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Natal: fé, história e tradição além da celebração

Data cristã reúne diferentes interpretações religiosas, práticas sociais e significados construídos ao longo do tempo

23 de Dezembro de 2025 às 20:56
Vernihu Oswaldo [email protected]
Professor Henrique Cavalcanti explica a origem da celebração
Professor Henrique Cavalcanti explica a origem da celebração (Crédito: ARQUIVO PESSOAL)

Nasceu. Pisou nesta terra. Em Belém. A tradição cristã narra um nascimento simples, plebeu, distante do poder e das grandezas do mundo. Apesar das diferenças entre vertentes e interpretações, há um consenso em torno dessa cena inicial: a centralidade da fé cristã nasce na humildade.

Pensar em Natal, quase sempre, é pensar em mesa farta, presentes, luzes e família. Ao longo do tempo, a celebração acumulou significados, atravessou culturas, hábitos e expectativas, se tornando mais do que um evento religioso — um marco social, simbólico e afetivo.

Mesmo dentro das tradições cristãs, há diferenças. Olhares distintos, lentes diversas, pontos de vista próprios. Todos, porém, voltados para a busca do bem, da fé e da caridade. Um padre católico, um pastor evangélico e uma estudiosa espírita coincidem ao afirmar que o Natal é tempo de celebração e esperança. As distinções não apagam a beleza da mensagem. Da palavra. Do verbo que atravessa o tempo.

Antes mesmo de chegar aos altares, púlpitos ou salas de estudo, o Natal precisou se organizar no tempo. A data, os costumes e os símbolos que hoje parecem naturais foram sendo construídos ao longo da história, em diálogo com culturas, calendários e disputas de sentido.

O tempo histórico

Originalmente, o fim de dezembro era marcado por uma festa de celebração ao Deus Sol, na Roma Antiga. “Celebrar o Sol neste período expressava a crença de que ele iria ‘renascer’ na Primavera e no Verão”, explica o professor de história Henrique Cavalcanti de Albuquerque. Com o crescimento do cristianismo, ainda segundo o professor, o imperador Constantino oficializou o Natal como celebração do nascimento de Jesus Cristo. A mensagem, porém, manteve semelhanças: renovação, luz e esperança.

O tempo da fé

Em diferentes espaços, o Natal assume formas próprias. Salas, igrejas, centros espíritas. Objetos, imagens, vozes. O espaço parece não importar. A mensagem, sim. Na sala de casa, uma Bíblia aberta, anjos, uma árvore de Natal e fotografias. Dos que já foram. Dos que ainda estão. Com voz calma, dona Maria Clara Brenga Chiozzotto, de 85 anos, resume sua fé: “O Natal é a data máxima do cristianismo. Adoramos muito Jesus, em primeiro lugar Deus, em segundo lugar Jesus, que é o máximo, o espírito mais adiantado que passou pelo nosso planeta. De uma luz imensa. É o espírito que nós amamos muito”. No espiritismo, segundo ela, não há a crença na ressurreição de Jesus. Cristo seria um espírito altamente evoluído, que permanece próximo do planeta para auxiliar a humanidade.

Já para o padre Fernando Henrique Giuli Batista, pároco da Paróquia São Francisco de Assis, em Sorocaba, a antiga festa pagã foi ressignificada. “Jesus é o Sol do mundo, a luz do mundo. Por isso o dia 25 de dezembro.” Mais do que recordar um nascimento histórico, o padre destaca o sentido litúrgico da data: “A cada ano, atualizamos o mistério do nascimento, da morte e da ressurreição de Jesus. A liturgia é isso: atualizar a presença de Cristo no meio de nós”.

“Sem Jesus não tem Natal”, afirma Ranieri Costa, pastor Batista e professor da Universidade de Sorocaba (Uniso). Ele explica que, apesar das diferenças entre denominações evangélicas, o centro da celebração é comum: “O Natal é sobre a esperança do nascimento do Salvador. Uma esperança de reconciliação com Deus, consigo mesmo, de vitória sobre a morte e de vida genuína, que se concretiza na ressurreição, celebrada na Páscoa”.

O tempo social

No Centro Espírita Fé em Deus, um dos mais tradicionais de Sorocaba, o Natal é marcado por atividades culturais e solidárias. Corais adulto e infantil, apresentações da orquestra do próprio Centro e peças teatrais que narram passagens bíblicas fazem parte da programação. “Ali homenageamos muito Jesus”, afirma dona Maria Clara. O Centro também realiza doações de cestas básicas e enxovais para recém-nascidos.

Na igreja de Ranieri, as celebrações incluem cantatas, musicais e confraternizações. “São cultos especiais, com mensagens voltadas ao nascimento do Menino Jesus, profetizado por Isaías”, explica.

Na tradição católica, a Missa do Galo, celebrada na noite de 24 para 25 de dezembro, simboliza a espera. Segundo o padre Giuli, questões de segurança têm alterado os horários, mas o sentido permanece: “A Vigília é a espera; depois vem o nascimento”.

O tempo íntimo

O caminho da fé nem sempre é linear. Às vezes vem de berço; outras, é construído ao longo da vida. Dona Maria Clara nasceu frequentando o Centro Espírita, levada pelo pai, que era sacristão na Igreja Católica. Um dom mediúnico, reconhecido por um padre italiano, a conduziu definitivamente ao espiritismo e toda a família seguiu junto.

O padre Giuli também seguiu a tradição familiar. Natural de Porto Feliz, foi ordenado em 2004 e é pároco em Sorocaba desde 2015. Já Ranieri teve um percurso mais sinuoso. Conheceu a igreja por meio de uma tia e passou a frequentá-la sozinho. Encontrou ali desenvolvimento pessoal, tranquilidade e voz. Em casa, mantém tradições comuns: ceia, presentes e luzes.

Dona Maria Clara também celebra assim: “Fazemos uma prece antes da ceia, agradecemos a Deus e a Jesus. Trocamos presentes como se estivéssemos presenteando Jesus. Esse é o espírito do Natal”.

O padre Giuli explica a origem de símbolos como o pinheiro, símbolo da vida no rigor do inverno europeu; a troca de presentes, que remete a Jesus como o maior dom de Deus; e até o Papai Noel, inspirado em São Nicolau, bispo conhecido pela caridade. Entre todas, destaca o presépio: “Criado por São Francisco de Assis, no século 18, para evangelizar aqueles que não sabiam ler”. E conclui: “O celebrar em família, a ceia, os presentes, tudo isso é bem-vindo, desde que haja um sentido maior: Jesus nascido para o bem de todos nós”.

 

 

 

 

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