dá para ser 100% natural. Para Nobel, o ideal seria sim fazer desassoreamento com frequência, além de retirar das margens do rio os matos e as árvores que não são nativas, porque ajudam a encher mais o leito e empurram a água para a avenida. “Lembrando que já não está numa situação natural, então é preciso fazer o possível. Devemos tratar bem da água e ter uma arborização nativa às margens do rio. Mas não dá para fazer qualquer plantio como se fosse a mata ciliar natural, porque a vegetação irá cair na calha do rio e aumentará o assoreamento e as enchentes.”

O pequeno espaço deixado para o rio ainda pode causar outros problemas, como desbarrancar, observa o professor. Nobel mostrou que quase metade da ciclovia, na região da Usina Cultural, está sem suporte embaixo. “Quando o rio enche, a água força. Está perigoso e pode acontecer de desbarrancar com gente em cima”, diz. Questionado a respeito, o Saae informou que fará uma vistoria técnica para verificar e identificar eventuais problemas de competência da autarquia e, após a vistoria, avaliará quais medidas serão necessárias.

Ainda de acordo com Nobel, uma ação positiva que contribuiu para diminuir as enchentes foi a criação do piscinão do Parque das Águas. “É uma região que não deveria ter sido ocupada, mas isso ajudou.”

Um ponto negativo relacionado com o rio é que quem passa na marginal Dom Aguirre, perto da Usina Cultural e da estação de tratamento de esgoto do Saae, tem sentido um odor desagradável. Nobel acredita que seja devido à Estação de Tratamento de Esgoto situada na marginal. O Saae foi ouvido a respeito e confirmou que o odor tem como origem as estações elevatórias que bombeiam esgoto bruto pelo emissário. Em épocas de forte calor há uma menor dispersão do cheiro, por isso o órgão afirma que costuma dosar nas elevatórias um produto para eliminar ou minimizar a liberação desses odores. (Daniela Jacinto)

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