Rádio AM aguarda migração para reviver em FM
Em Sorocaba, as rádios Boa Nova (AM 1080), Cacique (AM 1160) e Vanguarda (AM 1210) devem passar a transmitir em FM estendido, entre 76 e 87,9 mHz. Crédito da foto: Fábio Rogério
Principal meio de comunicação do Brasil em um passado não muito distante, o rádio permanece ativo e em constante transformação. A mais recente, ainda em curso, é a migração das rádios AM (amplitude modulada) para a faixa FM (frequência modulada).
O processo de transição é resultado de um decreto assinado presidencial de 2013, com intuito de modernizar as emissoras AM, tecnologia que ficou obsoleta em virtude do excesso de ruídos provocados por interferências de inúmeros componentes eletrônicos do cotidiano como computadores e lâmpadas econômicas.
Além de oferecer qualidade de transmissão superior, a faixa FM dá ao ouvinte a possibilidade de captar o sinal em smartphones e tablets, dispositivos móveis que ameaçam a sobrevivência do bom e velho rádio portátil.
A mudança foi efetivada em centenas de dezenas de municípios do país -- somente neste ano, mais de 600 rádios AM migraram para a faixa FM. No entanto, boa parte das capitais e de cidades de grande porte -- incluindo Sorocaba, onde há grande ocupação de emissoras na faixa FM convencional -- ainda aguarda o aval da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A previsão é migração total ocorra até o final de 2021.
Para acomodar as emissoras AM no novo espectro, a Anatel está criando a “banda extra”, que vai operar na faixa de 76 megahertz (mHz) a 87,9 mHz. Até 2018 essa fatia era utilizada pela TV analógica (VHF), cujo sinal foi desligado com a adoção da TV digital. Com isso, o ouvinte terá um dial estendido em relação ao tradicional (que vai de 87,9 mHz a 107,9 mHz).
Para José Eduardo Cappia, da Aesp, mudança é uma questão de sobrevivência para as emissoras. Crédito da foto: Divulgação
O novo regulamento técnico que consolida a adoção da faixa estendida da FM entraria em vigor no dia 11 de agosto, mas foi prorrogado pela Anatel por mais 60 dias em função da pandemia do novo coronavírus. De acordo com o diretor-técnico da Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Aesp), José Eduardo Marti Cappia, na prática, por questão de sobrevivência, o rádio AM está com os dias contados. “A mudança de faixa foi facultativa (às emissoras AM), mas imperativa em função da tecnologia”, comenta.
Segundo dados da Aesp, das 1.781 emissoras AM de todo o Brasil, 1.680 optaram pela migração e 1.200 já conseguiram pares na faixa convencional da frequência FM. “Temos entre 300 a 400 estações para serem acomodadas, incluindo a região de Sorocaba, que tem três emissoras de AM. Naturalmente elas terão de ir para a faixa estendida, porque não cabem na faixa convencional”, detalha. As estações são: Boa Nova (AM 1080), Cacique (AM 1160) e Vanguarda (AM 1210).
Mudança de faixa deve iniciar nova era de programação
Zilá Gonzaga testemunhou todas as mudanças do rádio desde os anos 1950 e se prepara para mais um desafio. Crédito da foto: Fábio Rogério / Arquivo JCS (2/6/2016)
Dona de uma das vozes mais famosas do rádio sorocabano, a radialista Zilá Gonzaga foi testemunha de todas as mudanças tecnológicas da faixa AM desde que iniciou a carreira, em 1950 -- duas décadas antes da primeira estação FM de Sorocaba. Para ela, a mudança de banda não representará o fim de uma era, e sim mais uma das constantes evoluções do rádio, pois oferecerá melhor definição de áudio aos seus assíduos ouvintes. “A programação não vai terminar. Ela vai continuar, com melhor qualidade”, prevê.
Temporariamente afastada do seu programa, transmitido diariamente das 13h às 15h pela Cacique AM, por conta da pandemia, Zilá também é apresentadora “A hora do Rei”, irradiado pela Cacique FM aos domingos de manhã. Com propriedade, ela ressalta que há diferenças na forma de falar em cada um dos microfones. “No AM as interpretações tem de ser mais calma, pausada. No FM o pessoal já fala mais rápido, mais animado”, comenta.
O locutor, narrador e jornalista José Desidério prevê reinvenção das AMs com a migração para o FM estendido. Crédito da foto: Fábio Rogério
Com 58 anos de rádio, o locutor, narrador esportivo e jornalista José Desidério também acompanhou a evolução do meio e acredita que a mudança de faixa exercitará a resliliência dos diretores artísticos e locutores. “A rádio AM é a verdadeira rádio do povo, mas, se mudar para a FM, para ter audiência e sobreviver à concorrência brutal, vai ter de mudar a programação. As rádios vão ter de se reinventar”, assinala.
O aposentado Manoel Aparecido Dias, de 63 anos, aprendeu a ter o rádio como companheiro ainda na infância, quando ouvia os jogos do Santos FC ao lado do pai, em Itambaracá, no norte do Paraná. Além de continuar acompanhando as transmissões de futebol, ele afirma que tem as emissoras AM como aliadas para conseguir ouvir “músicas de qualidade” -- como define as canções que resistem ao tempo e não possuem o apelo comercial das predominantes da faixa FM. Aliás, ele lembra que na década de 1970, quando ainda não havia internet, as emissoras disputavam as melhores novidades nacionais e internacionais. “Foi a fase em que eu mais curti música, era muito diversificado. Agora parece que é tudo igual”, comenta.
Receptores
Manoel Dias, ouvinte: AM é refúgio contra música comercial. Crédito da foto: Fábio Rogério
Com a adoção da faixa estendida, os receptores também precisarão se adequar. Cappia cita que uma portaria interministerial, dos então ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Ciência, Tecnologia e Inovação determinou que todos os receptores produzidos a partir de janeiro de 2019, incluindo de automóveis, tenham dial com sintonia entre 76 a 108 mHz. O diretor técnico menciona que, com o intuito de estimular o consumo da radiodifusão, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que obrigará a chamada recepção livre -- isto é, sem ser pelo streaming -- de rádios FM nos celulares das plataformas Android e iOS. “Nas residências, o receptor de rádio está se tornando raridade. Antes eram três por casa, hoje não chega a um”, afirma.
Mas com o advento dos smartphones, do consumo de músicas em plataformas de streaming e do consumo de notícias em podcasts, o rádio tem seu futuro ameaçado? Para Cappia, o rádio ainda tem uma longa vida pela frente. “O rádio vai permanecer sem dificuldade alguma. É o que menos sofre com a evolução dos meios de comunicação porque imagem concorre com imagem. A televisão (aberta) está enfrentando dificuldade. Evoluiu tanto que entregou tudo para a SmartTV”, comenta.
José Desidério aponta a instanteneidade como outro ponto a favor do rádio. “Será o único meio de comunicação que vai conseguir transmitir o fim do mundo”, brinca. Mesmo com acesso a uma SmartTV, Manoel Dias afirma que prefere o bom e velho rádio pela questão prática. “Televisão ou computador tem que ficar parado na frente. O rádio a gente pode deixar ele ligado e fazer outras coisas”, argumenta. (Felipe Shikama)
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