Novo normal
A moda no novo normal
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Chinelo, calça larga e cara limpa. O look mais popular da quarentena definitivamente está entre as melhores coisas do home office. Nos últimos seis meses, salto alto, calça jeans ou qualquer outro tipo de peça que trouxesse incômodo ocuparam o fundo do armário daqueles que começaram a trabalhar de casa. “Passou a acontecer um processo de intolerância ao desconforto. As pessoas começaram a se questionar e, nesse processo, o conforto acabou se sobrepondo à imagem em si”, conta a consultora de moda Marcia Jorge. Mas será que o moletom vai continuar em alta no futuro pós-pandemia? Tudo indica que sim.
Em abril, ainda existia muita divergência. Alguns se vestiam com a mesma roupa que usariam no escritório -- mesmo sem sair de casa --, enquanto outros nem se davam ao trabalho de tirar o pijama. Mas, conforme o tal do home office foi incorporado, o conforto passou a ser uma necessidade. “A gente se acostumou com esse modo de vestir e passou a exigir isso. Passamos a procurar sim roupas confortáveis, mas que também fossem multifuncionais. Adequadas para uma videochamada com o amigo, para o trabalho e até mesmo para exercício físico”, diz Bruna Ortega, especialista de moda e beleza da WGSN, empresa multinacional de estudos de tendências.
Foi o caso do assessor de investimentos Mateus Duca. Antes da pandemia, ele se vestia com camisa, calça e sapato social para ir ao trabalho, além de eventuais blazers. Hoje, o look é bem diferente. “Uma camiseta e calça de moletom. Nada tão sério, mas algo apresentável para possíveis conversas de vídeo. Afinal, tenho que estar alinhado”, conta ele, que fala também sobre o apoio da empresa em relação a isso. “Para as lives, eles pediram só uma camiseta preta.”
De acordo com Bruna, toda tendência surge por um comportamento de consumo, ou seja, uma demanda do consumidor. E justamente por conta dessa demanda, grandes e pequenas empresas da moda foram obrigadas a se moldar a nova realidade e investiram em linhas “Homewear” (para vestir em casa, em português).
Conforto apresentável
Mas também há uma grande aposta no setor de que o consumo volte a crescer no pós-pandemia. Crédito da foto: pixabay.com
A linha Arezzo Home, por exemplo, traz sapatos chiques e confortáveis. Já as roupas da Colcci Comfort Edition são trabalhada em tecidos leves e maleáveis. A Renner ampliou sua coleção e, além das peças previstas, criou a coleção Comfy (Conforto, em português), oferecendo conjuntos que primam pelo aconchego e estilo, com moletons, tricôs, vestidos e acessórios. “Calças sequinhas foram transformadas em jogger ou substituídas por calças de malha; vestidos com cintura marcada foram alterados, dando mais liberdade ao corpo e camisas ajustadas ganharam maior volume”, esclarece Fernanda Feijó, diretora de Estilo da Renner.
Luiza Pannunzio, criadora do Atelier que leva seu nome, conhece bem essa necessidade de reinvenção. Para não fechar suas lojas, ela trocou as peças mais justas, já conhecidas, por outras mais soltinhas. “A nossa principal característica de fazer a peça no corpo do cliente, como se fosse um alfaiate feminino, se perdeu, e a gente tem conseguido se reinventar com essas roupas confortáveis”, conta. “Eu sou aquela pessoa que pega a cortina de algodão e faz a roupa do tecido da nossa avó, é essa memória afetiva que eu busco.”
Transformação
Alguns consumidores adotaram hábitos minimalistas e as coleções estão se adaptando. Crédito da foto: pixabay.com
Transformação é palavra-chave na moda. Peças “chiques” podem virar “bregas” a depender da época. Ou, com mudanças simples, vestuários antigos passam a fazer sucesso. Como é o caso do crochê e do tricô, por exemplo. “A gente chama a moda de espiral, pois as tendências não voltam exatamente como eram. O crochê, por exemplo, volta, mas reinventado”, ensina a consultora de moda Marcia Jorge, que cita ainda a demanda dos clientes pelo minimalismo. “As pessoas admiram hoje quem sabe consumir conscientemente, quem sabe, por exemplo, usar oito looks diferentes com uma peça só.”
