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Superação

26 quilômetros em busca da fé

Repórter relata experiência de percorrer a Rota da Fé, caminho de peregrinação recém-criado em Pilar do Sul

04 de Setembro de 2021 às 00:01
Jéssica Nascimento [email protected]
Grupo encarou 6 horas de caminhada para completar o trajeto até a Igreja de São Roque.
Grupo encarou 6 horas de caminhada para completar o trajeto até a Igreja de São Roque. (Crédito: ACERVO PESSOAL)

Até onde você consegue chegar pela fé? Há pouco mais de um mês, essa era uma pergunta sem resposta e até quase sem importância para essa jovem repórter. Mas, depois de encarar uma peregrinação e caminhar por mais de 26 quilômetros embaixo de chuva por um motivo maior, não tive apenas uma resposta, mas também uma reformulação para essa pergunta. Isso porque as pessoas não buscam superar seus limites pela fé, mas sim com a fé. Foi o que aprendi em uma jornada pela saúde, pela vida e pela fé.

O dia era 17 de julho de 2021. Em uma madrugada gelada de Pilar do Sul, um grupo de amigos de infância embarcou em uma jornada. Quando todos se preparavam para colocar os pés na estrada, a chuva veio para surpreender e questionar se estávamos tomando a decisão certa. Enquanto os pingos de chuva molhavam o chão, repensei minha escolha por um segundo, mas o objetivo e a força de vontade eram maiores naquele momento. Resisti à preguiça. Foi então que além de tênis, botas, cachecóis e blusas de frio, também foi necessário vestir capas de chuva e segurar sombrinhas para superar o desafio que nos esperava.

Com uma lanterna na mão, partimos para a Rota da Fé, uma novidade em Pilar do Sul que estava motivando centenas de fiéis, independente da religião, a encarar uma caminhada de 26 quilômetros pelos extremos da cidade. Mais do que superar os próprios limites, a maior intenção era a recuperação do pai de um amigo querido, que estava internado há semanas em São Paulo por conta da Covid-19. Começamos o trajeto por volta da 1h, partindo de uma capelinha de madeira, local onde fizemos a primeira oração em grupo, pedindo para Deus abençoar, proteger e guiar aquela jornada que estava apenas começando.

Um passo atrás do outro, quase que em fila indiana, o grupo seguia em uma mesma direção. Depois de passar por estrada de terra, atravessar a rodovia e andar um longo caminho beirando o asfalto, na escuridão da noite, uma plaquinha amarela marcava a distância percorrida. Em pouco mais de uma hora de caminhada, completamos cinco quilômetros. Faltavam apenas 21. Com os pés já doloridos, ver aquele número cinco desanimou. Por alguns segundos, cheguei a pensar em desistir, afinal, que loucura era essa que estava fazendo, debaixo da chuva, no meio do nada? Mas o momento de autosabotagem passou rapidamente, principalmente depois de ler a primeira mensagem bíblica do caminho. Comemorei por estar ali. Fiz mais uma oração. Respirei fundo. E segui, junto com o grupo.

Jéssica em uma das paradas do caminho. Fé e emoção. - ACERVO PESSOAL
Jéssica em uma das paradas do caminho. Fé e emoção. (crédito: ACERVO PESSOAL)

Depois de mais alguns quilômetros, completamos um terço do trajeto a ser percorrido. E, de brinde, chegamos a primeira parada, a igreja Bom Jesus do Bom Fim. Ao lado da igreja, tinha uma salinha preparada para receber os peregrinos. Café quentinho, leite com achocolatado em pó, pão com queijo e presunto, bolos, frutas, água. Tinha comida em abundância, preparada com carinho para todos que passassem por ali. Um lanche nunca foi tão revigorante. Nessa hora, as dores pelo corpo já começaram a aparecer e os pés já incomodavam durante o caminhar. Foi preciso mudar a pisada por diversas vezes para que a bota de trekking, que já estava toda encharcada, ficasse um pouco menos desconfortável. Mas aquele leite quentinho renovou as energias. O incentivo dos voluntários que cuidavam do café também contribuiu para nos animar a retomar a rota.

