Meu avô sempre fazia uma analogia interessante com o percurso do rio. Ele dizia que a vida era uma trajetória cheia de curvas, às vezes rasa, às vezes funda, às vezes agitadas, às vezes mansas...

Me lembro ouvir pela primeira vez essa lição depois de reclamar de algum contratempo. Estávamos no pasto das mulas, perto de um córrego que a certa altura do ano desaparecia, mas enquanto vertia água servia para matar a sede dos bichos. Aquela trajetória incerta não era coisa só de rio, era igualzinho a vida, que ora abundava, ora rareava. E o principal: não havia nada que freasse a natureza, o curso do rio, a correnteza.

Esse é um livro que trata dos ciclos da vida e, por isso mesmo, não tem idade, vai dos 0 aos 100 anos. Pode vir em forma de acalanto na voz de uma mãe para seu bebê; pode emocionar um adulto durão ou fazer fluir numa criança o desejo de uma grande descoberta.

Gaspar, moço jovem, mora perto do rio e compartilha com ele seus pensamentos e ambições da vida. Uma delas era navegar por outras águas, desbravar novas paisagens. Não que não gostasse das águas ou das paisagens que já tinha, mas havia tantas outras... E lá se foi Gaspar desbravar o mundo na sua canoa.

A autora, na ocasião do lançamento da obra, disse que ao escrevê-la pensou numa história que gostaria de ter lido na sua infância. Seu desejo foi passar uma mensagem de que na vida as coisas começam e acabam, e tudo bem, não há porque se preocupar com isso.

Texto e ilustração se encaixam perfeitamente, como se tivessem sido feitos pela mesma pessoa, mas não é o caso. As ilustrações de Alexandre Rampazo parecem ter saído dos sonhos da Flávia, acolhendo o leitor em traços aconchegantes, que convidam a navegar naquelas águas. A delicadeza é arrematada pelo papel vegetal que divide os capítulos. Um livro para ter na estante, ler, reler e se encantar todas as vezes. Da editora Aletria.

Vanessa Marconato Negrão é professora e apaixonada por literatura infantil.