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Educação de Jovens e Adultos mostra que nunca é tarde para começar a aprender

06 de Setembro de 2019 às 07:20

Nunca é tarde para começar a aprender “Hoje em dia ninguém precisa ficar sem estudo, basta ter vontade, se esforçar”, diz Olinda Ribeiro, aos 79 anos. Crédito da foto: Fábio Rogério (5/9/2019)

Provavelmente quando dona Olinda Ribeiro, 79 anos, estiver lendo esta matéria, já estará formada. Na ocasião da entrevista, faltavam poucos dias para ela concluir o terceiro ano do ensino médio no Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Ceeja) Professor Norberto Soares Ramos, situado na rua Assis Machado, 920, Vila Assis. Se fosse até pouco tempo atrás, dona Olinda teria de pedir para alguém fazer a leitura, como acontecia quando chegavam cartas em sua casa. Agora poderá ter o prazer de, ela própria, saber o que está escrito aqui sobre si mesma.

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Criada na roça, Olinda é a segunda filha de um total de dez irmãos e conta que nunca teve a oportunidade de estudar, pois precisava ajudar os pais a cuidar das crianças. Quando cresceu um pouco, trabalhou na roça e mais tarde, já na zona urbana, começou a fazer serviço de doméstica. Casou, teve dois filhos e chegou o dia em que seus meninos encontraram alguém e formaram suas famílias. Olinda então voltou o olhar para si e resolveu realizar algo que guardava em seu íntimo: queria ser alfabetizada.

Até então sua rotina era andar pelas ruas e não saber o que estava escrito nas placas, olhar vitrines de lojas ou informações nos supermercados e ficar sem entender, decorar o número da linha de ônibus ou optar pela alternativa constrangedora: pedir para alguém ajudar, expondo o analfabetismo. “Mas aprendi outras coisas, artesanato, culinária... Em fila escutava pessoas falando e fazia depois, e por aí foi”, recorda.

A ida à escola não foi tão simples. “Comecei a procurar companhia, eu ficava querendo ir, mas não encontrava ninguém para me acompanhar, muita gente achava besteira estudar.”

Com o apoio dos filhos, Olinda acabou indo sozinha mesmo e a alfabetização aconteceu na Uniso Trujillo. “Ia das 19h às 21h e lá fiz até a 4ª série (5º ano do fundamental)”, relata.

Já alfabetizada e empolgada com os estudos, seguiu até o 9º ano em sua cidade mesmo, Salto de Pirapora. Olinda conta que ficou sabendo do Ceeja no ônibus, ao conversar com a passageira ao lado. Coincidência ou não, essa pessoa trabalha no Ceeja e falou sobre a instituição de ensino para Olinda, que desejava chegar ao ensino médio.

“Me sinto feliz por poder aprender. Hoje em dia ninguém precisa ficar sem estudo, basta ter vontade, se esforçar. Queria agradecer aos professores e à escola, que estenderam a mão para mim. Agora, se eu puder, farei faculdade de Arte. Se Deus me abrir essa porta, eu vou entrar!”.

Inclusão e oportunidade se juntam para fazer a diferença

Nunca é tarde para começar a aprender “Para mim, essa escola é cheia de tesouro”, diz o aluno Maicon Cesar Ramos. Crédito da foto: Fábio Rogério (5/9/2019)

“Para mim, essa escola é cheia de tesouro. O que a gente aprende é como ouro, prata, rubi, brilhante, esmeralda, carbúnculo, topázio e diamante. Gosto muito do pessoal daqui. São pessoas que vale muito a pena ter como amigos. Aqui as pessoas são como um tesouro e a mais valiosa é a diretora, que é como ouro”.

Esses elogios todos ao trabalho desenvolvido pelo Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Ceeja) Prof. Norberto Soares Ramos foram feitos por Maicon Cesar Ramos de Lima, 35 anos. É nesse lugar que Maicon tem superado a cada dia as suas dificuldades e o tamanho da gratidão que sente não cabe em seu coração.

Maicon foi diagnosticado com uma doença no cérebro há 20 anos e não teve chance de concluir os estudos. Conforme ele, a esquizofrenia causa muito sofrimento. “Sinto dor de cabeça, tenho pânico, mas mesmo assim venho estudar”, diz ele, cuja vontade de vencer foi notada pela equipe de educadores, que lhe renderam homenagem.

Maicon só tira notas boas, a maioria 10. A mais baixa foi 8. “Os professores esclarecem a gente, encontram a melhor forma de explicar”, elogia. Por conta de seu esforço e dos resultados obtidos, Maicon ganhou uma placa de honra ao mérito. Ele confidencia que sua intenção é fazer uma faculdade. “Deus está me curando aos poucos”, diz.

Olhar especial

Não é por acaso que Ana Paula Ernandes de Camargo Malta está à frente do Ceeja Prof. Norberto Soares Ramos. Ela, que trabalha com educação há 30 anos, tem um olhar especial voltado às questões sociais, que fazem daquele local um espaço mais humano.

O Ceeja, diz a diretora Ana Paula, trabalha com todos os tipos de inclusão. “Temos cerca de 20 alunos com deficiência intelectual, cegos, cadeirantes, surdos. A inclusão acontece efetivamente, é um trabalho de formiguinha, mas no final dá um grande resultado. Temos uma equipe empenhada, todos trabalhando em prol do aluno com respeito, carinho, acolhimento e isso faz a diferença.”

