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Crianças compartilham conhecimento entre si com as bonecas Abayomis

Alunos mais "velhos" ensinam os pequenos nas oficinas de uma escola municipal de Sorocaba

10 de Dezembro de 2022 às 23:01
Vanessa Ferranti [email protected]
Construção das bonecas é a segunda parte da atividade
Construção das bonecas é a segunda parte da atividade (Crédito: CEZAR RIBEIRO (30/11/2022))

Os olhares atentos demonstram a curiosidade dos pequenos estudantes. Na sala de aula, eles escutam os conhecimentos passados pelos alunos mais “velhos” -- que têm entre 10 e 11 anos. Depois, é hora de colocar a mão na massa e, aos poucos, de nó em nó, os pedaços de retalhos se transformam em um brinquedo cheio de significados. O cenário é apenas uma das muitas oficinas de bonecas Abayomis que os estudantes do 5º ano da E. M. Jaci Dourado Matielli, no Jardim Montreal, em Sorocaba, vêm realizando ao longo do semestre. Na última semana, foi a vez dos alunos da pré-escola I da educação infantil, de 4 e 5 anos, aprenderem as técnicas da confecção.

A oficina foi realizada em duas etapas. Primeiro os estudantes do 5º ano ensinaram aos pequenos a história das bonecas Abayomis. Eles contam que o brinquedo feito de retalhos, nós e amarrações foi criado em 1987 por Lena Martins, ativista e artesã que fez parte do movimento de mulheres negras. Já o nome surgiu um pouquinho depois, pela professora Ana Gomes, integrante de um dos primeiros grupos de produção da boneca. Na época, Ana estava grávida de uma menina que seria amadrinhada por Lena. A bebê recebeu o nome de Abayomi -- palavra com diversos significados, sendo uma das interpretações “meu presente”, na língua yorubá. Em homenagem a criança, as Bonecas de Nós, conhecidas dessa forma até então, passaram também a ser chamadas de Abayomi.

Ana Júlia, de 11 anos, ensinou o passo-a-passo a crianças como Milena, 4 anos - CEZAR RIBEIRO (30/11/2022)
Ana Júlia, de 11 anos, ensinou o passo-a-passo a crianças como Milena, 4 anos (crédito: CEZAR RIBEIRO (30/11/2022))

Depois, o segundo passo realizado pelos estudantes foi ensinar os pequenos alunos a confeccionar a boneca. Eles fizeram os nós, colocaram as roupinhas e, no fim, todos levaram um novo brinquedo para a casa. Efraim Alexandre dos Anjos, de 5 anos, disse que foi muito legal participar da oficina. Já Milena Pinheiro de Jesus, de 4 anos, contou que vai mostrar o passo a passo do brinquedo para sua irmã. “No começo foi difícil, mas depois eu consegui”, garantiu Milena.

Ana Júlia, de 11 anos, ensinou o passo-a-passo a crianças como Milena, 4 anos - CEZAR RIBEIRO (30/11/2022)
Ana Júlia, de 11 anos, ensinou o passo-a-passo a crianças como Milena, 4 anos (crédito: CEZAR RIBEIRO (30/11/2022))

A ideia de compartilhar o conhecimento com outros estudantes foi de Ana Júlia Proença Pereira, de 11 anos. Depois da turma aprender a história e o artesanato com o professor Jhonatan Cardim, durante as atividades sobre cultura afro-brasileira e africana, trabalhada no segundo semestre do ano letivo, a estudante decidiu passar os ensinamentos adiante. “Eu achei super legal e comentei com meu irmão. Ele disse: ‘nossa, seria muito legal se a gente aprendesse’. Perguntei ao meu professor se daria para a gente ensinar, e acabou que ensinamos algumas salas”, disse a estudante.

A sugestão de Ana Júlia foi tão boa que os colegas de classe adoraram. “Ficamos bastante animados, praticamente toda sala gostou”, disse Pedro Henrique Andrade Corrêa. “Para mim, desperta um bom sentimento, porque outras pessoas podem aprender e ensinar ainda mais pessoas e vira um ciclo sem fim de aprendizado das bonecas”, ressaltou Lorena dos Santos Leme. “A experiência é bem legal, aprendi coisas novas e aprendemos a ensinar outras crianças”, destacou também Pablo Henrique dos Santos. Todos eles têm 11 anos.

