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Saúde

Atrasos em tratamento de câncer na pandemia causará 62 mil mortes evitáveis

07 de Fevereiro de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Houve atraso, principalmente, nos serviços que permitiram detecção precoce da enfermidade
Houve atraso, principalmente, nos serviços que permitiram detecção precoce da enfermidade (Crédito: ARQUIVO JCS)

O atraso imposto pela pandemia de Covid-19 ao diagnóstico e tratamento do câncer levará a 62,3 mil mortes evitáveis no País, segundo estimativa de estudo da Americas Health Foundation realizado com o apoio da Roche. A pesquisa mostra ainda que outros 284,1 mil brasileiros serão afetados por uma mudança no estágio da doença, o que pode reduzir as chances de cura.

As estimativas foram feitas com base na coleta de dados e em entrevistas com organizações de pacientes e especialistas em oncologia. A partir das respostas que mediram o índice de pacientes afetados na detecção e a duração desse atraso, os pesquisadores estimaram os efeitos nos desfechos do tratamento nos próximos anos. De acordo com o estudo, os serviços mais afetados foram os de diagnóstico e cirurgia -- este último teve redução de 40% durante o período mais crítico da pandemia.

Segundo especialistas, o atraso foi motivado por dois principais fatores: a redução de oferta de procedimentos eletivos por causa da concentração de esforços dos hospitais para atender pacientes com Covid e o adiamento, por parte dos pacientes, de seus exames, por medo de se contaminar com o coronavírus ao frequentar os centros médicos.

“Pelo menos metade dos pacientes nos relata ter atrasado seus exames de rastreamento, como mamografia, papanicolau, colonoscopia. Deixar de fazer esses exames por dois ou três anos pode fazer com que um câncer que seria diagnosticado em estágio inicial já esteja mais avançado”, afirma Pedro Exman, do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Outros médicos relatam aumento no número de doentes que chegam com tumores mais avançados. “Em 2021, quando começamos a ver as pessoas retomando suas consultas, atendi dois casos de tumores que já estavam comprimindo a medula; e o paciente chega paraplégico. Isso ocorre quando o câncer já progrediu muito, o paciente já estava há muito tempo com dor, mas adiou buscar um médico. Eu não via um caso desses desde a minha residência, há 14 anos”, conta Andrey Soares, oncologista do Hospital Albert Einstein e do Grupo Oncoclínicas.

No A.C. Camargo Cancer Center, também houve aumento de tumores avançados, em especial daqueles que podem ser detectados precocemente por exames de rastreamento. “Tivemos esse aumento em cânceres como tireoide e próstata. O tratamento de um tumor inicial é menos agressivo, preserva mais a qualidade de vida do paciente e tem maior chance de cura”, afirma Maria Paula Curado, epidemiologista do A.C. Camargo.

Presidente do Instituto Oncoguia, organização que dá suporte a pacientes com câncer, Luciana Holtz afirma que a entidade tem recebido cada vez mais reclamações de pacientes com diagnóstico confirmado, mas que não conseguem iniciar o tratamento no prazo previsto em lei, de 60 dias. “Exames, cirurgias, consultas estão com enormes filas de espera. Soubemos de casos de mulheres com câncer de mama que estão há quatro meses na fila para passar por uma consulta com um cardiologista para avaliar o risco para a cirurgia. É uma angústia muito grande”, diz.

Um dos entraves para a ampliação da oferta de cirurgias, exames e outros procedimentos oncológicos no SUS é a baixa remuneração oferecida a hospitais filantrópicos que atendem pacientes da rede pública.

“Alguns desses hospitais têm condições de atender mais pacientes, mas estão com prejuízo de milhões de pacientes atendidos pelo SUS, mas que não foram pagos porque estouraram o teto previsto em contrato com as Secretarias da Saúde. Isso precisa ser revisto”, afirma Pascoal Marracini, presidente da Associação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Combate ao Câncer.

Questionado sobre o cenário, o Ministério da Saúde afirmou que reconhece a necessidade de ações para mitigar os impactos da pandemia na oncologia e, para isso, “estuda um plano que vai fortalecer as ações e os serviços de tratamento, por meio de estratégias de prevenção, diagnóstico precoce, no âmbito da Atenção Primária e Especializada, com plano terapêutico integral e o monitoramento dos principais tipos de cânceres, com a articulação de toda a rede disponível no País”. Já o Estado de São Paulo afirma que tem como meta reduzir as filas de oncologia. (Estadão Conteúdo)