Para refletir
Nova onda de fake news já fez vítima em Salto de Pirapora
Há uma nova onda de desinformação no Brasil, impulsionada por conteúdos e notícias falsas (fake news) nas áreas de saúde, educação e atreladas aos costumes. Neste primeiro trimestre de 2024, teorias conspiratórias se propagaram nas redes sociais com informações falsas sobre vacinas, dengue, aborto, escola sem partido, doutrinação partidária, cultura LGBT e erotização, observam pesquisadores.
Em anos eleitorais, a situação tende a ficar mais sensível, de modo que a Justiça Eleitoral se antecipa a essas questões e estabelece regras para o período do pleito, pelas quais as punições são incisivas, como, por exemplo, até mesmo a cassação de um partido inteiro, caso seja necessário.
Em Salto de Pirapora, na Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), um homem foi preso suspeito de difamação após divulgar uma notícia falsa envolvendo o secretário da Saúde da cidade, Beto Jordão. O boletim de ocorrência sobre o caso foi registrado na quarta-feira (27) pelo agente municipal. A reportagem sobre esse caso foi publicada na edição de ontem do Cruzeiro do Sul.
Conforme o registro policial, Beto Jordão foi até a delegacia acompanhado de seu advogado e informou que foi vítima de difamação por meio de uma “fake news” nas redes sociais. A publicação dizia que o “secretário da Saúde contratou uma Organização Social por um valor absurdo”. Além disso, a “notícia” estava com o logo de um veículo de imprensa local. No entanto, segundo o BO, a “noticia” jamais foi divulgada pelo veículo de comunicação.
Após o registro do boletim de ocorrência, a Guarda Civil Municipal (GCM) foi até a casa do suspeito e deteve o homem. Na delegacia, foi arbitrada fiança no valor de R$ 3 mil. A fiança foi paga e o homem responderá pelo crime em liberdade. Ainda, segundo a polícia, o autor da publicação já possui quatro passagens pelo mesmo crime e, inclusive, foi indiciado há um mês.
Em nota, a Prefeitura de Salto de Pirapora confirmou que Beto Jordão registrou o boletim de ocorrência já que foi vítima de difamação.
Eleições e fake news
A jornalista e pesquisadora Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), do Rio de Janeiro, afirma que a propagação de fake news é intensificada em anos eleitorais, por isso as pessoas precisam ficar atentas a esse tipo de crime, que pode induzi-las a erro na hora de votar. Uma verdadeira guerra digital, acrescenta.
Há ainda um ataque sistêmico à mídia tradicional. “A manipulação da informação também é promovida pelo grande ataque à credibilidade dos jornais, rádios, emissoras de televisão e jornalistas. Outro objetivo é identificar pontos mais sensíveis na polarização da sociedade e minar o trabalho sério da imprensa tradicional”, explica Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo (OAB-SP).
Quando o assunto é saúde, a disseminação de ideias-chave pelas redes sociais vive um momento crescente e “utiliza a política para convencer a população e criar pânico verbal”, alerta a especialista Magali Cunha.
“O nosso monitoramento de grupos de influenciadores religiosos aponta um verdadeiro bombardeio de conteúdos falsos, que depois acaba sendo alimentado pela própria grande mídia. São notícias com títulos enganosos, que podem induzir leitores a construir pensamentos e ações negativas sobre determinadas pautas. Estamos num momento muito grave do ponto de vista da comunicação e da informação. Isso passa pelos produtores e disseminadores da desinformação, os chamados influenciadores das fake news. Mas a grande imprensa e muitos políticos também têm seu papel negativo nesse ecossistema, porque municiam a desinformação com conteúdo não verdadeiro, que depois é trabalhado por esses grupos”, avalia Magali.
Manipulação e inteligência artificial
Para Eliara Santana, pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Universidade Estadual de Campinas (CLE/Unicamp), onde atua no projeto Pergunte a um/uma cientista e integrante do Observatório das Eleições, houve um recuo programado na disseminação de fake news no fim de 2022.
“Mas ao longo de 2023 isso foi retornando. Trata-se de uma estratégia. Agora tudo volta com muita força”, analisa Eliara.
