Polêmica
Doação de terreno deve seguir interesse público
A votação do projeto de lei nº 93/2025, que autoriza a doação de um terreno público de 5,4 mil metros quadrados no Jardim São Carlos à Associação Cristã de Assistência Plena (Acap), não ocorreu como previsto na Câmara de Sorocaba. Houve pressão contra a iniciativa e a sessão extraordinária que seria realizada ontem foi cancelada. Moradores próximos ao terreno se mostram resistentes e, para especialista, a doação exige estudos técnicos e interesse público.
Segundo o advogado Matheus Miranda, especialista em Direito Público, todo o processo deve respeitar os princípios administrativos, especialmente o da motivação e o do interesse público. “A doação só é válida quando há demonstração clara das razões que justificam a operação e dos benefícios que ela trará à coletividade. Caso o procedimento seja conduzido sem estudos técnicos, sem motivação adequada ou de forma apressada, sua legalidade pode ser contestada judicialmente, sobretudo pela alegação de que a urgência foi utilizada como instrumento para limitar o debate público e fragilizar a análise técnica necessária ao ato de disposição patrimonial.”
O projeto que prevê a desafetação da área havia sido enviado em regime de urgência pelo Executivo. Miranda explica que desafetação consiste no ato pelo qual o Poder Público retira a destinação pública de um bem de uso comum ou de uso especial, convertendo-o em bem dominical (que pertencem ao Estado na sua qualidade de proprietário). “Apenas bens dominicais são, em regra, alienáveis. Assim, a desafetação de um bem de uso especial, como um prédio escolar ou hospitalar desativado, constitui requisito indispensável para sua posterior alienação, incluindo a doação. Por alterar a natureza e a disponibilidade de patrimônio público, exige-se demonstração clara de que não subsiste interesse público na sua afetação original.”
A Acap pretende usar a área para construir sua nova sede e implantar um Centro de Convivência aberto gratuitamente à comunidade, com atividades culturais, socioeducativas e de lazer. A entidade, que atua desde 1996 no acolhimento de pessoas em vulnerabilidade, afirma ter realizado mais de 13 mil atendimentos, distribuído 2,6 milhões de refeições e promovido quase 1.900 reintegrações sociais.
O empresário Hamilton Ferreira, 42 anos, presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) Centro desde 2021 e que mora no bairro há quase 2 anos, diz que a questão da doação é complicada. “Um projeto muito rápido feito assim, em sessão extraordinária, ficou uma coisa esquisita, obscura. É uma área de mata, com muito verde, cheia de árvores e até animais silvestres. Não vejo razão de construir algo ali”, diz Ferreira.
Ele aponta que o bairro tem muitas necessidades, e que outros projetos como praças e até creches e postos de saúde seriam mais úteis.
Prefeitura
A Prefeitura de Sorocaba afirma que “todos os trâmites envolvendo a Acap foram realizados dentro da absoluta legalidade” e que a doação cumpre os requisitos jurídicos. A administração pública também declarou que os repasses e parcerias com a entidade sempre seguiram “critérios legais e transparência total”. Ainda assim, não respondeu se pretende retirar o projeto ou insistir na votação em sessão futura. Também não esclareceu quais estudos de impacto, se existentes, embasaram a escolha da área — hoje uma grande porção de mata, cercada por residências de alto padrão e localizada próxima à rodovia Raposo Tavares.
Contestação
Se a doação não ter embasamento técnico e teórico relevantes, de acordo com o advogado Matheus Miranda, uma “ação popular pode ser utilizada por qualquer cidadão para anular atos lesivos ao patrimônio público, especialmente quando inexistem avaliações prévias ou justificativas consistentes que sustentem a urgência e a conveniência da medida”. Segundo ele, “o Ministério Público, ao identificar indícios de irregularidades, pode instaurar inquérito civil e posteriormente ajuizar Ação Civil Pública para anular a lei autorizativa ou o ato de doação, além de responsabilizar prefeito e vereadores por eventual improbidade administrativa. Os Tribunais de Contas, por sua vez, ao fiscalizarem a legalidade e economicidade da doação, podem considerar o ato irregular diante da falta de estudos que comprovem o interesse público, determinando sua anulação.”
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