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Sorocaba é cidade de várias ‘línguas’

16 de Agosto de 2020 às 00:01

Sorocaba é cidade de várias ‘línguas’ Adirce nasceu em Iperó, mas mora em Sorocaba desde os 15 anos. Crédito da foto: Fábio Rogério (14/8/2020)

Desde a sua fundação, em 1654, Sorocaba sempre foi local de passagem de inúmeros viajantes com seus mais variados sotaques. Ao longo do tempo, pessoas de diversas regiões do País seguiram o exemplo do rio que nomeia o município e cortaram a cidade de uma ponta a outra, algumas delas se firmando por aqui.

Por isso, nesses 366 anos, a sede da região metropolitana vem acolhendo moradores da vizinhança, de outros Estados da nação e até de outros países, que trazem na sua bagagem novas expressões, novas pronúncias e transformam o português que é falado por aqui.

Sorocaba é cidade de várias ‘línguas’ Denise: as influências são positivas. Crédito da foto: Aldo V. Silva / Arquivo JCS (8/9/2014)

A professora do curso de Letras, da Universidade de Sorocaba (Uniso), Denise Lemos Gomes, explica que a confluência dos povos que já passaram pela região impactaram na concretização do que se conhece como o modo de se expressar do sorocabano. “Várias etnias e culturas formaram e estão formando o jeito de ser sorocabano. Temos influência do sul, gaúcha, por meio sobretudo dos tropeiros. Palavras sulinas que se incorporam aos nossos usos e costumes”, descreve a professora. “Assim também da colonização espanhola. O sufixo ‘ona’, por exemplo, entra em palavras como tontolona, bobona, amigona”, ensina.

Enquanto “ser vivo” a língua portuguesa continua sofrendo suas influências, mesmo com o passar dos anos. Na cidade, novas ondas migratórias foram responsáveis por adicionar outras expressões ao dia a dia de Sorocaba, como destaca a professora. “Atualmente sofremos influência até do linguajar nordestino, principalmente na culinária: baião de dois, escondidinho, etc”, elenca Denise.

Sorocabanos de coração

Nascida em Serra Talhada, em Pernambuco, Ana Paula Freire era repórter recém-formada quando recebeu uma oportunidade de emprego em Sorocaba. Em 1995 ela deixou para trás a capital do agreste, Caruaru, e decidiu se aventurar em solo paulista.

Já em terras rasgadas ela começou a perceber as diferenças do português falado por aqui. “Quando eu cheguei, às vezes, eu não entendia o que o povo falava. Eu também precisei trabalhar com uma fonoaudióloga para limitar um pouco meu sotaque pernambucano para não chocar as pessoas”, explica a repórter que trabalhou em uma emissora de televisão local.

Depois de anos na cidade e já titulada como “Cidadã Sorocabana”, reconhecimento do Poder Legislativo, Ana Paula acabou inserindo no seu dia a dia um pouco das expressões clássicas de Sorocaba. “Hoje em dia eu já falo ‘chovendinho’. Eu amo essa cidade, eu amo o interior, por isso eu estou aqui”, declara a jornalista. De 2017 a 2020, a Câmara de Sorocaba já condecorou 163 migrantes com o Título de Cidadão Sorocabano.

A aposentada Adirce Bellinassi, 76 anos, chegou ainda jovem em Sorocaba e foi abraçando a forma de falar do povo local. Nascida em Iperó e criada em Mairinque (cidades da Região Metropolitana), aos 15 anos, junto da família, ela se mudou para Sorocaba onde mora há 61 anos. A ex-revisora de jornal aprendeu ainda cedo a forma como se falava na Manchester Paulista. “Comecei a trabalhar na Folha Popular revisando os textos que saiam no jornal. Eu acabei me acostumando com o sotaque e as expressões usadas aqui”, lembra a aposentada.

Jeito interiorano

Sorocaba é cidade de várias ‘línguas’ Alessandro é de Santa Rita do Passa Quatro e há 8 anos está em Sorocaba. Crédito da foto: Fábio Rogério (14/8/2020)

O professor universitário Alessandro Jordão, 30 anos, deixou Santa Rita do Passa Quatro, passou por Araraquara, morou na cidade do Porto, em Portugal, mas viu em Sorocaba um lugar para construir sua vida. “A primeira coisa que eu vi quando cheguei aqui foi o rio Sorocaba, que foi bem marcante”, relembra.

Radicado há oito anos no município, sete deles vivendo na rua da Penha, centro da cidade, Jordão destaca o acolhimento que recebeu por aqui, algo que o fez se sentir tão à vontade a ponto de adicionar no seu próprio vocabulário as expressões que ele viu sendo usadas pelos nativos das terras rasgadas. “Eu tenho meu sotaque caipira que eu trago da minha região. Eu tinha muita dificuldade de assimilar as palavras locais. Mas eu vejo que depois de todo esse tempo aqui em Sorocaba eu me habituei a falar ‘chovendinho’, ‘castele’ (observar, prestar atenção em algo), entre outras, mesmo que usando a minha própria pronúncia”, analisa.

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Espanhóis, portugueses, japoneses, pernambucanos, alagoanos, paranaenses e tantos outros migrantes e imigrantes que se estabeleceram por aqui foram responsáveis por enriquecer não só a língua, mas toda a cultura da cidade, doando e recebendo sotaques, todos eles desempenharam e ainda desempenham um papel singular na formação de Sorocaba, garante a professora Denise. “O idioma, sobretudo o falado, é oficina da língua, a alquimia que transforma o linguajar, com novos termos, novas metáforas. Por isso o intercâmbio é sempre bom e criativo”, finaliza a professora. (Wesley Gonsalves)

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