Sorocaba registra aumento de 61,25% de mortes em casa durante a pandemia
Conforme o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) da Vigilância Epidemiológica, 245 sorocabanos morreram em casa entre os meses de fevereiro a abril de 2020. Crédito da foto: Pedro Negrão / Arquivo JCS (22/12/2015)
Sorocaba registrou um aumento de 61,25% no número de mortes em casa, desde a confirmação da primeira morte por Covid-19 no Brasil. No período analisado, a cidade aparece somente com uma morte confirmada pelo novo coronavírus ocorrida em domicílio. O primeiro óbito de Covid-19 no Brasil foi registrado no último dia 16 de março na capital paulista.
Os dados mostram, ainda, que uma parte das mortes ocorridas em residência teve algumas doenças respiratórias como causa. Porém, os números apontam que a maior parte das causas, no período analisado, são classificadas como “indeterminadas" e "demais óbitos” -- ou seja, que não foi possível confirmar a causa exata das mortes.
A Prefeitura de Sorocaba afirma que, até a presente data, nenhum óbito em domicílio testou positivo para Covid-19, e que todas as unidades de saúde possuem Plano de Contingência para atendimento de casos suspeitos para coronavírus, com fluxo para evitar a transmissão da doença. A classificação de risco do paciente é feita baseada em aspectos clínicos e gravidade do caso.
Segundo os dados dos registros de óbitos feitos pelos Cartórios de Registro Civil (CRC) de São Paulo, no período de 16 de março a 30 de abril de 2020, na comparação com o mesmo período do ano passado, o número de mortes ocorridas em casa, na cidade de Sorocaba, passaram de 80 para 129. Do total de 129 ocorridas em domicílio este ano na cidade, somente uma consta como causa Covid-19 nos registros do CRC.
Os números fazem parte do novo módulo do portal da Transparência do Registro Civil, que foi lançado no último dia 7, e que disponibiliza as informações com base no local de falecimento atestado pelos médicos, disponível na seção Covid Registral. Para dois especialistas em infectologia ouvidos pelo jornal Cruzeiro do Sul, não há somente uma explicação para o aumento das mortes registradas em domicílios na cidade desde a ocorrência da primeira morte pelo novo coronavírus no País.
Os médicos ouvidos pela reportagem acreditam em várias hipóteses, sendo que duas delas apontam para uma possível subnotificação de casos e a falta de testes para confirmar a causa das mortes pelo novo coronavírus. Porém, outras explicações não estão descartadas.
Conforme os dados sobre as pessoas que morreram em suas casas no período comparado, entre as causas determinadas, estão pneumonia, insuficiência respiratória, septicemia (sepse/choque séptico), síndrome respiratória aguda grave (SRAG).
Os dados da seção Covid Registral definem como “indeterminadas” as causas das mortes ligadas a doenças respiratórias que não são conclusivas. E “demais óbitos” são todos os outros tipos de mortes que não estão listados.
Segundo os dados, nas Declarações de Óbito (DO) enviadas pelos Cartórios ao Portal da Transparência, mesmo que não haja a Covid-19 declarada na DO como causa suspeita ou confirmada, procurou-se também avaliar outras causas relacionadas à doença por coronavírus, como as doenças respiratórias.
O Portal também mostra que, no mesmo período comparado, houve aumento de 16% no número de mortes em domicílio em todo o Estado. Em cidades do interior, como Sorocaba, e no litoral do Estado, também houve crescimento de óbitos em residência no mesmo período.
Questionada, a Prefeitura de Sorocaba afirma que, de acordo com os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) da Vigilância Epidemiológica, a diferença de morte em domicílio no período entre um ano e o outro é de 43,27%. Os números do SIM mostram 245 óbitos em casa em 2020, contra 171 em 2019. Os dados são dos meses de fevereiro a abril.
Decreto
Apesar da Prefeitura de Sorocaba afirmar que, até a presente data, nenhum óbito em domicílio testou positivo para Covid-19, foi publicado no Jornal do Município, no último dia 21, um decreto do Executivo que dispõe sobre medidas a serem adotadas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e pelos serviços funerários nos casos de óbitos suspeitos ou confirmados de Covid-19 ocorridos em domicílio.
O decreto determina que o Samu, em caso suspeito de coronavírus, deve notificar a Vigilância Epidemiológica e proceder a coleta de material biológico, para confirmação ou descarte da doença. Deverá, ainda, orientar os residentes a realizar a desinfecção dos ambientes e objetos, entre outras orientações.
