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Cafundó: um lugar onde se vive e se pratica a consciência negra

Fundado há 150 anos, quilombo na área rural de Salto de Pirapora preserva a cultura afro-brasileira

21 de Novembro de 2021 às 00:01
Jéssica Nascimento [email protected]
Culinária, música, artesanato, jogos, dialeto e danças são passados de geração em geração.
Culinária, música, artesanato, jogos, dialeto e danças são passados de geração em geração. (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021))

Você sabe o que é um quilombo? Esse é o nome dado às comunidades formadas por remanescentes de fugitivos da escravidão no Brasil. Espalhados por todo o território brasileiro, os quilombos fazem parte da nossa história, mantendo viva a cultura afro-brasileira. Mais do que isso, essas comunidades são sinônimo de resistência e simbolizam a luta contra o preconceito e o racismo.

E para conhecer um pouco mais sobre a comunidade quilombola, nome dado para as pessoas que vivem no quilombo, o Cruzeirinho visitou o Quilombo Cafundó, que fica na área rural de Salto de Pirapora, há aproximadamente 40 quilômetros de Sorocaba. Lá, vivem 35 famílias e cerca de 120 pessoas. A comunidade foi fundada há mais de 150 anos e até hoje preserva a cultura afro-brasileira, que inclui culinária, música, artesanato, jogos e danças, passada de geração em geração. Os quilombolas também mantêm viva a língua Kimbundo, um dialeto que veio da África.

Na comunidade, rodeada por natureza e campos de agricultura, cada família tem sua casa. Algumas das moradias, levantadas no início do quilombo, marcam a história da comunidade. A casa onde fica a lojinha de artesanato, por exemplo, é uma construção de taipa. É nesta casinha que estão guardadas as peças feitas com palha de milho e fibra de bananeira. Todas elas são produzidas no quilombo.

As terras da comunidade também dão fruto a produtos da agricultura orgânica, cultivada da forma ensinada pelos ancestrais. Lá, são plantadas verduras, legumes e hortaliças, como alface, rúcula, espinafre, chicória, almeirão, cebolinha, salsinha, repolho, beringela e muitas outras variedades. Todos ajudam a cuidar das plantações, até as crianças, que se divertem plantando as mudinhas depois que chegam da escola.

Dandara Leite, 7 anos. - FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021)
Dandara Leite, 7 anos. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021))

Uma delas é a Dandara Maria Aguiar Leite, de 7 anos, que está no 1º ano do Ensino Fundamental. A menina ajuda a família a cultivar a terra. E quem acompanha é a prima Kiara Laissy Rosa de Souza, de 9 anos, que está no 4º ano. “A horta é o meu lugar preferido”, conta. As duas também ajudam durante a colheita, quando os alimentos vão direto para a mesa de casa. “Eu gosto de comer verduras da horta”, afirma Dandara.

Kiara de Souza, 9 anos. - FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021)
Kiara de Souza, 9 anos. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021))

As meninas também adoram brincar pela comunidade. Inclusive, as pequenas têm até outro lugar preferido: um balanço de madeira, pendurado por uma corda em um tronco de árvore. “Dá para ver a natureza”, conta Dandara. Além de balançar e apreciar a linda paisagem, as duas gostam de brincar de amarelinha, bonecas, pular corda e de restaurante. “Quando crescer, quero abrir uma padaria no quilombo e produzir alimentos com os produtos da horta”, destaca Kiara.

Victor Lencioni, 12 anos. - FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021)
Victor Lencioni, 12 anos. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021))

Os meninos, como os irmãos Douglas Floriano Lencioni, de 10 anos, e Victor Dexter Floriano Lencioni, de 12 anos, também gostam de ajudar na produção de alimentos orgânicos. Os produtos são comercializados na região e representam grande parte da renda do quilombo. Apaixonado pelo campo, Victor, apesar de ainda não ter decidido qual profissão vai seguir no futuro, já pensa em ser pecuarista para criar gado no quilombo.

Douglas Lencioni, 10 anos. - FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021)
Douglas Lencioni, 10 anos. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021))

Diferente do irmão, Douglas já decidiu o que deseja fazer quando crescer: “Quero ser jogador de futebol”. Isso é o que o pequeno mais gosta de fazer, apesar de brincar bastante de esconde-esconde e pega-pega com as crianças da comunidade. Já Victor adora morar na comunidade e diz que não pensa em sair do Cafundó. “É mais legal morar aqui. Gosto de todos os lugares da comunidade”, destaca.

Uma luta por respeito

Mais do que compartilhar cultura, os quilombos também lutam por respeito e igualdade. E essa luta ganha evidência no 20 de novembro, data em que é celebrado o Dia da Consciência Negra. Para a Luciana Rosa de Aguiar, que é membro da coordenação do Quilombo Cafundó, essa é uma oportunidade para refletir sobre o preconceito e o racismo, que infelizmente ainda está presente na sociedade. “Isso machuca muito. A cor da pele não muda nada, o que importa é o caráter, o coração e o amor da pessoa”, frisa.

Luciana Rosa de Aguiar, coordenadora do quilombo. - FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021)
Luciana Rosa de Aguiar, coordenadora do quilombo. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (16/11/2021))

Esse é um dos motivos pelos quais os quilombolas compartilham sua cultura com os visitantes. Com as visitas, o povo leva para fora da porteira as riquezas encontradas no local, como a cultura afro-brasileira. Para receber os turistas, os quilombolas construíram uma pousada na comunidade, usada principalmente durante os eventos, que estão voltando com a flexibilização da pandemia.

Durante as ações, os visitantes conhecem pratos típicos, preparados com os alimentos da horta, e assistem espetáculos. O jongo, uma dança praticada ao som de tambores, está entre as apresentações. E toda a comunidade se reúne para as festividades, incluindo as crianças. As primas Dandara e Kiara, por exemplo, vestem saias floridas para dançar o jongo e cantar músicas africanas. “É muito legal. É só fazer os passos e dançar”, contam. (Jéssica Nascimento)

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