Nunca é tarde para começar a aprender “É um trabalho de vida mesmo, não é só educacional, mas social”, resume a educadora Ana Paula Ernandes. Crédito da foto: Fábio Rogério (5/9/2019)

Ainda de acordo com ela, tem moradores de rua que vão até lá estudar também. “Estudam e se alimentam”, afirma. O Ceeja também recebe alunos estrangeiros. Nesse caso, a instituição adapta o material didático. “Nós vamos até as ongs e comunidades dos bairros para colocar na mente das pessoas que se elas não têm estudo, que a idade não impede. É o projeto Ceeja Sem Fronteiras. Por meio dele visitamos ainda mulheres vítimas de violência doméstica”, acrescenta.

Ana Paula também é idealizadora de outro projeto. Tradicionalmente, os Ceejas atendem pessoas já alfabetizadas que desejam concluir o fundamental e o ensino médio. “Mas recebíamos muitos alunos de mais idade que não sabiam ler e escrever, aí resolvi criar a Sala de Aprendizagem, que foi inaugurada este ano”, orgulha-se.

Alfabetizar não é fácil, diz a diretora. “É um processo a longo prazo, mas tem dado muito resultado. Depois que percebem que são acolhidos, os estudantes se sentem melhor e o aprendizado flui muito bem. É um trabalho de vida mesmo, não é só educacional, mas social.” Esse projeto, diz a diretora, tem parceria com universidades como a Uniso, a UFSCar e a Uninter.

Agora, para coroar todo o trabalho, foi lançada a rádio web Ceeja, que de acordo com Ana Paula é voltada 100% para o aluno. “Temos essas histórias de vida sendo narradas pelo aluno e estamos também fazendo parcerias. Uma delas é com o Luciano (coletor de Sorocaba que estuda com livros encontrados no lixo). Depois que vi a reportagem do Cruzeiro do Sul sobre ele, o chamei para conversar e acabou sendo nosso parceiro, agora ele fala de sua história pra gente, incentivando os alunos.”

Estudo ao alcance de todos, seja qual for a etapa e disponibilidade

No Estado de São Paulo, cerca de 270 mil jovens e adultos estão matriculados em unidades do Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Ceeja) e Educação para Jovens e Adultos (EJA). Em Sorocaba, são 2.105 alunos no EJA e 6.310 estudantes atendidos pelo Ceeja.

Para fazer o ensino fundamental pelo EJA é preciso ter a partir de 15 anos. Já para se inscrever no ensino médio é necessário ser maior de 18 anos. O prazo de conclusão do curso é de dois anos para o fundamental e 18 meses para o médio. Vale mencionar que o EJA é oferecido pelo Estado e também por escolas particulares, mas o curso é 100% presencial.

Já o Ceeja é apenas voltado a maiores de 18 anos, mas essa modalidade é flexível. “A presença é obrigatória no mínimo duas vezes ao mês”, afirma Ana Paula Ernandes de Camargo Malta, diretora do Ceeja. A matrícula é feita por disciplina, sendo que o aluno recebe material didático para estudar em casa. “Ele vai até a escola para tirar dúvidas e a hora que se sentir preparado, faz as provas”, esclarece. O próprio aluno determina em quanto tempo terminará os estudos. “Quanto mais ele vem, mais rápido conclui”, explica a diretora.

Para quem deseja ter os diplomas, existe ainda o Enceeja, uma avaliação do governo federal que certifica o aluno de acordo com a série. A avaliação é aplicada anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para certificação do ensino fundamental e médio.

Nunca é tarde para começar a aprender Josefa Marquezin não conseguiu concluir os estudos e está de volta aos bancos escolares, aos 72 anos. Crédito da foto: Fábio Rogério (5/9/2019)

O aluno pode estudar sozinho em casa, se quiser, ou em alguma instituição de ensino, e por meio dessa prova conseguir a certificação. “Atualmente não tem motivo para não ter diploma e nem mesmo para falsificar”, comenta a diretora.

Ana Paula alerta que algumas escolas particulares “cobram horrores prometendo certificação rápida, mandam alunos fazer prova no Rio de Janeiro, mas o diploma não tem validade em São Paulo. O aluno perde dinheiro e tempo, e acaba vindo aqui para o Ceeja, resolver sua situação.”

Ana Paula comenta que em Sorocaba tem várias instituições assim. “A pessoa recorre a elas no desespero, porque precisa de um certificado para conseguir emprego, mas são tantas as fraudes, que as empresas, antes de contratarem, acabam enviando e-mail pra gente verificar a validade do certificado.”

O Ceeja, reforça ela, é uma escola estadual com todos os trâmites legais da escola pública: ensino gratuito e certificação original, registrada pelo MEC. O interessado em aprender pode entrar no Ceeja de qualquer série onde parou. É o caso de Josefa Benedita Marquezin da Silva, 72 anos. “Parei com 12 anos. Fiz até o 4º ano primário (5º do fundamental) no Paraná. Na época, a situação financeira dos pais não permitia que a gente desse continuidade aos estudos e também os pais mudavam muito de cidade”, diz ela, que é filha de caminhoneiro.

As circunstâncias não permitiram que voltasse antes à escola, mas agora Josefa pode dizer, sem dúvida: “foi muito bom voltar a estudar”. (Daniela Jacinto)

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