Chuvas
Alagamentos voltam a Sorocaba e evidenciam obras inacabadas
Moradores afirmam que obras anunciadas após calamidade de janeiro de 2024 não foram concluídas; medo de novas enchentes permanece em bairros que sofreram novamente com a chuva desta semana
As chuvas dos últimos dias voltaram a alagar avenidas importantes de Sorocaba e deixaram moradores em alerta em regiões que ainda se recuperam dos prejuízos do ano passado. Pontos como Afonso Vergueiro, Dom Aguirre, Juvenal de Campos e XV de Agosto ficaram tomados pela água, enquanto famílias de bairros como Parque das Águas, Vitória Régia e jardim Marco Antônio passaram a noite acordadas, temendo novas enchentes.
O cenário reacende questionamentos sobre a efetividade das ações anunciadas pela Prefeitura depois que Sorocaba decretou estado de calamidade pública em janeiro de 2024, quando um temporal despejou 148 mm de chuva em cerca de duas horas, recorde histórico. À época, o Executivo municipal afirmou que avançaria com obras estruturais emergenciais, como desassoreamento, reservatórios de cheias, reforço de bombas e construção da RDC (Rede de Drenagem Contínua) no Parque das Águas — conjunto de medidas que, segundo a gestão, mitigariam os efeitos das próximas chuvas.
Um ano depois, entretanto, moradores relatam que parte das promessas não saiu do papel. A presidente da associação de moradores do bairro, Cristina Elias, afirma que, apesar de intervenções pontuais, aquilo que foi anunciado como solução definitiva ainda não foi entregue. “Para resolver o problema, seria o término da RDC com a casa de máquinas. A manutenção periódica dos bancos de areia do rio também foi prometida. Até colocaram uma máquina no rio agora, mas esse é um trabalho que tem que ser permanente. Faz 30 anos que moro aqui e sigo esperando as obras terminarem”, disse.
Segundo Cristina, os alagamentos se tornaram frequentes após o rompimento de adutoras em 2003. Ao longo dos anos, relata ter acumulado prejuízos materiais e emocionais. “Foram muitas perdas: carros, móveis, materiais da firma do meu marido. E o pior é o psicológico. Meu maior sonho é, em um dia de chuva, conseguir dormir.” Ela afirma que a Prefeitura chegou a adquirir uma bomba nova, mas o sistema ainda funciona de maneira improvisada. “Compraram uma bomba, mas é manual. Estamos esperando a casa de máquinas ficar pronta.”
“O que fizeram é insuficiente. Estamos há anos esperando a conclusão da obra”, desabafou Francisco Ferraz, morador do jardim Marco Antônio, ao lado do Parque das Águas. Ele instalou, por conta própria, um sistema de contenção para evitar a entrada de água em sua casa. Relata noites em claro e sensação constante de insegurança. “Me sinto bastante preocupado. Ontem (10), muitos moradores ficaram acordados com medo de a água passar por cima do dique. Fiquei acordado até as 3h da manhã. Viver desse jeito não é fácil.”
Ele é categórico ao avaliar as ações do poder público: “Somente promessas. O Saae sempre diz que a licitação para equipamentos demora. Enquanto isso, quem sofre somos nós.” Para Francisco, mesmo o dique construído recentemente pode ser insuficiente caso outras obras alterem o curso da água. “Depois que fizerem o alteamento da XV de Agosto, vai impactar muito aqui. Toda água que extravasar daquele lado vai vir para cá, anulando o dique.”
O comerciante Matheus Domiciano, que trabalha no Parque das Águas, confirma que as chuvas de 2024 chegaram a invadir sua empresa. “No ano passado, com uns 150 mm de chuva, a água chegou aqui muito rápido. Juntou a chuva com a liberação de água da represa.” Ele reconhece que parte das intervenções ajudou — especialmente o dique —, mas afirma que a estrutura está incompleta. “A água passou e parou no muro de contenção, funcionou. Mas ficou faltando a casa de bombas. Falaram que iam fazer, depois disseram que não iam mais.”
No Vitória Régia, onde o rio Sorocaba já transbordou em diferentes anos, moradores afirmam que a intervenção feita recentemente pelo poder público não funcionou como esperado. A moradora Letícia Cristina Cardoso de Lima, que vive no bairro desde criança, relata: “Falaram que as obras iam impedir alagamentos, mas piorou. A última vez que alagou, entrou dentro da casa. Nunca tinha acontecido desde 2007. Depois da obra é que encheu.” Letícia também conta que a família perdeu um carro na enchente do último ano.
Por outro lado, a moradora Julia de Lima diz confiar que as bombas instaladas consigam segurar a água, mas admite preocupação. “Ficou a dois dedos de entrar na minha cozinha. Eu confio em Deus, mas a gente fica nervosa.”
Questionada sobre as ações prometidas, a Prefeitura informou que, desde 1º de dezembro, a Defesa Civil de Sorocaba opera a Campanha SP Sempre Alerta Operação Chuvas 2025/2026, em parceria com o Governo do Estado. “A iniciativa, que prossegue até o dia 31 de março, é conjunta entre o Governo do Estado e os municípios paulistas”, ressaltou o município.
A Administração Municipal afirma que mantém equipes em atuação contínua para minimizar impactos durante os eventos de chuva. “Equipes técnicas reforçaram nos últimos meses a limpeza de bocas de lobo e canais de drenagem”, especialmente em regiões que historicamente acumulam grande volume de água, como Vila Rica, Parque Vitória Régia, Jardim Guadalupe, Jardim Maria do Carmo, Vila São Pedro, Praça da Bandeira e trechos das avenidas Ipanema e Itavuvu.
O Saae/Sorocaba também continua executando ações estruturais. Segundo a Prefeitura, foram realizados “a manutenção e limpeza preventiva de córregos, assim como a construção e manutenção de Reservatórios de Detenção de Cheias (RDCs)”. O desassoreamento do rio Sorocaba prosseguiu ao longo do ano, “inclusive com o uso de escavadeira anfíbia”.
A administração cita ainda a substituição de diversas travessias sobre córregos, com o objetivo de aumentar a vazão nos dias de chuva intensa. Intervenções nos bairros jardim Mathilde e Piratininga estão entre os exemplos mencionados.
Com a aproximação do período de maior instabilidade, a Defesa Civil afirma estar em prontidão contínua. “A Defesa Civil prossegue permanentemente de prontidão, em esquema de plantão 24 horas”, informou o órgão. Todas as secretarias municipais estão de sobreaviso “para atuar emergencialmente em atividades de rescaldo das chuvas, sinalização de vias ou operações para garantir a mobilidade”.
Na terça-feira (9), o Saae apresentou o estudo de revisão do Plano Diretor de Macrodrenagem às secretarias municipais da Prefeitura de Sorocaba. O levantamento revelou a necessidade de adequações em estruturas existentes de drenagem e pontos ao longo do rio Sorocaba. Para esses locais, o Plano propõe medidas estruturais e não estruturais organizadas em curto, médio e longo prazo, incluindo ampliação e requalificação da drenagem, criação de parques lineares em áreas de várzea e implantação de um Sistema Municipal de Monitoramento Hidrológico em tempo real.
Segundo a autarquia, também foram estabelecidas diretrizes para ações de educação ambiental e participação social, reforçando a conscientização sobre o descarte adequado de resíduos e a preservação das áreas verdes, fundamentais para a absorção da água de chuva. (Caroline Mendes)
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