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Judiciário

Demora nos processos das Varas da Família de Sorocaba gera reclamações

Presidente da subseção local da OAB diz que a situação é de calamidade

30 de Agosto de 2025 às 20:50
Vanessa Ferranti [email protected]
Fórum terá mais uma Vara da Infância e mais uma Vara Cível, mas 
não há previsão de nova Vara da Família em breve, informa o TJ
Fórum terá mais uma Vara da Infância e mais uma Vara Cível, mas não há previsão de nova Vara da Família em breve, informa o TJ (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO (20/8/2025))

Resolver conflitos familiares pode ser um desafio, principalmente quando envolvem crianças e adolescentes. Para garantir os direitos das partes e buscar soluções justas, existem as Varas da Família. No entanto, aquilo que deveria facilitar a resolução dos processos tem frustrado quem aguarda uma decisão.

Em Sorocaba, uma mãe, que por segurança não será identificada, aguarda há um ano e meio por uma decisão de pensão alimentícia. Ela conta que o pai da criança não paga o valor integral da pensão desde janeiro de 2024, situação que impacta diretamente o bem-estar do filho, pois o valor depositado não cobre as despesas básicas, como alimentação e gastos com saúde.

“Ele decidiu alterar a pensão por conta própria, não seguindo o que tinha sido determinado. O que está determinado, ele não cumpre. Quando entramos com o pedido, eu tinha certeza de que ia funcionar rápido, que ia fluir, mas não foi o caso. Isso é um descaso e mostra a forma como o Judiciário lida com temas importantes como esse, envolvendo uma criança e uma mãe”, declarou a mulher.

Segundo o advogado responsável pelo caso, o pai da criança sequer foi citado no processo. Ele ressalta ainda que situações como essa acabam favorecendo quem não cumpre a legislação.

Essa não é a primeira vez que o Cruzeiro do Sul recebe reclamações sobre a demora nos processos das Varas da Família de Sorocaba. O caso foi tema de reportagem em duas ocasiões em 2024. Em junho daquele ano, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Sorocaba informou que a situação das varas da família da cidade era considerada crítica. Mais de um ano depois o problema continua o mesmo.

Crescimento

Segundo João Paulo Milano, presidente da subseção da OAB em Sorocaba, a situação atual é de calamidade. Ele destaca que a população da cidade cresceu muito nos últimos anos e as Varas da Família não estão comportando a demanda de processos, pois faltam juízes.

Milano explica que o tempo médio de tramitação dos processos nas Varas da Família, para que os pedidos urgentes sejam apreciados, deveria ser de no máximo 120 dias, conforme a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No entanto, isso não tem ocorrido.

“Nós não estamos tendo uma devolutiva do Estado capaz de atender a essas necessidades. Temos absurdos de perícias a serem realizadas para embasar decisões judiciais, como a liberação de visitas ou a alteração de guarda, que demoram dois, três, quatro, cinco anos. Às vezes o menor se torna maior e o processo acaba tendo outro encaminhamento. O prejuízo que a cidade tem tido é muito grande.”

Em dezembro de 2023, uma quarta Vara da Família foi inaugurada em Sorocaba. No entanto, o presidente da OAB afirma que a morosidade vem de muitos anos e, por isso, as varas existentes ainda não são suficientes para atender o município.

Um levantamento da OAB mostra que em 2019 havia quase 4 mil processos em andamento em apenas uma das varas. Em 2024, o número saltou para 5,5 mil em uma das unidades. Considerando essa média, nas quatro varas o total seria superior a 20 mil processos. O Tribunal de Justiça (TJ) informa que atualmente há cerca de 13 mil processos da área de família em andamento na comarca.

Para acelerar os trabalhos, a OAB encaminhou, em março deste ano, um ofício solicitando a criação de mais duas Varas da Família em Sorocaba. Segundo João Paulo Milano, outros dois pedidos também foram apresentados: um pelos juízes de Sorocaba e outro pelo deputado estadual Danilo Balas (PL).

