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Saúde e Tecnologia

Telas, redes sociais e a qualidade do sono

Pesquisa mostra que, na pandemia, a tecnologia pode ter influência negativa na rotina de descanso

19 de Junho de 2021 às 00:01
Da Redação com Estadão Conteúdo [email protected]
Levar o celular para a cama pode atrapalhar a produção de hormônios relacionados ao sono.
Levar o celular para a cama pode atrapalhar a produção de hormônios relacionados ao sono. (Crédito: PIXABAY.COM)

Desde o começo da pandemia, Milena Neves, de 45 anos, mantém uma jornada dupla no mundo digital. Além do trabalho em home office, como assistente de comunicação na Universidade de São Paulo, ela fica ligada nas aulas remotas do filho Vinícius, de 8 anos. Após o expediente, o celular continua como protagonista e ela passa horas no Instagram e no Facebook. Resultado: quando é hora de dormir, o sono não vem. O impacto da tecnologia na qualidade do sono já era estudado antes da pandemia. Agora, porém, mais gente parece ser vítima das telas de smartphones e do ruído das redes sociais.

Os problemas de sono na pandemia potencializados pela tecnologia foram encontrados no estudo conduzido pelo professor Sergio Brasil Tufik, pesquisador do Instituto do Sono de São Paulo. A pesquisa revelou que, durante a pandemia, o uso de tecnologia fez com que cerca de 64% das pessoas relatassem uma demora de 30 minutos ou mais para adormecer, se comparado à rotina antes da pandemia - no total, 81% dos brasileiros sentem alguma dificuldade para dormir desde que a crise sanitária começou.

Além disso, 55,1% dos brasileiros relataram uma piora na qualidade do sono no último ano e mais de 60% afirmam que o uso de tecnologias como celular e redes sociais tem colaborado para esse índice.

“Eu vejo que a nossa sociedade vem caminhando para a privação de sono, muito por causa dos dispositivos eletrônicos. Com smartphones conectados o tempo inteiro, raramente as pessoas conseguem dormir tanto quanto gostariam. A pandemia veio para intensificar esse processo”, explica Tufik à reportagem.

Na pandemia, o celular e a internet têm sido janelas de escape e de socialização para quem passa boa parte do dia confinado. “Faz seis meses que eu não durmo bem. Tenho usado muito mais o celular na pandemia, até a hora de dormir. O celular à noite não me faz bem, mas, como fico com insônia, fico nele até adormecer”, conta Milena.

A falta de atividade fora de casa também serve como combustível para inúmeras consultas ao smartphone -- faça um teste: nas configurações dos celulares, em “tempo de tela”, as empresas fornecem quantas vezes você pegou no celular.

Questão hormonal

O efeito é imediato no organismo: o vício em telas atua na diminuição da melatonina, um dos hormônios responsáveis pela manutenção do sono e pela sensação de descanso -- a luz é um inibidor do hormônio.

“A iluminação diz para o nosso cérebro que é dia, e nosso organismo não se prepara para dormir. Na pandemia, as pessoas já vivem uma condição de alerta constante, então o uso prolongado desses aparelhos à noite induz a queda ou até mesmo a inibição completa da produção de melatonina”, afirma Luiz Gustavo de Almeida Chuffa, pesquisador do Instituto de Biociências da Unesp

Insônia social

Longas horas de exposição às telas dos aparelhos eletrônicos causam danos à saúde. - PIXABAY.COM
Longas horas de exposição às telas dos aparelhos eletrônicos causam danos à saúde. (crédito: PIXABAY.COM)

As redes sociais também desempenham um papel importante na piora do sono. Mais do que a luminosidade, o mecanismo neurológico de “recompensa” por ver uma foto, por exemplo, ou por encontrar um produto desejado, estimula receptores de atenção, afirma Monica Andersen, diretora de ensino do Instituto do Sono. A química que acontece no cérebro deixa os usuários em estado de alerta.

A pesquisadora conta ainda que existe um segundo fator relacionado a redes sociais que pesa contra o sono: a produção de cortisol. Esse hormônio, produzido em situações de estresse, aparece também quando você vê conteúdos que não são do seu agrado. Sejam notícias sobre a situação do País, fotos de amigos que estão viajando (enquanto você fica em casa), ou saborosas fofocas da firma -- tudo isso ajuda o cérebro a mandar o sono embora.

“As redes sociais promovem uma gratificação ao cérebro quando você busca algo no feed e encontra. Mas, quando a resposta não era a que você queria, isso vira um dilema. A gente tem uma situação comparativa nessas plataformas, entre a imagem do outro e a nossa. Isso gera uma expectativa não necessariamente prazerosa. A comparação aumenta o cortisol, o que causa um estresse associado às redes sociais, promovendo um hiperalerta”, explica Monica.

