TAC
Sorocaba registra 74 denúncias de trabalho infantil no primeiro semestre
Município tem um acordo com o Ministério Público do Trabalho para adotar medidas voltadas à erradicação do problema; desafio envolve toda a sociedade
A Prefeitura de Sorocaba recebeu 74 denúncias de trabalho infantil apenas no primeiro semestre de 2025, segundo dados da Secretaria da Cidadania (Secid). Em 2024, foram registradas 175 ocorrências, enquanto em 2022 o número era de 54. O levantamento aponta um aumento superior a 200% em dois anos.
Para enfrentar o trabalho infantil, Sorocaba firmou, em 2019, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Pelo acordo, o município se comprometeu a adotar uma série de medidas voltadas à erradicação do trabalho infantil, entre elas a destinação de recursos anuais do Fundo Municipal de Assistência Social para políticas públicas de proteção a crianças e adolescentes.
O TAC determina que o orçamento municipal tenha destinação de verbas suficientes para a implementação de programas e ações permanentes de combate à exploração infantil. O processo ainda será avaliado pela Justiça para verificar se a prefeitura está cumprindo integralmente as obrigações estabelecidas no termo.
A psicóloga Rita Souza, assistente de gabinete da Secretaria da Cidadania (Secid) de Sorocaba, explica que há dois tipos de trabalho infantil no município: os “visíveis”, como a venda de doces feita por adolescentes nos semáforos, e os “invisíveis”, que ocorrem dentro de residências e estabelecimentos comerciais, muitas vezes em condições insalubres.
Para tentar mudar essa realidade, a Secid, em conjunto com diversas secretarias e outros órgãos, atua em algumas frentes, entre elas a busca ativa. O objetivo é dialogar com os adolescentes que estão trabalhando nas ruas para ofertar a participação em programas sociais e melhores condições de vida. Essa abordagem é realizada por uma equipe do SOS de Sorocaba.
“Temos essa abordagem social, essa ideia de vínculo, de se aproximar desse jovem. Não precisamos, inicialmente, ofertar o nosso serviço, mas nos aproximar, tentar descobrir de onde ele é, qual bairro. No meio disso, identificamos se é uma situação de drogadição, se esse jovem está vendendo pipoca para alimentar o vício...”, destaca a psicóloga.
A profissional enfatiza que há, também, nesse sentido, uma forte articulação com os programas de saúde mental. “Se alguma questão for identificada, temos até 72 horas para que essa família seja atendida no Caps Infantojuvenil. Com essa família sendo atendida, conseguimos começar a entender a real situação.”
Serviços prestados
Além da abordagem social, a Prefeitura de Sorocaba oferece outros serviços, como o Bolsa Peti, destinado às famílias com crianças e adolescentes retirados do trabalho infantil. Segundo a Secid, o programa concede auxílio financeiro mensal, com valores que variam de acordo com a composição familiar, a fim de apoiar a permanência dos jovens na escola.
Outra iniciativa é o Programa Aprendiz Municipal, que disponibiliza vagas de aprendizagem a adolescentes por meio de uma parceria com o Instituto Técnico Educacional Mirian Menchini (Itemm), responsável pela formação e acompanhamento dos jovens.
Quem participou do programa foi a estudante Lana Vitória Viana de Proença, de 16 anos. Antes de conhecer o Itemm, quando tinha 14, a adolescente começou a trabalhar em um restaurante de comida japonesa. No entanto, o que seria uma experiência enriquecedora de primeiro emprego acabou se tornando um grande problema, com condições insalubres, ausência de documentação adequada e jornadas de trabalho prolongadas.
Ela conta que alguns adolescentes chegavam a dobrar o horário de trabalho e só podiam ir embora quando todos os clientes deixavam o local. Além disso, realizava diversas funções ao mesmo tempo, como atendimento ao público e preparo de alimentos.
“Quando eu entrei lá foi muito estranho porque tinha gente de 12 anos, um pessoal muito novo. Tanto que lá a gente tinha que usar máscara, a gente não podia ser reconhecido.”