“A Corregedoria vai fazer uma análise para verificar se o nosso pedido se enquadra naquilo que o tribunal entende como válido para a instalação de mais varas por aqui, e então é feito um parecer. Quando a Corregedoria emitir parecer opinativo pela criação, esse documento será levado ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça, que vai, de fato, decidir pela instalação, pela criação da vara ou até mesmo pelo deslocamento de outra unidade para Sorocaba”, observa Milano.

Insegurança

A demora na resolução de conflitos familiares prejudica a saúde mental e deixa crianças e adolescentes com uma sensação de insegurança, explica a psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Ana Laura Schliemann.

Em muitos casos, a morosidade gera brigas, e a criança, ao presenciar a situação, sente-se vulnerável, no meio da discussão.

“Essa criança fica se sentindo uma bolinha em um jogo de pingue-pongue. Emocionalmente, ela fica vulnerável porque se sente insegura, não sabe com quem vai ficar. Ela escuta frases soltas, muitas vezes sem sentido, e tanto a criança quanto o adolescente podem dar um rumo diferente a isso”, explica a psicóloga.

Além disso, o desenvolvimento pode ser impactado. “Às vezes é preciso tirar a criança da escola, há mudança de casa, de amigos, de estilo de vida. Então, vamos vendo uma relação constante de perdas e frustrações. Isso pode gerar mágoa, raiva e ressentimento.”

Para amenizar os impactos durante a demora na resolução de um conflito, Ana Laura orienta que os pais conversem e busquem gerir, da melhor forma possível, a vida da criança e do adolescente.

“Eu acredito que a primeira coisa é o adulto se reconhecer no papel de adulto, responsável por essa criança e pela saúde mental dela. É importante buscar ajuda profissional quando necessário, recorrer à conciliação, não a conciliação de manter o casamento, mas aquela que permite lidar melhor com a situação e garantir boas condições para o filho. Também é essencial tentar mudar o mínimo possível: não trocar de escola ou de casa, sempre que for viável, mantendo para os filhos aquilo que pode transmitir maior segurança.”

Atendimento à demanda

O Tribunal de Justiça de São Paulo informou que está atento à demanda de Sorocaba. Segundo o TJ, as quatro Varas da Família e Sucessões contam com juízes titulares e apoio de juízes auxiliares, além de servidores nomeados nos últimos anos para reforçar as equipes. O órgão ressalta ainda que, entre as três varas mais antigas (1ª, 2ª e 3ª) o Índice de Atendimento à Demanda (IAD) ultrapassa 100%, ou seja, o número de processos finalizados supera o de novos casos. Não foram contabilizados os dados da 4ª Vara da Família, por se tratar de uma unidade instalada há pouco mais de um ano e meio.

Conforme o TJ, o tempo de tramitação de um processo varia de acordo com sua complexidade, a necessidade de produção de provas, a dificuldade de localização das partes e/ou testemunhas e outros fatores correlatos.

“No mais, havendo morosidade excessiva e injustificada, o fato deve ser levado ao conhecimento da Corregedoria Geral da Justiça pelo interessado, para que sejam adotadas as providências necessárias junto à unidade ou ao(à) magistrado(a) responsável”, diz o Tribunal de Justiça.

O Cruzeiro do Sul questionou se há possibilidade da criação de mais varas. O órgão respondeu que instalará, no início de setembro, a 2ª Vara da Infância e da Juventude e a 10ª Vara Cível de Sorocaba. “A decisão observou os critérios normativos para instalação de varas, especialmente quanto à distribuição processual acima da média estabelecida.”

Com relação ao pedido de instalação de mais uma Vara de Família, segundo o TJ, a análise também foi realizada conforme os parâmetros objetivos previstos no provimento aplicável. “Contudo, a atual distribuição de ações nessa competência não alcança o mínimo exigido para a implantação de uma nova unidade”.

 

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