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A lenda do homem de capa preta: o capitão-do-mato de Votorantim

Quem mora no bairro Cubatão está acostumado a ouvir relatos dos vizinhos sobre ele

15 de Maio de 2022 às 00:01
Kally Momesso [email protected]
Cantigas, barulhos de correntes e cavalos pelas ruas: verdade ou lenda?
Cantigas, barulhos de correntes e cavalos pelas ruas: verdade ou lenda? (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO (11/5/2022))

Você já ouviu falar sobre o homem de capa preta? Quem mora no bairro Cubatão, em Votorantim, está acostumado a ouvir relatos dos vizinhos sobre ele. Dizem que é a alma do capitão-do-mato, que vaga desde a época da escravidão até os dias de hoje, sempre durante a noite.

Era meia-noite quando Gisele Aparecida Navarro, de 46 anos, viu o homem da capa preta pela primeira vez. Ela mora no bairro há 14 anos em uma casa de frente para a igreja da Comunidade Sagrado Coração de Jesus -- a qual, acredita-se, usou mão-de-obra escrava em sua construção. Logo que se mudou, Gisele já ouviu falar sobre essa lenda. “Um senhorzinho que morava aqui sempre via o capitão-do-mato sentado na esquina. Um dia, meu cachorro começou a latir bastante e eu saí para ver o que estava acontecendo e vi esse homem. Ele abria a capa e provocava meu cachorro. O cão ficou louco, avançava nele e não me obedecia”, lembrou.

Gisele Aparecida Navarro, de 46 anos, diz que já viu o homem pelas ruas do bairro. - FÁBIO ROGÉRIO (11/5/2022)
Gisele Aparecida Navarro, de 46 anos, diz que já viu o homem pelas ruas do bairro. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (11/5/2022))

O homem de capa preta, segundo as histórias, veste roupas, chapéu e capa preta. Ele é grande, alto e, normalmente, ninguém consegue ver seu rosto. E foi dessa forma que Gisele o descreveu, adicionando, apenas, o fato dele não ter pés e flutuar pelas ruas do bairro.

Conforme a moradora, em outra noite, ela viu o homem enquanto dirigia. “Eu estava de carro quando vi uma pessoa com uma roupa antiga de couro. Eu olhei para ver se eu reconhecia para dar uma carona, então a pessoa abaixou o chapéu no rosto. Nesse momento, eu olhei pelo retrovisor e não tinha mais ninguém”, rememorou.

Fomos em sua procura, mas... - FÁBIO ROGÉRIO (11/5/2022)
Fomos em sua procura, mas... (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (11/5/2022))

Gisele ainda revelou à reportagem que, durante a noite, sempre escuta cantigas, barulhos de correntes e cavalos pelas ruas. Ela acredita que essas aparições estão ligadas a um cemitério do período da escravidão na região. “A gente escuta os mais velhos contarem que, naquela época, matavam muita gente. Dizem até que tem um padre enterrado na capela”.

Para a moradora, o capitão-do-mato não assusta mais. “Quando a gente saía à noite, dava para ver ele sentado na esquina. É uma coisa que o pessoal já se acostumou”, contou. Ainda assim, de acordo com ela, ninguém se atreve a mexer com essas aparições.

Mas há quem tem tanto medo que nem quis se identificar para a equipe do Cruzeirinho. Conforme um morador que vive há mais de 40 anos no bairro Cubatão, ele já viu o homem de capa preta uma vez há mais de 20 anos. “Eu estava com os meus irmãos andando pela rua, meia-noite, em uma sexta-feira 13, quando vi um homem alto de capa e um chapéu gigante vindo em nossa direção. Ele passou por nós e depois desapareceu”, afirmou ele. Depois disso, o homem nunca mais viu o capitão-do-mato.

Escravidão na região

Igreja teria usado mão-de-obra escrava. - FÁBIO ROGÉRIO (11/5/2022)
Igreja teria usado mão-de-obra escrava. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (11/5/2022))

Desde meados do século 16 até a década de 1850, milhares de pessoas dos mais diversos povos e grupos étnicos que habitavam as vilas, cidades e regiões do continente africano foram traficadas para o Brasil.

Votorantim também tem sua história de escravidão. Um túnel na cidade foi muito usado por negros em suas fugas do capitão-do-mato. Esse túnel ficava na Chácara dos Padres, onde hoje resta apenas o terreno ao lado do shopping Panorâmico. Naquele local, os negros permaneciam e ajudavam os religiosos na limpeza e serviços gerais.

A história do capitão-do-mato é só um dos reflexos do período de escravidão que assombra a humanidade até os dias atuais -- como, por exemplo, a desigualdade racial. No dia 13 de maio, comemoramos a abolição do trabalho escravo, por meio da Lei Áurea, aprovada nesta mesma data, em 1888, com a assinatura da Princesa Isabel. Coincidentemente, este ano, a data simbólica caiu em uma sexta-feira 13, conhecido como um dia de azar e superstição. Será que anteontem o homem da capa preta voltou a passear pelo bairro de Votorantim para assombrar os moradores?

Capitães-do-mato, quilombos e ‘Os Camargo’

Perto dali, existe a comunidade quilombola "Os Camargo". - FÁBIO ROGÉRIO (1/11/2017)
Perto dali, existe a comunidade quilombola "Os Camargo". (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (1/11/2017))

Os capitães-do-mato eram, em sua maioria, homens pobres. Eles já atuavam antes mesmo do século 17 e tinham como objetivo principal, evitar fugas de escravos. O capitão-do-mato reprimia alguns delitos no campo e, aos poucos a função foi se espalhando para recapturar os escravos. Esses homens exerciam o cargo em troca de prêmios ou para seu sustento.

Já os quilombos foram espaços construídos pelos escravos negros africanos e afrodescendentes que fugiam da escravização, em busca liberdade. Os habitantes dessa comunidade eram chamados de quilombolas.

A comunidade quilombola “Os Camargo”, localizada em Sorocaba e Votorantim, se originou com o escravo alforriado José Joaquim de Camargo. Os descendentes do homem liberto possuem uma escritura datada de 2 de novembro de 1874 comprovando que ele comprou terras ao preço de 400 mil réis. (Kally Momesso)

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