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Delimitação

Incra inicia processo de regularização de comunidade quilombola em Votorantim

Local não tem saneamento básico e, segundo os moradores, população não recebe assistência da Prefeitura

08 de Maio de 2024 às 22:35
Vanessa Ferranti [email protected]
Área está localizada nos municípios de Votorantim e Salto de Pirapora
Área está localizada nos municípios de Votorantim e Salto de Pirapora (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO 08/05/2024)

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão do Governo Federal, iniciou o processo de regularização da comunidade quilombola José Joaquim de Camargo, núcleo Votocel, localizada em Votorantim. Uma reunião entre o órgão e a comunidade ocorreu em março. Já nesta semana, uma equipe do Incra está na comunidade para fazer o trabalho de campo, como cadastro de famílias, delimitação territorial, identificação de proprietários, pesquisa bibliográfica, entre outras atividades.

Conforme Thais Cristina Albano, antropóloga do Incra, a primeira etapa do processo é a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). O objetivo desse documento é identificar os limites das terras das comunidades remanescentes de quilombos. “Dentro desse relatório tem várias peças. Tem o relatório antropológico, levantamento fundiário, levantamento cartográfico, o cadastro, então, vamos reunindo todas essas peças para formar esse relatório maior e ter todas as informações sobre a comunidade, inclusive históricas, principalmente relacionadas a identidade, ao histórico e a forma que a comunidade se relaciona com a sociedade e vice-versa”, explicou.

Durante esse processo, o Incra também notifica órgãos como o Ibama e o Ministério Público. “Notificamos para informar que começamos os estudos e para saber se eles têm alguma coisa a acrescentar, se têm alguma informação sobre o território, algum tipo de interesse, e vamos desenvolvendo o trabalho dessa forma”, acrescenta a antropóloga.

A Comunidade Quilombola José Joaquim de Camargo está localizada nos municípios de Votorantim e Salto de Pirapora. A população que vive nesses locais é descendente de José Joaquim de Camargo, escravo alforriado que era capataz do capitão Jesuíno Cerqueira César.

Segundo informações do Mapa de Conflitos da Fiocruz, José Joaquim de Camargo comprou 84 mil alqueires de terras do capitão por 400 mil réis, sendo essas ricas em minério. A escritura de compra das terras foi datada em 02 de novembro de 1874 e descreve os limites da área adquirida com referência aos córregos e às cachoeiras da região.

Ainda de acordo com o órgão, a comunidade, dividida em dois núcleos, Votorantim e Salto de Pirapora, conseguiu em 31 de dezembro de 2008 a Certidão de Remanescente de Quilombo (CRQs), emitida pela Fundação Cultural Palmares, após autodeclaração.

No entanto, segundo a população local, a Prefeitura de Votorantim não reconhece a comunidade como quilombola e não presta assistência aos moradores da área. “Aqui é um descaso total, é esgoto a céu aberto, eu não tenho como plantar alface, eu tinha agricultura aqui, mas o pessoal não queria mais comprar alface porque tem um esgoto a céu aberto que eles não querem colocar cano, fico em uma situação dificil”, ressaltou Amaro Fernandes, de 57 anos, presidente da Associação José Joaquim de Camargo.

Alifer Camargo, líder quilombola e filho de Amaro, diz que a comunidade vive sem nenhum apoio. “Existe o nosso quilombo aqui no município, mas querem esconder. Não é vantagem uma comunidade carente com pessoas pobres”, declarou.

O Cruzeiro do Sul esteve na comunidade na terça-feira (7) e constatou que muitas famílias vivem em casas de madeira, com esgoto a céu aberto. A rua é de terra e há bastante mato no entorno. Para ir até à escola, as crianças passam por um barranco. Os moradores declaram, ainda, que a via onde vivem@TEXT-BK: não tem nome e nem Código de Endereçamento Postal (CEP). Assim, eles são impossibilitados de realizar vários procedimentos, como parcelamentos de contas, por exemplo.

Dessa forma, o Incra notificou a Prefeitura de Votorantim sobre a abertura de processo administrativo para a regularização fundiária. No documento consta que as comunidades quilombolas têm direito à autoidentificação de sua identidade, e que o Estado Brasileiro não tem o direito de negar a identidade quilombola assumida por uma comunidade. Além disso, a notificação ressalta que o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Brasileira e a à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) garantem aos quilombolas o direito à terra.

“Enquanto órgão federal, entendemos que o papel da Prefeitura, enquanto órgão municipal, é proteger e cuidar dos interesses locais, então, é de responsabilidade do poder público cuidar da comunidade. A comunidade não tem energia elétrica regular, não tem coleta, não tem água, então, isso é de responsabilidade da Prefeitura, inclusive, não foi só o Incra que notificou, o Ministério Público também notificou a administração, porque a gestão atual não reconhece a comunidade quilombola, núcleo Votocel, enquanto quilombola”, enfatizou a antropóloga.

Resposta

A reportagem questionou a Prefeitura de Votorantim sobre a situação da comunidade e os apontamentos do Incra. Em nota, o poder público municipal afirmou que “trata-se de uma área invadida. Existe uma disputa judicial entre os invasores, que se declaram descendentes de quilombolas, e a proprietária titulada Grupo Votorantim S/A. A irregularidade da invasão da área está sendo discutida na Justiça Comum - Comarca Votorantim”. Sobre a prestação dos serviços públicos, a prefeitura afirmou que “presta assistência à comunidade, tanto educacional quanto médico-hospitalar. Na área da educação, oferece educação básica, transporte escolar, alimentação escolar, material didático e uniforme escolar. Na saúde, as demandas são atendidas na Unidade de Estratégia da Saúde da Família (ESF) da Vila Amorim.” Contudo sobre a demarcação de ruas para endereçamento, ligação de água e coleta de esgoto, a administração reiterou que como a área é objeto de um processo judicial de reintegração de posse “o município não pode intervir porque é uma área em disputa”. Ainda sobre a situação, a prefeitura disse na nota que “todas as ações relacionadas ao tema são tomadas da estrita legalidade e observância aos ditames constitucionais”.

 

 

 

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