A rotina intensa começou a prejudicar o desempenho escolar. Diante disso, Lana decidiu deixar o emprego, e sua mãe procurou informações sobre oportunidades para jovens em um Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). No local, a família recebeu orientações e Lana passou a integrar o projeto do Instituto Técnico Educacional Mirian Menchini (Itemm), em parceria com a Prefeitura de Sorocaba.
“Eu trabalhei no Creas do Ipiranga por dez meses, um lugar que eu tenho um amor gigantesco. Por ter sido uma jovem de destaque em algumas áreas, eu consegui, antes do final do contrato, uma entrevista para a Metalac. Eu passei no processo seletivo e estou trabalhando no comercial de lá”, conta.
Outras frentes de trabalho
Atualmente, Sorocaba conta com diversas frentes de combate ao trabalho infantil. Segundo a conselheira tutelar Lígia Guerra, desde 2017 o município possui o Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil, formado por integrantes da sociedade civil e do poder público. O grupo se reúne constantemente para discutir ações relacionadas ao tema.
“Nós temos uma questão de trabalho infantil que a gente tem tentado erradicar em conjunto, que é o trabalho no semáforo, que é o que está mais em evidência. Mas, se hoje eles estão lá, é porque tem gente que compra. Então, enquanto a sociedade não se sensibilizar e a questão cultural não mudar, de que criança trabalhando é melhor do que criança na escola e do que a criança roubando, nós não vamos conseguir erradicar o trabalho.”
Lígia explica também que outra forma de trabalho infantil identificada em Sorocaba ocorre por meio de estágios fraudulentos.
“Aqui em Sorocaba, foram detectadas pelo Ministério do Trabalho várias empresas que utilizam adolescentes, a partir de 16 anos, que estão no ensino médio, para estarem trabalhando como estagiários no comércio em geral, sendo que não existe esse contrato de estágio.” Para conscientizar os jovens sobre o tema, o fórum promove ações em escolas do município.
“Nós fizemos várias reuniões na Diretoria de Ensino e estamos indo às escolas. Os pais procuraram a Justiça do Trabalho, porque a partir dos 16 anos o adolescente pode trabalhar formalmente, com carteira registrada, tudo direitinho, exceto em lugar perigoso, insalubre ou noturno. Estamos tentando sensibilizar esses adolescentes sobre o risco que eles correm.”
Justiça do Trabalho também faz acompanhamento
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) é outro órgão que atua na prevenção e no enfrentamento do trabalho infantil, por meio do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem. O presidente do comitê é o desembargador do trabalho João Batista Martins César, que explica que o Tribunal trabalha não apenas pela erradicação do trabalho infantil, mas também pela promoção da aprendizagem profissional.
O desembargador Martins César enfatiza que o trabalho infantil é consequência da falta de renda de famílias em situação de vulnerabilidade social. Por isso, destaca a necessidade da aprendizagem, pois ela qualifica os jovens para o ingresso no mercado de trabalho.
“Eles vão fazer tudo em uma jornada reduzida, de quatro a seis horas, e ao final do processo de aprendizagem, que normalmente é de dois anos, eles vão ter um diploma e eles podem exercer um ofício. Então, vai ser auxiliar de logística, auxiliar de escritório, auxiliar de comércio, por aí vai. Então, isso é importante. E, principalmente, porque agora nós temos a aprendizagem social. Grandes empresas podem cumprir a cota social contratando os aprendizes e eles vão fazer a parte prática da aprendizagem em repartições públicas, em entidades.”
Ainda nesse sentido, o desembargador salienta que devem existir políticas públicas que garantam renda aos jovens, a fim de evitar a disseminação do trabalho infantil, já que essa é uma forma de manter o adolescente na escola.
“Onde não tem miséria, não tem trabalho infantil. Se você ver os dados oficiais, a gente percebe bem isso. Então a gente precisa avançar nessas políticas de transferência de renda e, infelizmente, a gente não vê. Temos que orçamentar a criança.”
Denúncias
Ao presenciar uma situação de trabalho infantil, a população pode denunciar o caso. O telefone da Secretaria da Cidadania de Sorocaba é o (15) 3212-6900. O relato pode ser feito também por meio do Disque 100.