É nesse tipo de conteúdo que diversas blogueiras e influenciadoras estão investindo em suas redes sociais. O sucesso é tão grande quanto a mais nova febre da moda: o tie dye Basta abrir o Instagram para ser saturado com imagens de peças coloridas das mais variadas. A técnica, que ganhou fama nos anos 60 com o movimento hippie, voltou com força, especialmente durante o período do isolamento. O nome em inglês significa amarrar e tingir -- afinal, o procedimento é exatamente esse.
A técnica colorida já ganhava popularidade antes da quarentena, especialmente com a moda praia. Mas, ao surgir as linhas “comfys”, ela sofreu um processo de fusão. “Dizem que as tendências para voltarem a ser hit levam 20 anos. O tie dye rolou nos anos 60, 80, nos 2000 e agora está de volta”, explica Marcia, que alerta ainda sobre existir um ponto de saturação.
“Como é o ciclo de vida de uma tendência? Ela começa pequena, entre alguns grupos que chamamos de early adopters (primeiros adotantes), depois vira algo elitizado e então vira algo para o público, o auge da tendência. E quando algo está nisso, os outros dois primeiros grupos já estão desejando uma outra coisa. E assim surge uma próxima onda”, explica.
Higiene e proteção individual devem ditar regras
Mercado ainda não tem definição sobre os caminhos que a moda seguirá. Crédito da foto: pixabay.com
Ainda é difícil afirmar o que será do pós pandemia em tempos de tanta incerteza. Porém, algumas afirmações já podem ser feitas. A prioridade número um continuará, por um bom tempo, sendo a higiene e a proteção individual. “A questão de proteção vem não só com o caso das roupas que abraçam, que trazem a ideia de conforto. Mas também uma outra ideia de proteção, com peças que preparam a gente para situações adversas. Além de tecidos que protegem do raio UV, poluição, antiviral”, esclarece Bruna, da WGSN.
Jaquetas com proteção facial, conhecidas em lojas de esportes de aventura, serão cada vez mais comuns por trazerem tecnologias resistentes e também servirem como uma “segunda máscara”, reforçando a demanda por roupas multifuncionais e atemporais. “Toda vez que o mundo passa por um momento de crise, a gente tende a repensar o nosso consumo. Então o minimalismo também vem desse contexto”, diz Bruna.
Marco Muraro, vice-presidente comercial e marketing da Marisa, já percebe essas mudanças no comportamento do cliente. “Nas lojas, por exemplo, a cliente passou a adotar um consumo mais conservador. Elas chegam nas lojas com mais objetividade -- sabem o querem e ficam menos tempo ali”, conta ele.
A quantidade perdeu para qualidade. O consumidor passa a se preocupar com o seu consumo: a origem das coisas e a sua durabilidade. Tanto pensando no melhor para si mesmo, quanto para o planeta -- sem excessos, poluição ou desperdício. Para Luiza Pannunzio, o conforto é algo que vai além do tipo de tecido escolhido. “Ele é como faz, quem faz, de onde vem essa matéria-prima. Ele é um processo muito maior”, afirma.
É importante lembrar que somente existe a certeza sobre o sucesso de algo enquanto um certo comportamento existir. A partir do momento que o contexto econômico, cultural, político for diferente, novas demandas irão aparecer. Ou seja, quando tivermos uma certeza da vacina, por exemplo, poderemos ir para um comportamento oposto. “Para quase toda tendência, existe uma contratendência. A gente vai ver no final de 2021, começo de 2022, a volta da moda maximalista: salto alto, mangas bufantes, rosa pink. Conforme os eventos voltarem ao normal, vamos ver uma demanda por peças mais suntuosas para a gente sair de casa e se montar”, indica Bruna Ortega.
Karl Lagerfeld, criador por trás de empresas como Chanel e Fendi, costumava dizer que “calça de moletom era um sinal de fracasso”. O alemão, que morreu ano passado, talvez mudaria de opinião se tivesse vivido a pandemia. Fato é que eu estou com o meu moletom enquanto escrevo este texto. E você, que me lê, também está? (Ana Lourenço - Estadão Conteúdo)
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