Maioria dos óbitos não tem causas definidas
Dificuldade ou falta de atendimento em hospitais e unidades de saúde por conta do risco de infecção pela Covid-19 pode estar relacionada com mortes em casa. Crédito da foto: Vinícius Fonseca / Arquivo JCS (15/5/2020)
A maior parte das mortes ocorridas em casa é classificada como por causas indeterminadas, ou “demais óbitos”. Isso ocorre tanto em 2019 quanto em 2020, mas este ano os números são mais expressivos em Sorocaba. Entre 16 de março e 30 de abril de 2020, por exemplo, das 129 mortes ocorridas em residências na cidade, 106 foram classificadas como demais óbitos, e cinco como indeterminadas. Já no mesmo período de 2019, das 80 pessoas que morreram em casa, 68 foram considerados como demais óbitos.
Deste modo, os números de mortes em domicílio na cidade classificados como demais óbitos são 55,88% maiores em 2020 do que no mesmo período analisado de 2019. Esta classificação exclui, como causa da morte, as seguintes doenças: SRAG, pneumonia, insuficiência respiratória e septicemia.
Das mortes ocorridas em casa com causas definidas, tanto em 2020 quanto em 2019, os números são bem menores. Dos 129 óbitos deste ano, foram nove por insuficiência respiratória, oito por pneumonia e uma por septicemia. E das 80 mortes ocorridas no mesmo período do ano passado, foram seis por Pneumonia, cinco por insuficiência respiratória e uma por septicemia. Não houve mortes por SRAG em residências na cidade no período analisado.
Por conta da pandemia do novo coronavírus, o governo estadual estabeleceu que, nos casos em que há suspeita de causa por Covid-19, não se pode mais fazer a autópsia no corpo, pelo risco que isso representa aos profissionais responsáveis pelo procedimento.
Antes da pandemia, a regra geral determinava que, se a causa não fosse atestada por um médico no hospital, o corpo deveria ser encaminhada para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO). No local é feita uma autópsia no corpo, para se confirmar a causa de morte, que constará no atestado de óbito.
Médicos apontam hipóteses
Entre as hipóteses levantadas pelo especialistas ouvidos pelo Cruzeiro do Sul sobre o aumento do número de mortes em domicílio em Sorocaba durante a pandemia do novo coronavírus, estão a possível subnotificação de casos e a falta de testes para a confirmação ou não da Covid-19.
É o que destacam tanto o médico e professor de infectologia da Faculdade de Medicina da PUC, em Sorocaba, Carlos Alberto Lazar, e a médica infectologista e especialista em saúde pública, Rosana Maria Paiva dos Anjos.
“Não podemos ter certeza das explicações para o aumento no número de mortes em casa na cidade durante o período da pandemia. Pode significar subnotificação, como ocorreu em diversos países do mundo, caso parte dos óbitos sejam por conta do coronavírus”, diz Lazar.
Para ele, outra questão é a falta de testes para realmente confirmar a causa das mortes. “A testagem para o novo coronavírus ainda é muito baixa no Brasil, então, muitos casos acabam escapando da notificação oficial”, destaca.
Rosana afirma que a análise dos números seria mais eficiente se houvesse uma série histórica para comparar os dados. Porém, a plataforma traz somente os dados de 2020 e de 2019. Para ela, a baixa qualidade dos testes disponíveis para confirmar a Covid-19 e a falta de testagem em massa são algumas das explicações possíveis para a situação. Sem os testes, é difícil apontar com precisão o agente causador, por exemplo, de uma infecção pulmonar. “Então, quando o médico atende o paciente que veio a óbito em casa, resta a ele, sobretudo neste momento de pandemia, fazer uma entrevista com algum familiar e colher o máximo de informações possíveis para tentar apontar uma causa morte”, diz.
A médica aponta ainda que, além da subnotificação de casos, pode também ocorrer o contrário -- a supernotificação de mortes pela Covid-19.
Outras hipóteses possíveis estão relacionadas ao medo ou dificuldade das pessoas já bastante debilitadas em função de outras doenças em buscarem atendimento nos hospitais ou unidades de saúde, principalmente por conta do risco de infecção pela Covid-19; os casos em que os pacientes são liberados dos hospitais e acabam morrendo em casa, entre outras causas. (Ana Cláudia Martins)
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