Buscar no Cruzeiro

Buscar

Inclusão

A dança dos números de PcDs

Afinal, quantas pessoas com deficiência realmente existem no Brasil?

02 de Junho de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: DIVULGAÇÃO)

Essa pode parecer uma resposta simples, já que existe um número divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que é considerado “oficial” entre as pessoas que militam no setor: 24% da população brasileira tem algum tipo de deficiência.

Em números absolutos, considerando a população atual de cerca de 210 milhões de habitantes, chegamos ao total aproximado de 50 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência.

De acordo com esses números, se você olhar para o lado verá que uma a cada quatro pessoas tem algum tipo de deficiência. Mas isso acontece na prática? Provavelmente não. E existem alguns fatores que explicam essa distorção.

Um dos principais motivos que ainda causam a “invisibilidade” da pessoa com deficiência é a falta de acessibilidade e ações inclusivas. O mundo não é gentil para as pessoas com deficiência física, auditiva, visual ou intelectual.

Falta acessibilidade no transporte público; nas escolas; nas áreas de lazer, cultura e entretenimento; no acesso ao mercado de trabalho; e em qualquer outra prática social (comum à pessoa sem deficiência) que você puder imaginar.

Então sim: a falta de oportunidades e de inclusão plena são fatores importantes para que os números não reflitam a realidade do seu dia a dia. Mas não é só isso.

Se observarmos as estatísticas de diversos países do mundo, veremos que o percentual de pessoas com deficiência fica entre 10% e 15%. Como o mundo tem cerca de metade do número de PcDs? Somos o país do planeta com a maior incidência de deficiências? A resposta é não.

A questão é que os parâmetros estatísticos utilizados na maioria dos países são diferentes do nosso. Eles seguem o padrão recomendado pelo Grupo de Washington para estatísticas sobre deficiência, que é vinculado à Comissão de Estatística da ONU.

A população mundial tem aproximadamente 7,8 bilhões de pessoas e estima-se que cerca de 1 bilhão de pessoas tenha algum tipo de deficiência. Se fôssemos aplicar o padrão brasileiro, teríamos algo perto de 1,8 bilhão de PcDs no mundo.

A chave para essa questão está nas perguntas que são feitas durante o Censo. No Brasil, o questionário tenta descobrir apenas se existe alguém com algum tipo de deficiência numa determinada casa. E isso é muito vago. Pessoas que utilizam óculos com um grau maior, talvez digam que tenham deficiência visual (o que não é mentira, mas está longe de ser um fator de limitação para interação social e inclusiva).

Se pegarmos o Censo Demográfico (IBGE, 2010) e analisarmos apenas as pessoas que disseram ter “grande dificuldade” ou que “não consegue de modo algum‘ enxergar (deficiência visual), ouvir (deficiência auditiva) ou se locomover (deficiência física/motora), além daquelas que declararam ter deficiência mental ou intelectual (desconsiderando, as pessoas que declararam possuir “alguma dificuldade”) vamos chegar ao número de 8,3% de pessoas com deficiência, ou seja 17,4 milhões.

Este percentual equivale a um terço do número que é normalmente divulgado!

Veja, de maneira detalhada e divida por deficiência, como ficam os números de acordo com as recomendações do Grupo de Washington:

1º Visual
Pessoas Cegas (0,3%) - 630 mil
Grande Dificuldade (3,2%) - 6.720 mi

2º Física (motora)
Não conseguem caminhar ou subir escadas de modo algum (0,4%) - 840 mil
Grande Dificuldade (1,9%) -3.990 mi

3º Auditiva
Pessoas surdas (0,2%) - 420 mil
Grande Dificuldade (0,9%) -1.890 mi

4º Intelectual
Declarada por 2.940 milhões
Equivalente a 1,4% da população

Diante destes números, talvez você esteja se perguntando: qual é a maneira correta de mensurar o número de pessoas com deficiência no Brasil?

Não existe um consenso entre as lideranças do setor, mas quem apoia a mudança diz que os números reduzidos vão ajudar na criação de políticas públicas mais assertivas e, de fato, capazes de criar ações inclusiva para quem mais precisa, impedindo que pessoas com limitações moderadas peguem carona nestas ações.

Já as lideranças que são contra a mudança, argumentam que “classificar” as pessoas por grau de deficiência é apenas mais uma forma de discriminação, já que a limitação é relativa ao indivíduo.

Mas uma coisa é fato: aqueles que declararam “ter alguma dificuldade” vão “se virando”, enquanto esperam uma nova realidade. Já as pessoas com deficiência “com grande dificuldade” ou que “não conseguem de modo algum” realizar tarefas simples do dia a dia precisam de ações inclusivas URGENTES. Estas não podem esperar!

O STF determinou, através de liminar, que o Brasil adote providências para a realização de um novo Censo Demográfico em 20212. Será que teremos mudanças?

Denis Deli é jornalista, especializado na inclusão da pessoa com deficiência.