Segui, mais uma vez, junto com a turma. E em meio a asfalto, estrada de terra, barro, chuva, pedras e muita natureza ao redor, encarei descidas escorregadias e subidas extremamente íngremes, daquelas que precisamos firmar bem os pés no chão para segurar o peso do corpo. E olha que meu corpo não estava na melhor forma, nem os meus pés. Os quilos a mais e o longo período de sedentarismo pesaram, e como pesaram durante o trajeto. Os pés, sem dúvidas, foram os que mais sofreram. Por muitos momentos, fiquei para trás. Não porque fui esquecida ou por não me esperarem, mas porque foi preciso respeitar os meus limites. Em um momento, quase não sentia as pernas. Mas, respirando fundo, consegui vencer a pior subida e chegar na segunda parada. E depois de um analgésico, alguns goles de água e uma barrinha de cereal, segui em frente.

Os pés já não eram mais os mesmos. E isso dava para perceber só de observar o caminhar, que estava pesado e estranho. Já passava das 4h e ainda faltava um terço do caminho para ser percorrido. Mas todo o sofrimento e o cansaço não tomavam conta do grupo, que manteve o sorriso no rosto, a esperança e as orações em cada passo. Afinal, um dos peregrinos completava mais um ano de vida naquela data. E para comemorar, em vários momentos cantamos parabéns. As músicas religiosas também marcavam a caminhada, as vozes ecoavam na noite escura e tocavam profundamente meu coração. Lembro bem da emoção que sentia ao ouvir a letra: “e ainda se vier noites traiçoeiras, se a cruz pesada for, Cristo estará contigo. O mundo pode até fazer você chorar, mas Deus te quer sorrindo”. Os olhos rapidamente ficavam aguados, como agora, enquanto relato essa experiência.

Em muitos momentos, foi difícil conter o choro, principalmente ao ver o sol nascendo enquanto passava por uma estrada de terra rodeada por eucaliptos bem altos. As lágrimas escorriam pelo rosto e invadiam a máscara, na medida em que o dia clareava lentamente. Nesse momento, fechei os olhos, respirei fundo, orei, agradeci mais uma vez por estar ali, viva e com saúde. Desacelerei o ritmo por um instante, que já não estava acelerado como no início, e senti a brisa do vento batendo no rosto, me levando adiante. A dor nos pés, que latejava, passou por um instante. Senti que Deus estava ao meu lado, enquanto meu companheiro segurava a minha mão e dizia estar junto comigo.

E quando as plaquinhas amarelas mostravam que faltavam poucos quilômetros para chegar a última igreja, nos deparamos com mais uma surpresa pelo caminho. A água da chuva tomou parte da estrada, e para não atolar o pé foi preciso desviar por um barranco. Mas essa nem foi a pior parte. Uma ladeira coberta de barro foi o ápice. Carros de apoio encalhando, ônibus voltando e sapatos deslizando. E muitos pensaram que o pior já tinha passado. O medo de escorregar era grande. Passo por passo, descemos, bem devagar. Mas, depois da descida, veio a subida, de onde já era possível avistar o local onde a missa seria celebrada. Foi sofrido, os pés calejados já não ajudavam a manter o equilíbrio em meio ao barro escorregadio. Mas, um estendendo a mão para o outro, chegamos. Vencemos os 26 quilômetros depois de mais de seis horas de caminhada, com direito a certificado, bolhas nos pés e muitas fotos para guardar de recordação.

E o nosso propósito foi cumprido. Momentos depois da chegada à igreja de São Roque, a primeira construída em Pilar do Sul, recebemos uma notícia. Não era a que esperávamos receber quando iniciamos a trajetória. Mas, como dizem, Deus sabe o que é melhor para cada um. E para o pai do nosso amigo, naquele momento, era a libertação. Depois de muita luta, ele descansou. Lembro bem, que em nossa oração inicial, lá na capelinha, uma das peregrinas pediu que Deus desse a cura para o pai do nosso amigo. E foi isso que ele fez, não como esperávamos, mas da forma como deveria ser.

Rota é inspirada no caminho de Santiago

A rota será feita uma vez por mês. - ACERVO PESSOAL
A rota será feita uma vez por mês. (crédito: ACERVO PESSOAL)

Inspirada no caminho de Santiago de Compostela, uma peregrinação da Espanha onde os fiéis percorrem uma distância de quase mil quilômetros, a Rota da Fé foi criada em Pilar do Sul para que os fiéis também possam vivenciar a peregrinação na cidade. É o que conta o padre Elias Soares Júnior, pároco de Bom Jesus do Bom Fim e reitor do Santuário Diocesano de São Roque. Organizada pela Irmandade de São Roque, a Rota da Fé movimentou tantos peregrinos no mês passado que passou a ser realizada durante o ano inteiro, uma vez ao mês.

