Obra ousada de ponte estaiada se torna cartão-postal
O Arco da Inovação é uma ponte estaiada em dois níveis que passou a ligar três avenidas movimentadas ao lado de um córrego. Crédito da foto: Divulgação / PM S.J. Campos
Sorocaba é uma cidade que, com maior ou menor velocidade, não parou de crescer pelo menos nas últimas três décadas e tem lá seus elementos arquitetônicos para compor um cartão-postal. Sede de região metropolitana, concentra um amplo e diversificado parque industrial, além de comércio e serviços vigorosos.
Esse crescimento das últimas décadas, tanto na área industrial como na expansão da malha urbana, tornou o sistema viário insuficiente para dar vazão ao tráfego. Isso criou pontos críticos em vários lugares da cidade em determinados horários.
São cruzamentos de duas ou mais vias em que os semáforos não conseguem dar vazão correta ao trânsito. Dessa forma, os congestionamentos e o risco de acidentes tornam-se inevitáveis.
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Sistema BRT
Alguns desses cruzamentos ficarão com o trânsito mais complicado quando entrar em funcionamento o sistema Bus Rapid Transit, o BRT, com seus ônibus articulados e que transitarão em trechos fora de seus corredores exclusivos.
Por falta de planejamento, inclusive, a cidade foi surpreendida recentemente por mudanças nos itinerários da algumas linhas por conta da impossibilidade dos ônibus articulados passarem pelos pontilhões da praça da Bandeira, obrigando-os a trafegar por vias alternativas, inadequadas para esse tipo de transporte.
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Cruzamentos complicados
Sorocaba tem vários cruzamentos complicados. Como exemplo, um típico cruzamento problemático é o existente entre as ruas Hermelino Matarazzo, José Joaquim de Lacerda, avenidas Ipanema e Brasil e Comendador Oeterer, vias que dão acesso à zona norte da cidade e têm movimento intenso.
Nesse local vai começar a construção de um viaduto convencional, uma maneira encontrada pelos técnicos para melhorar a fluidez do trânsito. Outro ponto crítico fica na zona sul, região que cresceu com empreendimentos comerciais e inúmeros condomínios residenciais nos últimos anos.
Trata-se do cruzamento entre as avenidas Washington Luiz, Barão de Tatuí, que ali termina, Antonio Carlos Comitre e ainda avenida Arthur Fonseca, onde o trânsito é problemático nos horários de pico.
Projeto ousado
São José dos Campos, município industrial do Vale do Paraíba, com porte semelhante e orçamento muito próximo ao de Sorocaba tinha há anos um cruzamento igualmente problemático em área nobre da cidade e optou por uma solução que mescla engenharia de ponta e obra de arte, uma ponte estaiada em dois níveis entre as avenidas São José, Jorge Zarur e Cassiano Ricardo, no bairro Colinas.
Com a intenção de desafogar o trânsito na região e eliminar os semáforos, por onde trafegam 180 mil veículos por dia, a obra tinha a finalidade de causar impacto visual. Por isso, a ponte impressiona e pode ser vista a distância. Assim, o novo cartão-postal da cidade recebeu o nome de Arco da Inovação e já faz parte da identidade visual daquela cidade.
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Desenvolvimento acelerado
Esse município teve seu desenvolvimento acelerado nos anos 1950 devido sua localização às margens da rodovia Presidente Dutra, que une os dois maiores centros consumidores do País, Rio de Janeiro e São Paulo, tem um orçamento para 2020 de R$ 3,02 bilhões, cerca de R$ 300 milhões menor que o de Sorocaba.
Mas como todo município brasileiro de grande porte, precisou recorrer a empréstimo para a realização da obra e recorreu ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Orçado inicialmente em R$ 48 milhões, com reajustes o viaduto acabou custando quase R$ 63 milhões.
O sistema de pontes custou R$ 63 milhões e foi financiada pelo BID. Crédito da foto: Divulgação / PM S.J. Campos
A obra foi iniciada em 2018 e concluída em maio deste ano. Trata-se de um viaduto em dois níveis, um sobre o outro em forma de “x” para ligar as avenidas.
O viaduto inferior tem 267 metros e o superior 349 m e o mastro central tem altura de 100 metros. O projeto do viaduto foi do engenheiro Catão Francisco Ribeiro, que também projetou a ponte estaiada de São Paulo.
Oito meses de atraso
A obra sofreu atraso de oito meses e foi completamente concluída no final do mês de maio deste ano. Uma construção desse porte e com essa sofisticação foi bastante questionada, tanto por partidos de oposição como pelo próprio Ministério Público que questionou a eficácia do projeto como solução para aquela região.
Por conta dessas características, a construção chegou a ficar paralisada por ordem judicial e os aditivos feitos pela prefeitura somaram mais R$ 13 milhões ao custo inicial da obra.
Segundo o secretário de Mobilidade Urbana de S. J. dos Campos, Paulo Guimarães, três motivos levaram à opção por esse tipo de construção. O primeiro seria o custo de desapropriações. Para um viaduto convencional seria necessário desapropriar 120 m a mais, o que atingiria naquele local um supermercado, shopping, prédios e posto de combustível.