A manipulação da opinião pública por meio da desinformação, rememora Solano de Camargo, ficou evidente no processo de consulta da população do Reino Unido sobre a saída da União Europeia em 2020 e vem se aperfeiçoando cada vez mais, principalmente agora com o uso de inteligência artificial.
“Os processos são muito elaborados e planejados com o uso de deep fake [técnica que permite alterar um vídeo ou foto com ajuda de inteligência artificial] para alterar discursos, alterar textos escritos, áudios, fotos e vídeos. Pode-se manipular a opinião pública como quiserem, o que terá reflexos, inclusive, em pesquisas de opinião”, afirma o advogado.
Somente uma plataforma de checagem de conteúdo, a Agência Lupa, que integra o The Trust Project no combate à desinformação e educação midiática, registra que em janeiro e fevereiro, mais os 15 primeiros dias de março deste ano, foram analisadas 137 informações que circulam pelas redes sociais com conteúdo falso.
A dengue é uma pauta predominante nesse período, com 28 postagens listadas pela Lupa. São falsas notícias com receitas milagrosas para a cura da doença, indicação de medicamentos, entre outros temas relacionados, que chamam a atenção do cidadão e criam teorias conspiratórias que se propagam pelas redes sociais com informações falsas.
Ainda de acordo com registros da Lupa, em 2023 houve a checagem de 4.009 postagens falsas com inúmeros conteúdos, o que perfaz uma média de 5,5 notícias desinformativas e manipuladoras por dia.
Circuito desinformativo
O ecossistema de desinformação é retroalimentado por um circuito onde as fake news trafegam e ganham cada vez mais espaço, sem que as pessoas percebam.
“Tudo começa com um meme com desinformação que viraliza. Então, esse meme é replicado por um veículo de imprensa, que vai usar a informação, fazer entrevistas, repercutir tal fato/caso. Na sequência, um parlamentar sobe na tribuna da Câmara, em Brasília, ou nos estados ou municípios, e faz um discurso sobre o mesmo tema, dando legitimidade ao conteúdo. É o que faltava para que a grande mídia faça matérias a respeito, alimentando esse ecossistema de desinformação”, explica Magali Cunha.
Tudo isso é transformado em mensagens, que são repetidas à exaustão em grupos de WhatsApp e em redes sociais. “Cria-se uma bolha informacional na medida em que pessoas com interesses parecidos compartilham entre si os mesmos conteúdos”, chama a atenção a pesquisadora Eliara Santana. Assim, o algoritmo detecta essa ocorrência e aprende aquilo que o grupo entende ser importante e quer receber.
O Código Penal e o Poder Judiciário são importantes respostas da sociedade para combater a desinformação e fake news. “Mas a melhor resposta é o letramento, o ensinamento sobre o que é desinformação e suas consequências, além da divulgação de fontes de informação confiáveis e a valorização da mídia tradicional e do trabalho de jornalistas éticos e respeitados”, observa Solano de Camargo, da OAB-SP.
Pesquisa Senado
Pelo menos 76% da população brasileira foi exposta a informações falsas sobre política no segundo semestre de 2022. Essa é uma das constatações registradas no Panorama Político 2023, uma pesquisa do Senado Federal que investigou as opiniões sobre democracia, sociedade e prioridades do cidadão em um contexto pós-eleitoral.
A pesquisa revelou que 89% dos entrevistados disseram ter tido contato com notícias falsas sobre políticas que acreditavam ser falsas. Mais ainda, entre os usuários de WhatsApp e Telegram, 67% entendem que tiveram acesso a algum tipo de conteúdo que pode ser desinformativo. Esse número sobe para 83% no Facebook, Instagram e Youtube.
O levantamento mostrou que 9 em cada 10 brasileiros (91%) concordam que as redes sociais influenciam muito a opinião das pessoas. O percentual de concordância foi o mesmo para a afirmação de que notícias falsas trazem risco para a sociedade. Para 82% dos entrevistados, nas redes sociais as notícias falsas ganham mais visibilidade do que as notícias verdadeiras.
Em relação ao papel da legislação, 80% dos entrevistados acreditam que a criação de uma lei específica de combate às notícias falsas contribui para diminuir a quantidade de notícias falsas nas redes sociais. (Da Redação, com informações da Agência Brasil)
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