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Acessibilidade

Turismo acessível: enorme deserto

Afetado pela pandemia, turismo teve de mudar pra sobreviver. Não seria hora de se reinventar?

05 de Maio de 2021 às 00:47
Cruzeiro do Sul [email protected]
Torre de Belém, em Lisboa: acessibilidade a todos
Torre de Belém, em Lisboa: acessibilidade a todos (Crédito: DIVULGAÇÃO)

A pandemia de Covid assolou o mundo e trouxe uma série de problemas para diversas atividades econômicas. Uma das mais afetadas foi o turismo, que por meses viu seus índices de operação caírem para zero e viveu um dos piores momentos de sua história.

Porém, para os brasileiros com deficiência já não havia muito o que comemorar neste setor, mesmo antes da pandemia. Um levantamento feito por um dos maiores militantes desta causa no País, o advogado e cadeirante Geraldo Nogueira, já apontava os problemas do setor e fazia alertas importantes.

Vale destacar que este cenário já existia antes do Covid-19 e do atual governo. O que nos leva à seguinte reflexão: o problema é crônico e parece não atrair a atenção de quem poderia resolver.

Se os desafios para o turismo convencional no pós-Covid são enormes, imaginem o quanto precisamos evoluir para criar, de fato, a cultura do turismo acessível. Um bom começo é seguir os exemplos que já existem.

Portugal sonha em ser o destino turístico mais acessível do mundo. Em 2019 (última temporada de turismo antes da pandemia) o Governo Português destinou 1,7 milhões de euros para tirar as ideias do papel e transformá-las em acessibilidade para quem tem mobilidade reduzida.

Num acordo inédito, assinado com empresas públicas e privadas do setor, os portugueses esperavam que os investimentos chegassem a 2,1 milhões de euros, para transformar vários dos atrativos turísticos em locais acessíveis às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.

Segundo a Secretaria de Estado da Inclusão de Portugal, só na Europa existem cerca de 90 milhões de turistas com algum tipo de necessidade específica de mobilidade. Isso é mercado de consumo e as cidades com vocação para o turismo que não fizerem essa aposta vão perder essa clientela que consome e tem alta taxa de retorno.

Enquanto isso, o Brasil, país com enorme potencial turístico, sangra pela falta de investimentos no setor, até mesmo por falta de um programa que incentive o turismo interno e externo. Então, se falta o básico, é natural que não se pense em impulsionar o turismo acessível.

Cidades como o Rio de Janeiro -- e tantas outras, vítimas da violência -- sucumbem diante dos destinos estrangeiros, causando visível ausência de investimento privado e consequente crescimento do desemprego e miséria.

Em ambientes como esse o impacto é sentido primeiramente pelas redes de sustentação do turismo (hotéis, transportes e restaurantes), depois pela população local que perde seus postos de trabalho e sua capacidade de geração de renda.

Em seguida, são os cofres públicos que deixam de arrecadar. Uma espécie de roda da tortura que vai esmagando investimentos, pessoas e locais, até que surja o deserto do turismo.

Diante dessa realidade, o Brasil, que ainda não colocou em prática um programa de políticas públicas para as pessoas com deficiência, não poderia pensar num programa de incentivo ao turismo acessível.

Aliás, um país que permite a produção de portas para banheiro com largura de 60 cm está longe de se tornar acessível ou de construir sobre os parâmetros do desenho universal.

A realidade nua e crua é a de que somos um País em desenvolvimento, mergulhado na violência, na corrupção e na ignorância do que seja coletivo, igualitário e solidário. Um grande país à espera do crescimento educacional de seu povo!

Como porta de saída, o turismo pode ajudar a vencer a crise, mas é preciso conscientização sobre sua importância econômica e social. Em 2050, um em cada três brasileiros será idoso. Num período de oito décadas, a expectativa de vida saltou dos 45 para os 75 anos.

No Brasil, cerca de 45 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, o equivalente a 23,9% de toda a população. Portanto, incentivar o turismo acessível é uma forma inteligente de garantir esse novo mercado. Temos que preparar nossa oferta de turismo para o público que necessita de acessibilidade, um segmento que cresce, viaja e gasta mais!

Colaborou com este artigo: Geraldo Nogueira, paraplégico, advogado e militante da causa da pessoa com deficiência.

Denis Deli é jornalista, especializado em inclusão da pessoa com deficiência