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Carreira, modernidade e autoconhecimento

Leandro Karnal fala sobre a busca por qualidade de vida também no mercado de trabalho

17 de Julho de 2021 às 00:01
Da Redação com Estadão Conteúdo [email protected]
(Crédito: PIXABAY.COM)

No último ano de pandemia e isolamento social é bem provável que você tenha ouvido por aí sobre a importância de se autoconhecer. Para muito além de um tema constante em sessões de terapia, o autoconhecimento é visto por especialistas como uma das primeiras ferramentas para construir uma carreira profissional.

Estratégia, plano de carreira, branding pessoal, recolocação no mercado, pivotagem e mudança de profissão, empreendedorismo: tudo passa, primeiro, pelo autoconhecimento. Quem sou eu? O que eu quero ser? O que eu quero fazer da vida? O que eu não quero fazer? Onde quero chegar? Do que eu gosto? O que me irrita?

O exercício do autoconhecimento deve ser contínuo respeitando as particularidades de cada época da vida. - DIVULGAÇÃO
O exercício do autoconhecimento deve ser contínuo respeitando as particularidades de cada época da vida. (crédito: DIVULGAÇÃO)

“Tudo isso é um processo de autoconhecimento. Se você iniciar o autoconhecimento pessoal, ele vai afetar o profissional, não há ninguém que seja sábio em apenas um campo”, explica Leandro Karnal, historiador e professor, que participou do bate papo com integrantes do grupo Estadão Carreira e Empreendedorismo no Telegram.

O professor respondeu a perguntas sobre autoconhecimento, zona de conforto, colegas de trabalho difíceis, liderança e muito mais. Confira alguns trechos das respostas do professor.

Qual a diferença entre o autoconhecimento pessoal e o profissional? Em que momento um se sobrepõe ao outro?

Todo o autoconhecimento, que é a base da filosofia, a primeira questão socrática, “Conhece a ti mesmo”, é um progresso, mas nós temos diferentes habilidades, nós temos habilidades distintas no campo pessoal. Há pessoas, por exemplo, que são excelentes profissionais e são maus maridos ou más esposas, maus namorados, más namoradas. Isso é possível, mas todo o processo de autoconhecimento faz avançar. Por exemplo, o que me irrita? O que me agrada? Quais são os pontos em que eu chego ao meu limite? Quais são as minhas possibilidades físicas, os meus limites físicos, meus limites psíquicos? Tudo isso é um processo de autoconhecimento. Se você iniciar o autoconhecimento pessoal, ele vai afetar o profissional, não há ninguém que seja sábio em apenas um campo.

O que fazer quando a empresa em que você trabalha se torna tóxica e começa a afetar a sua saúde? Dá para mudar sua empresa sem ter que se mudar dela? Como?

Essa é sempre uma pergunta muito complexa. Por exemplo, eu já trabalhei em escolas quando jovem, muito difíceis, muito agressivas em situações que eu diria até humilhantes, mas eu precisava daquele dinheiro. Na minha vida, especialmente no início da carreira, que eu não podia escolher, a escola podia me agredir, podia me humilhar, os alunos podiam ser agressivos, mas eu tinha que comer, pagar aluguel, eu tinha que pegar o ônibus. Então, às vezes, o imperativo das suas necessidades se sobrepõe a isso.

Então, aí é tentar diminuir os danos. Há empresas que realmente talvez seja melhor você atrasar o aluguel e não trabalhar nelas, você não comer o que quer e não trabalhar nelas, mas nós não temos sempre escolha Então, eu tenho que negociar com o real.

Quando eu estava em um lugar muito ruim, eu tentava me adaptar, melhorar alguns pontos, tentava diminuir aquele incômodo que uma empresa tóxica produz, mas por vez a gente tem que aceitar que tem um chefe. Eu tive chefe, estou pensando agora mentalmente num aqui em São Paulo, que nós, carinhosamente, apelidamos de “o louco”, não só eu, como os outros professores também. Então, o que se faz com ‘o louco‘? Primeiro, não deixar se contaminar pela insanidade dele ou dela. Segundo, fazer exercício de desintoxicação ao sair do trabalho, meditação, relaxamento, aquilo que você tiver à mão e imediatamente imaginar que você tem que procurar outra empresa.

É uma experiência, mas claro que eu estou falando de coisas que não envolvem, por exemplo, assédio sexual e violência física, aí não tenho que negociar, aí tem que sair imediatamente e denunciar imediatamente.

Você acredita que é possível encontrar felicidade no trabalho? Acredita que, em alguns casos, são as pessoas que tornam os locais de trabalho insuportáveis?

A questão é muito interessante. Primeiro, a pergunta seria: é possível encontrar felicidade? Porque quem consegue responder a isso consegue responder no trabalho, na família e assim por diante. Se vocês consideram felicidade um estado paradisíaco, um Nirvana, algo que, uma vez atingido está conquistado, eu diria, não, não é possível encontrá-la nem no trabalho e nem na família, e nem sozinho. Mas, se você considera felicidade um evento perfectível, ou seja, possível de ser aperfeiçoado, e um caminho de crescimento para um bem-estar, aí você segue o conselho do professor Shawn Achor, de Harvard, que diz que felicidade não é o prêmio, mas é o caminho para conseguir o prêmio, ou seja, você não será feliz quando for o chefe, o coordenador geral, o CEO de uma empresa. Você tem que ser feliz para crescer na hierarquia de uma empresa, tem que ser feliz para construir um bom casamento, você tem que ser feliz para construir um bom namoro.