Higiene do sono

Segundo Chuffa, o melhor método para voltar a ter noites saudáveis de sono -- sem o uso de medicamentos -- é chamado de higiene do sono. Ele só funciona por meio de muito esforço e busca regular e tirar da rotina hábitos que prejudicam o organismo na diferenciação do dia e da noite.

Ausentar-se das redes sociais algumas horas antes de dormir pode ajudar a diminuir o nível de cortisol, além de poupar a exposição da luz azul. Fazer exercícios físicos durante o dia também é uma das recomendações, já que a produção da serotonina, conhecida como o hormônio do prazer, está associada também aos níveis de melatonina no cérebro.

“O ideal é deixar todos os aparelhos no modo de bloqueio de luz azul e colocar um prazo para terminar as tarefas. É difícil, mas não tem para onde correr”, diz Chuffa.

Apps e serviços que ajudam a dormir crescem na pandemia

Na esteira de quem tenta utilizar a tecnologia para resolver seus problemas de insônia, um grande mercado tem se estabelecido na pandemia para ajudar as pessoas a dormir melhor -- ou pelo menos tentar. São os apps e playlists que abordam meditação, histórias, guias de relaxamento e até sons de chuva, para aqueles que não resistem a uma noite de barulhinho na janela.

Esses métodos, espalhados por diversas plataformas, ganharam o público: segundo dados do Spotify, obtidos pela reportagem, cerca de 30 milhões de playlists já foram criadas com o tema sono em todo o mundo. No último ano, o aumento na criação e na procura desse recurso foi de 21%. Não é nada tão surpreendente, dado o momento que estamos vivendo.

Essa é a opinião de Emanueli Kuhnen, que passou a usar um app de meditação depois da recomendação de uma professora. Para a estudante, o sono ficou mais profundo depois que as noites começaram a ser embaladas pela orientação do app. “Baixei para ver como era e testei algumas meditações. Agora, só durmo ouvindo o app. Sinto que agora durmo muito mais pesado, não acordo nenhuma vez e consigo descansar direto até a manhã seguinte”, conta.

Procura por playlists sobre meditação e guias de relaxamento aumentou 21%. - PIXABAY.COM
Procura por playlists sobre meditação e guias de relaxamento aumentou 21%. (crédito: PIXABAY.COM)

No Brasil, o app de meditação Zen, criado por Christian Wolthers, encontrou a fórmula para atrair usuários como Emanueli. A plataforma, que também está presente fora do País, soma mais de 4,2 milhões de downloads, cerca de 30% deles são usuários em busca de um sono melhor. No conteúdo, 35% das meditações são usadas para driblar a insônia.

“Globalmente falando, aconteceu uma mudança muito grande de comportamento de busca nos apps. Muitas pessoas começaram a procurar recursos tecnológicos para auxiliar na redução da ansiedade e do estresse e na melhora do sono. No primeiro pico da pandemia, no ano passado, a gente teve um aumento de 260% nos downloads”, afirma Wolthers.

Ajuda não é milagre

A SleepUp também segue a proposta de tentar ajudar a melhorar a rotina do sono. O serviço criado por Renata Bonaldi oferece uma plataforma focada em sono, que tem desde meditações a serviços de telemedicina, com especialistas na área. Nascida um pouco antes da pandemia, a empresa viu a procura pelo app aumentar bastante nos últimos meses.

“A gente percebe um interesse muito grande das pessoas em tentar entender e tratar as causas da insônia e tem muita tecnologia que vem pra ajudar. As pessoas estão buscando soluções digitais e querem uma alternativa mais acessível para tratar a insônia que não sejam remédios”, conta Renata.

Os métodos podem ser utilizados como uma ajuda para começar a dormir, afirma a pesquisadora do Instituto do Sono, Monica Andersen, mas é preciso saber como utilizá-los a seu favor. Segundo ela, deve-se ficar atento se o app não demanda olhar muito tempo para o celular ou se ele não tira a atenção da preparação para dormir, que inclui pouca ou nenhuma luz.

“Tudo o que faz bem deve ser incorporado desde que seja de uma forma sensata, com outras mudanças na rotina. Os apps ajudam muito, mas é preciso tomar cuidado para que a pessoa não tenha que levar o celular para a cama e isso atrapalhe. Se o usuário fica mais de uma hora olhando redes sociais, e vai imediatamente para o app tentar relaxar, isso não vai funcionar”, explica Monica.

O que vale é tentar encontrar uma rotina com aspectos da chamada higiene do sono, que regula horários, alimentação e o uso de aparelhos antes de dormir e, claro, conhecer como o seu corpo funciona a partir desses hábitos. Assim, fica mais fácil estabelecer uma rotina e acostumar o ciclo biológico do organismo de que a hora de dormir é sagrada. (Da Redação com Estadão Conteúdo)

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