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Saúde

A ideia é medicar, mas sem ‘chapar’

Pesquisador brasileiro estuda planta parecida com a cannabis e gera esperança para novos tratamentos

04 de Julho de 2023 às 23:01
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Os frutos e flores da erva contêm canabidiol (CBD), que tem se mostrado promissor no tratamento de várias doenças, mas não o tetrahidrocanabinol (THC),  ingrediente psicoativo da maconha
Os frutos e flores da erva contêm canabidiol (CBD), que tem se mostrado promissor no tratamento de várias doenças, mas não o tetrahidrocanabinol (THC), ingrediente psicoativo da maconha (Crédito: CARL DE SOUZA / AFP)

Em um discreto laboratório em um campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o biólogo molecular Rodrigo Moura Neto realiza experimentos com uma planta de aparência comum que guarda um segredo.

A espécie Trema micrantha Blume, de crescimento rápido, é nativa das Américas, onde é amplamente encontrada e frequentemente considerada uma erva daninha.

No entanto, Moura Neto descobriu recentemente que seus frutos e flores contêm um dos ingredientes ativos da maconha: o canabidiol, ou CBD, que tem se mostrado promissor no tratamento de condições como epilepsia, autismo, ansiedade e dores crônicas.

O pesquisador também descobriu que a planta não contém o ingrediente psicoativo da maconha, o tetrahidrocanabinol, ou THC.

Isso abre a possibilidade de uma revolução: ter uma nova e abundante fonte de CBD, sem as complicações do uso de cannabis, que é ilegal em muitos países.

A descoberta transformou Moura Neto em uma espécie de estrela acadêmica, um homem afável de 66 anos, com cabelos grisalhos, cuja agenda está cheia de reuniões com especialistas em patentes e empresas interessadas em explorar o mercado bilionário de CBD.

“Para mim, foi um prêmio encontrar uma planta (com CBD, mas) que não tivesse THC, porque você se livra de toda a embrulhada do psicotrópico”, diz Moura Neto, que passou a maior parte das últimas cinco décadas pesquisando neste pequeno laboratório. “O potencial é enorme”, afirma à AFP.

Sua equipe de 10 pesquisadores recebeu, recentemente, R$ 500 mil em recursos públicos para expandir seu projeto, que agora buscará identificar os melhores métodos para extrair o CBD da Trema e estudar sua eficácia como substituto da maconha para fins medicinais.

“Planta mágica”

O professor Rodrigo Moura Neto, da UFRJ, realiza experimentos com a Trema micrantha Blume, considerada uma erva daninha - CARL DE SOUZA / AFP
O professor Rodrigo Moura Neto, da UFRJ, realiza experimentos com a Trema micrantha Blume, considerada uma erva daninha (crédito: CARL DE SOUZA / AFP)

Muitos dos usos medicinais do CBD ainda estão sendo investigados. A substância é controversa até mesmo no Brasil, onde muitos pacientes têm recorrido aos tribunais para poder usá-la, ou têm pago preços altos para importá-la.

O cultivo de maconha medicinal é ilegal no País, embora o Congresso esteja analisando um projeto que poderia mudar essa situação.

A demanda por CBD está em alta no mundo: esse mercado alcançou quase US$ 5 bilhões (R$ 24 bilhões) em 2022. E é projetado um crescimento acima de US$ 47 bilhões (R$ 225 bilhões) até 2028, impulsionado principalmente pela saúde e bem-estar.

O interesse pela pesquisa de Moura Neto tem sido “enorme”, diz Rosane Silva, diretora de seu laboratório, que fica em um corredor cheio de estudantes e pesquisadores de jalecos brancos.

“Muitas empresas já estão ligando para a gente para fazer colaboração” em um eventual medicamento com CBD, diz Rosane, ao lado do que ela chama de “planta mágica”.

Membro da família Canabácea, como a cannabis, a Trema pode se transformar em uma árvore de até 20 metros de altura.

Moura Neto está considerando a possibilidade de patentear qualquer inovação para extrair o CBD de seus pequenos frutos e flores, mas acrescenta que não fará isso com a própria planta, porque deseja que a comunidade científica possa pesquisá-la.

“Se eu sonhasse com ser bilionário, não teria seguido a carreira de professor”, diz.

Do laboratório ao mercado?

Geneticista forense, Moura Neto começou a estudar o CBD para colaborar com a polícia: ele analisava o DNA da maconha apreendida para rastrear sua origem.

Quando ele se deparou com um estudo que identificava a presença de CBD em uma planta na Tailândia, também da família Canabácea, teve a ideia de procurá-lo na Trema.

Segundo Moura Neta, transformar sua descoberta -- ainda não publicada em uma revista científica -- em um medicamento comercial pode levar de cinco a dez anos. Ele está ciente, no entanto, de que o CBD da Trema também pode não funcionar tão bem, ou nem mesmo funcionar, como o da cannabis.

E descarta fumar a planta para obter um efeito psicoativo. “Não adianta nada”, ri. (Joshua Howat Berger - AFP)

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