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Trânsito

Mudanças no processo para tirar a CNH dividem opiniões

Projeto do Ministério dos Transportes propõe flexibilizar exigências para tirar habilitação, com objetivo de reduzir custos

30 de Agosto de 2025 às 21:50
Thaís Verderamis [email protected]
De acordo com o secretário Adrualdo Catão, muitas pessoas dirigem sem CNH por causa do alto custo do documento
De acordo com o secretário Adrualdo Catão, muitas pessoas dirigem sem CNH por causa do alto custo do documento (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO)

Tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), para muitos, é um sonho ou, pelo menos, o primeiro passo para um sonho maior: o primeiro veículo ou a liberdade que o meio de locomoção proporciona. Porém, para muitos, as dificuldades aparecem já na primeira etapa do plano.

Este é o caso do auxiliar de expedição Matheus Henrique de Araújo Mitrus, de 19 anos. “A questão financeira foi um pouco complicada, não é à toa que não consegui tirar a CNH assim que fiz 18 anos, porque eu não tinha renda antes disso. Depois que fiz 18, comecei a trabalhar e juntar dinheiro, porque eu também precisava de outras coisas com a renda”, explica.

O primeiro contato de Matheus dirigindo foi na autoescola, mas o interesse já existia há tempos. “Eu estava bem entusiasmado para tirar a habilitação. O processo para mim foi bem gostoso porque eu já queria começar a dirigir. Aproveitei bem cada momento, aplicando o que já tinha observado”, conta.

Outra aluna, que preferiu não se identificar, está na décima aula prática. Ela também teve o primeiro contato com a direção na autoescola. “Estou na décima aula. Acho importante não só para aprender a dirigir, mas também pelas orientações”, relata.

O processo para tirar a CNH e, principalmente, os preços, estão sendo estudados. O valor varia de região para região. No Estado de São Paulo, entre os menores do Brasil, 10% correspondem às taxas do serviço do Detran-SP, no valor de R$ 234,97; 10% aos exames médicos e psicológicos, de R$ 122,17 e R$ 142,53, respectivamente; e 80% do valor restante, que compõe o preço final, é cobrado pela autoescola.

Em Sorocaba, na autoescola ABC, o custo médio para tirar a primeira habilitação é de R$ 2 mil. Deste valor, 25% são taxas governamentais, afirma Laura Alarcon, diretora da ABC Auto Moto Escola.

Diante dessa realidade, o Ministério dos Transportes (MT) elaborou um projeto que torna possível cancelar a obrigatoriedade da autoescola para tirar a CNH, barateando o processo.

No entanto, o assunto tem gerado dúvidas na cidade e reprovação por parte da Autoescola ABC. “A recente proposta de mudança na estrutura da formação de condutores, que prevê a possibilidade de candidatos à habilitação realizarem aulas diretamente com instrutores autônomos, traz impactos profundos não apenas às autoescolas, mas a toda a sociedade”, afirma a direção.

Segundo a empresa, a proposta pode aumentar os custos em vez de diminuir. “Aulas com profissionais autônomos serão mais caras devido à ausência de estrutura compartilhada e ganho de escala. Sem contratos formais, os valores podem subir conforme o preço da gasolina, manutenção e outros custos”, explica.

Outro ponto levantado é a segurança. “Uma preocupação é com o trânsito. Amigos, parentes e vizinhos passando ‘dicas’ de direção sem preparo algum comprometem diretamente a segurança, que já está em níveis preocupantes. Acidentes e traumas psicológicos tenderão a crescer por falta de orientação profissional adequada”, avalia.

Para encerrar, a escola defende a modernização, mas com cautela. “Nós, da ABC, defendemos a modernização do setor sim, mas com diálogo, responsabilidade e respeito às vidas envolvidas.”

O projeto

No Brasil, 54% da população não dirige ou dirige sem habilitação, o que representa mais de 100 milhões de pessoas. Deste total, 56% afirmam ter interesse em tirar o documento, mas 32% apontam o valor como maior impeditivo.

Segundo o secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, “essa é uma realidade hoje. Tantas pessoas dirigindo sem CNH porque ela é muito cara, caríssima. Tem um valor proibitivo para o cidadão”, considera.

Na proposta do MT, a parte teórica poderá ser feita totalmente on-line. O aluno poderá estudar sozinho para realizar a prova. Já na parte prática, não será mais obrigatória a carga de 20 horas/aula em autoescolas sendo cinco em simulador e 15 práticas. O candidato poderá optar por frequentar a autoescola ou procurar instrutores autônomos certificados pelo Detran. A quantidade de aulas ficará a critério da necessidade de cada um.

Apesar das mudanças, as exigências da lei serão mantidas. Familiares ou terceiros não poderão dar “aulas”. “O instrutor autônomo tem que ser credenciado no Detran. Essa é a nossa proposta. A gente vai manter a exigência que está na lei”, esclarece Catão.

Ainda segundo o secretário, facilitar o acesso à CNH gerará uma série de benefícios. “As pessoas vão ter mais oportunidade de emprego. Não vão para a clandestinidade fazer entregas. Isso impacta diretamente a segurança, porque quem está na clandestinidade tende a permanecer assim. Quando a pessoa está formalizada, há uma tendência natural de que queira garantir a sua CNH, tenha medo de perder, de ganhar pontos na carteira”, destaca.

A medida também pode ajudar a suprir a carência de motoristas profissionais. “Estamos em falta de motoristas com carteira C, D e E, que a princípio continuarão com requisitos mais rígidos, pois são veículos pesados. Mas, quando aumenta o contingente de pessoas com carteira B, a tendência é que mais gente busque as carteiras C, D e E. É muito importante, porque o Brasil tem falta crônica de motoristas de caminhão e ônibus. O projeto é sobre segurança viária, mas também sobre inclusão social”, reforça.

Segurança

Segundo o especialista em Trânsito, Mobilidade e Segurança, Renato Campestrini, “o trânsito brasileiro é um dos que mais mata no mundo. Desde 2021, quando houve a flexibilização das regras, os dados de óbitos têm subido ano a ano. Isso reforça a necessidade de revisão no processo de formação do condutor, algo que chegou a ser tentado em 2018 com a edição da Resolução nº 726 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), revogada dez dias após a publicação”, explica.

O especialista reforça que o papel das autoescolas não é apenas ensinar a conduzir, mas formar cidadãos conscientes. “O dever é trabalhar a formação da pessoa como ciente de seus deveres e obrigações na condução de um veículo automotor, cujos efeitos nocivos são tão perigosos quanto os de uma arma de fogo. Com condutores aptos apenas ao ato de dirigir, a possibilidade de termos um trânsito ainda mais letal é enorme”, afirma.

A nova medida proposta pode abrir margem para instrutores informais. “A pessoa, quando aprende a conduzir pelas mãos de um condutor qualquer, pode adquirir hábitos que não são previstos na legislação, recebendo orientações equivocadas”, alerta Campestrini.

Segundo ele, a educação para o trânsito nas escolas, prevista desde 1988 no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), poderia ter ajudado a formar condutores mais preparados. “Se o jovem chegasse à idade de obter sua habilitação já consciente de seus direitos e obrigações, o processo seria mais rápido e eficiente”, avalia.

Portanto, o especialista destaca que a questão não é apenas o acesso à CNH, mas a qualidade do processo. “O documento não pode ser apenas uma formalidade; deve atestar que o condutor está realmente apto e tem condições mínimas para dirigir.”