Como lidar com colegas de trabalho difíceis?

Eu acho que eu nunca trabalhei na minha vida sem ter algumas pessoas difíceis. Eu fico feliz quando é um colega e não um chefe, que é mais fácil lidar numa relação horizontal do que vertical. A primeira coisa que eu sempre pensei no meu crescimento profissional é se os meus colegas não estavam em algum grupo perguntando como lidar comigo também, ou seja, que você pode ser também a pessoa difícil.

Há pessoas mais fáceis e há pessoas mais difíceis. Aprender a negociar com diferentes timings, diferentes percepções de tom de voz, diferentes percepções de gentileza, educação e trato com os outros é um grande desafio de vida. Agora, quando se torna insuportável, fala-se com a pessoa e, quando se torna impossível conviver, fala-se com o RH. As pessoas difíceis, às vezes, precisam de um toque afetivo e outras precisam de uma chamada formal advertida pelo chefe. Então, tem que aprender a lidar com isso.

Há pessoas difíceis na sua família, porque há na minha família, há na família de todo mundo. Então, como é que a gente lida com aquela pessoa difícil na festa de Natal? Senta longe dela, evita contrariar, sorri e se afasta imediatamente. Quando possível, essa é uma boa solução. Se não for o chefe, é um pouquinho mais fácil.

Como as lideranças podem ajudar seus liderados a se conhecer melhor e como podem personalizar a gestão de acordo com o que motiva cada membro?

Uma das grandes habilidades de qualquer pessoa que exerce qualquer função, desde um pai até um professor, de um chefe até um político, é saber que as pessoas são diferentes, as pessoas reagem de forma distinta e que as pessoas não podem ser tratadas em conjunto.

Como identificar que estou em uma zona de conforto ou que tenho dificuldade para sair dela? É sempre prejudicial ficar na zona de conforto?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares, né? Zona de conforto é o seu pior inimigo. Tudo aquilo que te deixa quentinho e acomodado, não exige o melhor e vai produzir um efeito negativo no seu crescimento. Então, qual é o equilíbrio entre o que me desafia e aquilo que me deixa totalmente confortável?

A primeira pergunta a se fazer é: nos últimos seis meses você enfrentou novas habilidades e aprendizados? Nos últimos seis meses, você, naquela função e daquela forma, conseguiu aprender algo? Foi desafiada em qualquer forma, em qualquer habilidade? Se a resposta for não, você está em uma zona de conforto. Ela é o apogeu de qualquer trabalho, de qualquer casamento, mas ela também é o início do declínio, porque ela é uma solidificação, uma calcificação ou, em outras palavras, um enrijecimento das suas habilidades.

Existe diferença entre o processo de autoconhecimento para o adulto e para o adolescente? Que dicas você daria?

Essa pergunta é essencial, porque nós aprendemos sempre todos os dias, mas há um momento em que existe conhecimento sobre estruturas já definidas. Na adolescência existe a descoberta de caminhos. O adolescente tem dificuldade em se perceber dentro de um sistema, ele se acha sempre centralizado e, por isso, para ele, as coisas são todas autorreferentes. Fizeram isso porque eu sou assim. Falaram isso pra me atingir. Fizeram isso para mim. Porque exatamente ele é muito autorreferente.

O processo de crescimento que todos passamos é perder essa autorreferência, ou seja, que não está chovendo porque eu estou atrasado, que esse é um jogo de massas de ar que não tem nada a ver com o meu atraso, que a pessoa está gritando, mas não é exatamente para mim aquilo, mas é, na verdade, algo que pertence a ela, como um processo dela.

Então, o processo de conhecimento na adolescência, ele é mais instável, porque o humor ainda não enfrentou desafios muito grandes. Na média, existe uma magnificação, um aumento dos problemas na adolescência, porque eu não estou lidando com outros problemas. E depois, as novidades, né? Ah, levei um fora na adolescência, estou arrasado. Depois que a gente, na minha idade, levou dez foras, quinze foras, trinta foras, aquele mais um incomoda, mas já é uma ferida sobre uma pele calejada.

Uma das coisas boas do envelhecimento ou da maturidade, se a gente preferir um eufemismo, é que a gente vai dar perspectiva às coisas. Então, funciona como uma criança. A criança, por exemplo, dá uma batida no pé e chora com desespero. Depois que você tem um cálculo renal, essa dor entra em perspectiva, né? Uma mulher que tem um parto natural, que é um grau normal de dor muito elevado, vai considerar que aquela queimadura na cozinha não é nada.

A vida amplia horizontes. Por isso, tem que ser compreensivo, porque na adolescência esses horizontes são novos, as experiências são novas e funcionam sempre com uma intensidade muito grande, para a qual eu não tenho defesa racional. Hoje, quando alguém me diz aquilo que aos 16 anos me desconstruía, alguém me diz “nossa, eu odeio você”, eu penso assim, “ah, você tem razão. Por vez, eu também me odeio. Muita gente me odeia”, e a gente vai continuar existindo. Mas, aos 16 anos, um “eu odeio você” me pega profundamente. Então, não é que a gente melhore, é que a gente cria perspectiva. São processos distintos. Eu hoje só sou mais maduro do que eu era, porque eu já fui muito imaturo Então, tem que ter muita paciência. Lidar com jovens é um exercício. de muita paciência. (Da Redação com Estadão Conteúdo)

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