Só na primeira edição, realizada aos sábados de julho, mais de 2 mil peregrinos completaram o trajeto, seja caminhando, de bicicleta ou a cavalo. “Acreditávamos que seria um número muito pequeno de fiéis, mas na primeira semana já fomos surpreendidos com a quantidade de participantes”, destaca Padre Elias. Ao todo, são 26 quilômetros de distância, entre o início do trajeto, que começa no terreno onde será construído o Santuário Diocesano de São Roque, até o destino final, a Igreja de São Roque, que fica na zona rural de Pilar do Sul. Ao longo do percurso, os fiéis também passam pelas igrejas Bom Jesus do Bom Fim e Santa Cruz.

Durante o caminho, os peregrinos contam com cinco pontos de apoio, sendo dois deles com banheiro, água e alimentos, oferecidos gratuitamente aos fiéis. Grupos de apoio também circulam o caminho durante a madrugada para auxiliar os participantes. Pela rota, os participantes são guiados por plaquinhas que indicam a direção e a distância percorrida e também por totens com mensagens bíblicas. E ao completar os 26 quilômetros, os fiéis são recepcionados com café da manhã, missa, atendimento para confissões e um certificado. (Jéssica Nascimento)

 

Grupo reunido em um dos pontos de apoio do trajeto. - ACERVO PESSOAL
Grupo reunido em um dos pontos de apoio do trajeto. (crédito: ACERVO PESSOAL)

“Foi uma forma de agradecimento, pois Deus cuidou e cuida de mim, da minha família e dos meus amigos. Agradeci pela proteção e amparo nos dias difíceis, de angústia e medo. Nos detalhes Ele se fez presente, na chuva, na escuridão, o que mostra que por mais difícil que seja a caminhada, se nossa fé estiver firmada, temos a certeza da chegada. Dessa forma, chegaremos mais fortalecidos e ainda conseguiremos apreciar a caminhada. Caminhar ao lado de amigos de tantos anos mostra que bons e verdadeiros sentimentos nos dão a segurança de que nunca ficaremos sozinhos nessa vida” - Mariana Queiroz

“Além do nosso propósito, também fui para me desafiar e acreditar que somos capazes. Muitas vezes desacreditamos do nosso potencial, mas Deus sempre está ao nosso lado nos dando força. Por mais que o caminho seja árduo e difícil, chegaremos lá. Os 26km não foram fáceis, não havia me preparado fisicamente para uma atividade tão exaustiva assim. Contamos com chuva durante todo o trajeto, isso fez com que dificultasse ainda mais, a escuridão, o barro, mas a fé nos conduzia a prosseguir. Durante o trajeto, muitas vezes em orações e com músicas religiosas, me senti amparada sob as mãos de Deus” - Vitória Barros

“Acreditar que era possível fez com que minha mente criasse uma meta de que iria conseguir e, com isso, se tornou menos cansativo e mais prazeroso a conclusão do percurso. E o fato de caminhar, mesmo que durante a madrugada, me fez ver a beleza que o mundo tem. Poder conversar com Deus naquela madrugada fria e chuvosa me trouxe uma verdadeira paz e conforto dentro do meu coração. Deus está comigo em todos os momentos e, mesmo diante as minhas fraquezas e limitações, Ele sempre me surpreende. Devo agradecer mais pelo que tenho e reclamar menos. A minha fé em Deus me fez concluir um obstáculo de 26 km de caminhada que francamente não pensaria conseguir um dia” - Victória Borgatto

“Foi uma forma de estar com meus amigos no dia do meu aniversário. Independente da religião, eu senti a força de Deus, me senti próxima, conversei com Ele. Foi um momento muito marcante e significativo. Nunca tinha feito isso antes, me senti muito feliz, foi uma superação mesmo. Eu não sabia se realmente iria aguentar, mas no fim deu tudo certo. Teve vários momentos emocionantes, como quando começou a amanhecer e a gente estava perto da chegada. A vista era linda, foi incrível, como se fosse uma recompensa. Passei a enxergar o quanto Deus é maravilhoso. Temos que agradecer as coisas simples da vida” - Rhaquel Verdugo Pascoal

“Para mim valeu muito a pena. Ir embaixo de chuva tornou o percurso muito mais desafiador, aumentou mais a nossa dificuldade e também a nossa fé. Mas a nossa força de vontade de cumprir a caminhada não se limitou aos desafios que a chuva nos proporcionou. Eu faria de novo” - Sabrina B. Corrêa Rossi

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