Eu já li
‘Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos’
Artigo escrito por Vanessa Marconato Negrão
Falar de Manoel de Barros é um desafio. Um dos mais aclamados poetas brasileiros da contemporaneidade. Nenhuma definição das suas escritas seria justa. Até porque o próprio Manoel não ligava muito para isso. Negava sua fama e abraçava as miudezas das coisas simples, buscando levar a vida por muitos anos longe das cidades, se inspirando nas formigas, nos passarinhos, nas borboletas, no assobio do vento...
Quando ele escreve no poema “Exercício de Ser Criança” o seguinte verso: “A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos”, eu tenho a impressão que o menino não é ninguém mais senão ele mesmo, nas suas aventuras pela imensidão do verde.
Outras características marcantes da poesia de Manoel de Barros são as palavras “inventadas” (que são chamadas de neologismos) que ampliam as possibilidades expressivas e comunicativas. Um exemplo dessas invencionices está na frase: “É preciso transver o mundo. É preciso desformar o mundo”
Quando perguntei para o meu amigo Jean o que queria dizer “transver o mundo” ele me disse: ver de um lado a outro do, se permitir atravessar o significado das coisas. Já o Paulo disse que “transver” é olhar o mundo com a imaginação, ver ao contrário. Minha última entrevistada, Danila, me disse que é algo como ver além do que é de fato, enxergar através da transformação, algo muito grandioso que pode ser transformado. Veja quantos pensamentos foram construídos só de uma palavra. Manoel faz isso com a gente, pensar e sentir em abundância.
Cada dia mais eu busco as palavras de Manoel de Barros para entender alguns mistérios. Mistérios esses que as crianças já conhecem há tempos. Um ensinamento dele eu já aprendi: “Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Tenho em mim esse atraso de nascença.”
Uma publicação linda, ilustrada por Fernanda Massoti e Kammal João. Da Companhia das Letrinhas.
Vanessa Marconato Negrão é professora e apaixonada por literatura infantil.