São obras do Aleijadinho!
Profetas esculpidos em pedra sabão são obras de Antônio Francisco Lisboa
Você deve ter lido o título desta coluna e ficado indignado. Se não ficou... deveria! Nós temos um dos maiores e mais completos artistas do mundo. Reconhecido por seu talento como escultor, entalhador e arquiteto, Antônio Francisco Lisboa, ilustre cidadão da antiga Vila Rica - atual cidade mineira de Ouro Preto, é o maior nome do Barroco brasileiro e um dos maiores do mundo!
Filho de um arquiteto português com uma escrava africana, “Antônio” é o exemplo típico da miscigenação que moldou o povo brasileiro. Por sua genialidade e talento, se tornou referência da arte sacra.
Se você ainda não ligou o “nome à pessoa”, este é o artista mineiro que aprendemos, na escola, a reconhecer como “Aleijadinho”. Durante boa parte de sua vida o artista foi uma pessoa sem deficiência. Já com idade avançada, desenvolveu uma doença degenerativa que levou à amputação e atrofia dos membros, tendo que amarrar as ferramentas ao coto para trabalhar.
Em todo o mundo, são muitos os artistas talentosos: Vincent Van Gogh, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Salvador Dalí... apenas pra citar alguns. O que eles têm em comum? São conhecidos por seus nomes! Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, ficou rotulado pela sua “condição física”.
Ele morreu em 1814, portanto, mais de dois séculos se passaram e ainda nos referimos a ele da mesma maneira. Hoje, certamente não aceitaríamos esta nomenclatura. Mas ajustar apenas o “termo” basta? Precisamos mudar nossa atitude!
Veja a Lei de Cotas. Ela existe, mas o poder público não fiscaliza nem pune como deveria. As empresas focam na “deficiência” querem apenas preencher um número e se esquecem de focar na capacitação do candidato, só disponibilizando para os trabalhadores com deficiência as vagas de baixa qualificação. Quem disse que currículo precisa vir com “deficiência”? Indigne-se!
O teto para compra de veículos com isenção está fixado em R$ 70 mil há mais de uma década, como se não existisse inflação no país, como se isto fosse um ‘benefício’ e não uma ‘compensação’. Se o Estado não consegue oferecer transporte público adequado para a pessoa com deficiência, ele também não pode cobrar todos os impostos. Essa limitação de preço marginaliza a venda de veículos para PcD. Quer comprar um carro com itens de segurança e tecnologia de ponta sem pagar imposto por um serviço que o Estado não presta? Hoje você não pode. Indigne-se!
É normal uma criança com deficiência não ter educação inclusiva plena, ou nem mesmo poder brincar no intervalo das aulas com os demais alunos por que a escola não está preparada? Não é normal... Indigne-se!
A sociedade só evolui quando aprende a lidar com as diferenças. Imagine, nos dias de hoje, uma loja onde um cliente negro tivesse que entrar pela porta dos fundos. Isso ria “quebrar” a internet! Mas por que aceitamos que isso seja normal para um cadeirante, por exemplo? Só porque existe uma escada ali?! Não importam as desculpas... Indigne-se!
Num capítulo triste e vergonhoso da história - o período da escravidão, eram muitos os argumentos para a segregação racial e as pessoas também achavam isso “normal”. Afinal, existiam os tais “motivos” que a justificavam.
Só vamos de fato avançar, quando deixarmos de lado as desculpas e pararmos de aceitar como normal aquilo que é absurdo. Hoje, certamente o artista não receberia mais o apelido de Aleijadinho. Porém, continuaria entrando pela porta lateral! (Denis Deli - Jornalista e palestrante, especializado na inclusão da pessoa com deficiência)