Eu já li
Originárias
Artigo escrito por Vanessa Marconato Negrão
“Originárias -- Uma antologia feminina de literatura indígena”, é uma coleção de contos de doze diferentes povos ancestrais escritos por mulheres, guardiãs da memória e da sabedoria de suas tradições.
Uma publicação como essa, por si só, já é algo notável, se considerarmos que os registros históricos da participação feminina indígena na formação do Brasil foram suprimidos. São raras as menções às mulheres indígenas, suas aparições são condicionadas a descrição de atividades do cotidiano na aldeia ou a citações das indígenas que se casaram com portugueses, como a índia tupinambá Catarina Paraguaçu, que se uniu com o náufrago Diogo Álvares Correia, o Caramuru. Mais raras ainda são publicações como essa, de seus próprios escritos.
Os contos reunidos nesta obra se expressam a partir de sonhos, vivências comunitárias, histórias e modos de vida passados de geração em geração e da observação da natureza por essas fortes mulheres. Num dos contos, Glicéria Tupinambá traz a história de Poxi, um guerreiro que se apaixona pela filha do cacique da aldeia vizinha. Poxi é forte e prestativo, mas não é considerado bonito, e ao declarar seu amor é rejeitado pela moça. A história segue cheia de analogias e significados, revelando o misticismo indígena da comunhão com a natureza tão presentes na cultura nativa.
Além dos contos e recontos, estão no livro informações preciosas a respeito dos povos mencionados, bem como um glossário dos termos das línguas maternas utilizadas nas narrativas. Termos esses usados “para anunciar a existência de mais de 274 línguas indígenas no território nacional”.
Encerro com as palavras de Glicéria: “Partilho aqui a memória do meu povo, da cultura Tupinambá, que acredita que as montanhas e as serras são as moradas dos encantados. Nós, povos indígenas, dominamos a argila, temos autorização para manipular o barro, mas não manuseamos o metal, que ameaça, fere e corta o corpo. (...) Quando você estiver lá fora e puder olhar para o céu, lembre-se de Quaraci, aquele que um dia foi Poxi. E que Quaraci, em retribuição, ilumina cada um do seus passos, seja lá por onde for”.
Vanessa Marconato Negrão é professora e apaixonada pela literatura infantil