A pedagoga Daniela Cristina Rodrigues Camargo, professora dos alunos da educação infantil, acompanhou toda a oficina e ressaltou a importância da representatividade durante o processo de confecção. “A história da boneca traz o empoderamento das crianças pretas, então nós estamos fazendo esse trabalho de conhecimento e respeito, mostrando outros tipos de bonecas, não só as bonecas claras, como também as bonecas pretas”.

Já Jhonatan Cardim, pedagogo responsável pela oficina, destacou o valor da narrativa na aprendizagem. “Existe uma história muito romantizada, que a maior parte das pessoas já escutou anteriormente, que diz que as bonecas Abayomis nasceram nos porões dos grandes navios e não é verdade. Então, essa história de sofrimento do povo preto causa entristecimento, mas a real narrativa fortalece o trabalho de uma mulher, fortalece a vida”, diz o professor.

Hora de colocar a mão na massa

Brinquedo feito de retalhos, nós e amarrações tem origem na cultura afro - CEZAR RIBEIRO (30/11/2022)
Brinquedo feito de retalhos, nós e amarrações tem origem na cultura afro (crédito: CEZAR RIBEIRO (30/11/2022))

Para fazer uma boneca Abayomi você vai precisar de retalhos de tecido preto e colorido, uma tira de tecido e uma tesoura sem ponta. O primeiro passo, com a ajuda de um adulto, é cortar dois pedaços de tecido preto em formato retangular. A boneca pode ter o tamanho que você preferir, mas atenção, a medida de um dos pedaços de retalho deve ser o dobro do outro, já que o maior será usado para fazer o corpo e o menor as mãos da Abayomi.

Com os materiais a postos, pegue o pedaço de tecido grande e dobre ele, deixando duas pontas para baixo. Faça um nó na parte de cima para criar a cabeça e um nó nas duas extremidades da boneca. Essas serão as pernas dela. Com o outro pedaço de tecido preto que você separou amarre abaixo da cabeça da boneca e, depois, dê um nó em cada ponta, criando assim, suas mãos.

Com o corpinho finalizado chegou a hora de preparar a roupa. Para isso, será necessário utilizar o tecido colorido, que deve ser cortado, também, em formato retangular. Além disso, faça ainda um furo com a tesoura na parte de cima do tecido. A parte aberta deve ser encaixada na cabeça da boneca, como um vestido. Não é necessário mexer nas laterais do retalho, pois elas já estarão abertas. Com a outra tira que você separou no início do processo, faça um nó na cintura da Abayomi, como um pequeno cinto.

Quem desejar, também pode pegar outro pedaço de tecido colorido, colocar em volta da cabeça da boneca e finalizar com um laço, criando um turbante. E finalmente, está pronta a sua boneca Abayomi. Agora que você já aprendeu, é só brincar bastante e ensinar os amigos. 

Outras escolas abordam a temática africana

O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi pauta de outras atividades educativas nas unidades escolares do município durante o mês passado. A E.M. Carmen Paulina Walter, no Éden, realizou no dia 25 de novembro a exposição dos trabalhos dos alunos desenvolvidos durante o ano letivo a partir da temática “Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”.

Um dos destaques da atividade foi a apresentação do espetáculo infantil “Ilu Okan -- O que minha vó me contou”, pelo Grupo Trança de Teatro, que evidenciou a riqueza da cultura de origem africana, por meio de histórias e brincadeiras contadas pelos personagens Babu, Malaika e Zuri, netos da mesma avó. “Uma forma importante de resgatar a história africana entre as crianças, o que vem se perdendo. Hoje, vi que trazer isso para a escola é muito especial, porque é a nossa própria história sendo contada, nossa origem. É um aprendizado também para nós, pais”, ressaltou Maria Edileuza de Barros Batista, mãe dos alunos Guilherme e Vinícius.

Na “Exposição da Primavera” do CEI-81 Prof.ª Edith Del Cistia Santos, no Parque São Bento, ocorrida no último dia 30, os trabalhos realizados pelos estudantes ao longo do ano tiveram como objetivo resgatar a ancestralidade de forma lúdica. A mostra contou, ainda, com a presença da especialista em cabelo afro Camila Trindade, que desenvolveu um workshop sobre tranças, propiciando o debate e a reflexão sobre o significado do Dia da Consciência Negra. (Vanessa Ferranti, Redação, com Secom Sorocaba)

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