Em segundo lugar vem a questão do impacto ambiental, pois essa técnica de construção é menos agressiva ao meio ambiente, uma vez que tem poucos apoios no solo. Como terceiro motivo, está a questão do método de construção. A ponte é construída para dentro e não houve necessidade de interdição de algumas vias. Pontes estaiadas são construídas de cima para baixo.
Beleza e funcionalidade
De acordo com o professor de arquitetura e urbanismo na Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (Esamc) de Sorocaba, Fellipe de Andrade Abreu e Lima, construções de pontes estaiadas embelezam o local de instalação. Contudo, elas precisam ter características arquitetônicas que auxiliem o trânsito.
“No caso da arquitetura e engenharia as pontes são construções que podem ser mais ou menos funcionais e/ou belas. O aspecto turístico se torna relevante quando a cidade em si não é, geralmente, atrativa e não possui alto valor estético enquanto produção cultural social”, avalia o especialista.
Sem previsão
Apesar de ser uma necessidade atual, a Prefeitura de Sorocaba não tem previsão de quando poderá realizar novas empreitadas no município, entre as justificativas está o problema recorrente da falta de verbas. A Secretaria de Mobilidade e Desenvolvimento Estratégico (Semob) justificou que a construção de uma ponte estaiada está fora dos planos da municipalidade porque esse tipo de obra poderia custar até 30% a mais do que um viaduto convencional.
Em relação ao problema de tráfego que acontece na região do cruzamento entre as avenidas Washington Luiz, Barão de Tatuí, a municipalidade alegou também que apesar de ser uma obra arquitetônica essa ponte elevada e mantida por cabos poderia esconder um ponto turístico já existente, o parque Kasato Maru, uma homenagem à colônia japonesa de Sorocaba.
Modelo de tráfego
A decisão do modelo de obra levou em consideração um estudo de tráfego. Foram analisados possíveis impactos nas vias ao longo de aproximadamente dez anos, período da construção. “Se você faz um viaduto, você quebra o visual arquitetônico do parque.
Já a trincheira tem a função de levar o trânsito para baixo, sem ser um obstáculo visual. A ponte estaiada é muito bonita, mas por ser uma estrutura alta de concreto ela causa um impacto visual, chamando mais atenção que o próprio parque”, explica José Mendes Netto, engenheiro e técnico da Semob.
Falta de planejamento
O professor Lima critica a falta de planejamento do Poder Executivo em suas gestões anteriores. Segundo ele, esses governantes não previram o crescimento exponencial do município e alerta que a necessidade de instalações de pontes já demonstra que a cidade foi transformada de modo intenso.
“Um planejamento adequado já prevê os locais onde serão necessárias pontes com décadas de antecedência”, explica. “Eu me pergunto até quando as cidades serão planejadas por empreiteiras e vereadores que não são capacitados para fazer leis urbanísticas e os técnicos e as equipes de planejamento urbano das prefeituras ficarão tendo de assistir a tudo que ocorre de mãos atadas?”, questiona o professor.
Lima aponta que a administração pública não deve levar em consideração apenas as questões financeiras, uma vez que elas podem acabar impactando negativamente em algo crucial como a mobilidade. “As vantagens e desvantagens são relativas. Vantagens econômicas podem criar desvantagens estéticas e funcionais, por exemplo”, analisa.
Túneis são opção
Além das pontes elevadas, o arquiteto traz mais uma opção na mobilidade urbana, os túneis. Esses equipamentos são uma forma de beneficiar motoristas, usuários do transporte coletivo e aqueles que andam a pé. Por isso, essa foi a alternativa encontrada por Boston, no estado americano de Massachusetts, que reinventou o uso das clássicas travessias.
“A cidade fez uma grande mudança urbana e criou parques maravilhosos nos lugares das pontes enormes e fez inúmeros túneis para dar fluidez ao trânsito. Essa grande mudança chamada ‘Charles River Urban Design‘ é até hoje um grande exemplo de sucesso utilizada como referência”, ensinou o professor universitário.
Plano Diretor de Mobilidade Urbana
De acordo com o Plano Diretor de Transporte e Mobilidade Urbana do Município (Pdtum), é uma obrigação do município desenvolver programas voltados para a qualificação urbanística, ambiental e paisagística dos espaços públicos. Também tem de priorizar o deslocamento realizado a pé, desenvolver o transporte coletivo, estimular o uso de combustíveis renováveis, entre outras atribuições.
Contudo, todos esses processos passam diretamente pela disponibilidade financeira. E esse item é algo que, nesse momento, a Prefeitura não tem encontrando diante da crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus.
Por enquanto, Sorocaba segue sem nenhuma estimativa de quando resolverá as questões envolvendo a mobilidade urbana. Pode ser por meio de pontes estaiadas, viadutos, trincheiras, ou outras soluções claras para a redução do já conhecido e temido trânsito sorocabano. (Da Redação)
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